Gori: Cuddly Carnage

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Um jogo de ação e aventura com boas ideias, mau humor e uma ambição que tornam a experiência muito mais recompensadora do que seria de esperar.

O humor escatológico e, por vezes, inconveniente, sempre coberto por uma falsa ingenuidade e alicerçado à ironia, poderá ser a porta de entrada para muitos jogadores que procuram um videojogo menos sério e muito mais próximo às paródias e reapropriações que tanto marcam as redes e plataformas digitais. Em muitos casos, o humor de Gori: Cuddly Carnage é um pastiche de modas que vimos anteriormente, marcado por referências atuais e algumas até bastante antigas, munindo-se de um estilo visual que procura criar uma linguagem reconhecível por quem adora esta combinação entre piadas juvenis e a carnificina quase no patamar do body horror, ao ponto de imitar deliberadamente os títulos de apresentação da série Borderlands, onde todas as personagens são introduzidas com o seu nome e um subtítulo jocoso que procura reforçar como a Angry Demon Studio não se quer levar a sério.

Não é difícil adivinhar que não fui o maior fã do humor de Gori: Cuddly Carnage e da sua narrativa previsível. A história de Gori, um adorável, mas muito radical gato humanoide talvez seja o que muitos jogadores estão atualmente à procura. A seriedade fica do outro lado da porta, a mente mantém-se desligada e as piadas sucedem-se a um ritmo alarmante, sem existir espaço para que possam respirar, quanto mais funcionarem como bons mecanismos narrativos. O absurdismo de uma realidade onde lutamos contra brinquedos e seres adoráveis – que afinal não são adoráveis, uma surpresa que não surpreenderá ninguém –, capazes de eliminar grande parte da Humanidade, não funciona como deveria e a piada perde-se rapidamente. O elenco principal, composto por Gori e dois dos seus companheiros cibernéticos – CH1-P e F.R.A.N.K. -, encontra os seus momentos de desenvolvimento quando a escrita lhes dá espaço para crescerem e o humor é silenciado.

O que não é tão desastroso, ou que não depende tanto da subjetividade de cada um, é a jogabilidade de Gori: Cuddly Carnage. Apesar de não se cimentar como uma experiência imperdível no género de ação e aventura, com uma pitada de plataformas à mistura, o jogo da Angry Demon Studio procurou equilibrar tantas mecânicas, sequências de combate, set pieces, colecionáveis e um sistema de melhorias através da aquisição de habilidades que é difícil não ficar surpreendido pela tentativa. Nem tudo funciona e os controlos demonstram uma certa ausência de polimento – o duplo salto é inconstante e tanto é eficaz, como determina um arco tão elevado que dificulta a navegação entre plataformas –, mas quando controlamos Gori em cima da sua prancha futurista – o já mencionado F.R.A.N.K, que raramente se cala ao longo da campanha – e saltamos entre plataformas, placards e navegamos por rails dentro e fora dos combates, conseguimos sentir os rasgos de criatividade no design de Gori: Cuddly Carnage. Talvez seja um caso de ambição a mais para o orçamento que tinham, mas a Angry Demon Studio tentou o seu melhor e não é difícil encontrar momentos onde todas as suas peças encaixam e a jogabilidade faz sentido.

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Gori: Cuddly Carnage (Wired Productions)

Os oito níveis presentes são muito lineares e seguem uma estrutura muito rígida, mas familiar ao apresentarem uma combinação entre arenas de combate, momentos de plataformas e alguns set pieces cinematográficos – ainda que se resumam apenas à fuga dentro de cenários fechados e com progressão automática. A exploração é mínima e os colecionáveis, sob a forma de peças de chaves – que podemos utilizar para desbloquear novas zonas na nave de Gori, ainda que as recompensas sejam quase sempre cosméticas e pouco mais –, estão quase sempre à vista se estivermos atentos, mas raramente senti que os níveis eram cansativos, previsíveis ou monótonos. A Angry Demon Studio fez um trabalho competente ao aproveitar as temáticas de cada nível e podemos encontrar zonas aquáticas, outras em que temos de acionar interruptores num tempo limite e ainda momentos que emulam os salões de videojogos e as velhas cabines de madeira.

As várias zonas são interligadas por curtos trechos de navegação, onde a prancha ganha destaque. Fiquei desapontado por não termos um sistema de pontuação mais agressivo e presente, que fosse além dos combates e que desse à navegação alguma densidade – um pouco inspirado pela série Tony Hawk’s Pro Skater, onde cada truque influenciaria a nossa pontuação final -, mas o controlo da prancha é eficaz e é muito intuitivo, existindo até um certo magnetismo aplicado aos rails para que a ação não pare. A prancha também é imprescindível em combate e os cenários apresentam várias oportunidades de mobilidade ao oferecerem os já mencionados rails, mas também plataformas, placards e outros alicerces que podemos utilizar para navegar pelos níveis ou então fugirmos a tempo dos unicórnios infetados que nos tentam matar. O que Gori: Cuddly Carnage precisava era de mais desafio e novas oportunidades de ação para que a utilização da prancha fosse exponenciada, com mais sequências de destreza ou então set pieces que não fossem tão previsíveis.

Gori: Cuddly Carnage também não é um character action e isso desapontou-me. Os trailers pareciam apontar para uma jogabilidade menos caótica e muito mais ponderada, mergulhada na carnificina dos “gibs” dos nossos inimigos, mas com um leque de combinações e habilidades que necessitassem de alguma memorização. Mas não é esse o jogo que temos. O que temos é uma versão simplificada de um jogo de ação e aventura, onde existe certamente um sistema de pontuação – até três estrelas e somos avaliados pelo tempo, pontuação, grau de dificuldade – e uma loja onde podemos adquirir habilidades e melhorias para Gori, mas falta-lhe densidade e oportunidades de combate para se distinguir dentro do seu género. Então Gori: Cuddly Carnage constrói-se sobre combinações simples, onde ataques rápidos e pesados interligam-se com habilidades mais poderosas e que consomem energia, num sistema de combate que requer mais rapidez na eliminação das criaturas do que propriamente alguma inventividade na forma como abordamos os confrontos. Até o sistema de pontuação não exige a alternação entre ataques e habilidades, limitando-se a aumentar de escalão até sofrermos dano ou deixarmos o timer chegar ao fim.

Os confrontos são caóticos, às vezes demasiado confusos, com as arenas sobrepovoadas por criaturas demasiado idênticas e que se desintegram em pedaços e efeitos visuais que nem sempre auxiliam a visibilidade em campo. A mobilidade é uma solução para evitarmos as hordas de inimigos e o caos que trazem consigo, e seria ainda mais empolgante se estivesse internamente ligada ao sistema de pontuação. Desta forma, a prancha serve como método de transporte, mas também de recolha de energia e pouco mais. Por um lado, a possibilidade de recuperarmos energia através da mobilidade é uma escolha acertada, já que o combate, no modo Normal, não exige muito dos jogadores e é muito fácil depender das habilidades especiais em detrimento dos ataques rápidos. Na verdade, os ataques normais pecam no feedback e é difícil sentir os seus efeitos em alguns inimigos, sendo uma opção mais viável para as criaturas que morrem só com um ataque.

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Gori: Cuddly Carnage (Wired Productions)

O sistema de combate quase se transforma num “toca e foge”, onde utilizamos as habilidades até gastarmos a energia de Gori, para depois voltarmos atrás e recuperarmos a energia que precisamos para continuar o combate. Eu digo “quase” porque Gori: Cuddly Carnage não é vazio mecanicamente e não só as habilidades são variadas e essenciais, como são constantemente introduzidos novos tipos de inimigos. Cada tipo requer uma nova estratégia ou habilidade e é necessário gerir os grupos para não sermos apanhados de surpresa. Por exemplo, podemos usar o escudo de Gori para devolver as balas de volta aos monstros e depois utilizar o Bash para quebrar os escudos que protegem os outros unicórnios, e depois saltarmos para atacarmos rapidamente os unicórnios voadores que atiram bombas.

No entanto, falta ritmo ao sistema de combate e isso deve-se não só à ausência de maiores riscos, já que a pontuação não é muito fidedigna – ficamos com a sensação que ganhamos pontos demasiado depressa até quando estamos a jogar menos bem, ainda que isto possa ser apenas um reflexo do nível de dificuldade Normal –, mas também à disposição dos vários inimigos em campo. Isto é uma irritação pessoal, mas a introdução do inimigos que disparam à distância rouba qualquer dinamismo ao combate porque obriga que nos afastemos da ação principal para matarmos estes inimigos. Isto torna-se mais grave quando a arena é extensa e nós temos de andar de rail em rail à procura de um só tipo de inimigo, para depois voltarmos novamente atrás e continuarmos o confronto. Parece que existe uma quebra no ritmo e ficamos sem saber ou sentir o que estávamos a fazer porque fomos obrigados a parar. Não é uma boa estratégia e mesmo com a introdução do lança-granadas, estes inimigos continuam a obrigar que nos afastemos do grupo principal de inimigos.

Gori: Cuddly Carnage falha nas suas tentativas de humor, mas apresenta um leque de personagens que irão certamente encontrar os seus fãs. A história não é o seu destaque, mas também não é um detrimento à diversão que encontramos na jogabilidade. Os níveis podiam ser mais variados, mas senti que estão bem equilibrados entre o combate e a mobilidade rápida. O problema é o polimento e uma melhor sensação de controlo e feedback em combate, que se fazem sentir sempre que puxamos mais pelas mecânicas de Gori: Cuddly Carnage. É o chamado “jank”, um síndrome quase sempre acompanhado por uma determinação em fazer mais com pouco. Assim é Gori: Cuddly Carnage: muita força num corpo pequeno, tal como seu herói.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Wired Productions.

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