Apesar de apresentar algumas alterações estratégicas ao sistema de combate e à progressão da campanha, Ys X: Nordics mantém viva a alma da série e reafirma-se como um dos RPG de ação mais divertidos e envolventes de 2024.
Quase a celebrar o seu 38º aniversário, a série Ys continua a não gozar da mesma popularidade e impacto cultural de franquias como Final Fantasy, Dragon Quest e, mais recentemente, Shin Megami Tensei e Persona. As aventuras de Adol Christin, o destemido espadachim que procurou conhecer e catalogar o mundo de Esteria e as suas várias misteriosas regiões e povos, não foram propriamente prejudicadas pela ausência de lançamentos ocidentais e os primeiros títulos, Ys I: Ancient Ys Vanished e Ys II: Ancient Ys Vanished – The Final Chapter, chegaram à SEGA Master System, DOS, NES e TurboGrafX–CD nos EUA, culminando no lançamento de Ys III: Wanderers from Ys, que alterou a perspetiva de top down para sidescroller já na SEGA Mega Drive e SNES. Talvez tenha sido a sua aposta numa jogabilidade mais ativa, centrada na ação e na dificuldade, longe dos confrontos por turnos das séries mais populares, que condicionou os lançamentos no ocidente. Até Ys VI: The Ark of Napishtim, lançado na PlayStation 2, não foi capaz de provocar ondas suficientemente fortes na indústria ocidental para dar à série da Falcom o reconhecimento que tanto merecia.
Apesar do meu amor por Ys e as aventuras de Adol, o meu ponto de entrada só surgiu com a estreia da série na PlayStation 2. The Ark of Napishtim apresentou-me a jogabilidade rápida e absolutamente imperdoável da série através de níveis que combinavam o melhor do combate simples, mas intenso, com sequências de plataformas intercaladas por armadilhas, saltos e outros perigos ambientais que poderiam ditar o nosso fim se não estivéssemos com atenção. A minha curiosidade levou-me a conhecer o resto da série. Se The Ark of Napishtim vinha acompanhado por uma numeração “VI”, onde estariam os cinco jogos anteriores? Fui encontra-los em consolas como as já mencionadas NES, SEGA Mega Drive e SNES, alguns já disponíveis no ocidente, para minha surpresa, mas certos títulos da saga nunca saíram do Japão. Mesmo com o impacto de The Ark of Napishtim e alguma cobertura por parte dos críticos e jornalistas, a série não demorou a voltar ao anonimato e estatuto de culto, estatuto esse que só começou a mudar com Lacrimosa of Dana e a chegada de Ys a consolas como a PlayStation 4 e a Nintendo Switch.
Se as séries Trials (também da Falcom), Shin Megami Tensei e Dragon Quest gozam atualmente de lançamento simultâneos a nível global, não existindo enormes tempos de espera entre localizações, sinto que o mesmo não pode ser dito de Ys e das restantes sagas da Falcom, mas para lá caminhamos. Penso que estamos finalmente a chegar à era em que Ys terá sempre um lançamento garantido no ocidente, mesmo que aconteça um ano depois da estreia no Japão e isso deixa-me feliz. Depois de Lacrimosa of Dana e Monstrum Nox, Ys X: Nordics mantém o historial de sucesso da Falcom e traz-nos mais uma aventura de Adol e Dogi, desta vez pelo golfo de Obelia. Nordics chega um ano depois do lançamento no Japão, com uma nova localização e alguns DLC que procuram colmatar o tempo de espera, mas espera-se que este seja o momento em que a série encurta ainda mais a distância temporal entre mercados porque esta série merece toda a atenção dos fãs de RPG de ação. Com Oath of Felghana no horizonte, com data marcada para sete de janeiro de 2025, esperemos que Ys tenha o reconhecimento que tanto merece e necessita para se expandir.
Mas tiremos os olhos do futuro e olhemos para o presente. Ys X: Nordics é o próximo passo na evolução tímida, mas consistente, da série da Falcom e assume-se como um título mais experimental do que antevia. À semelhança de Monstrum Nox, que procurou testar um novo sistema de mobilidade, Nordics traz algumas novidades para a saga e reinventa o sistema de combate sem abandonar as suas origens. A primeira grande novidade é a própria região de Obelia, agora mais aberta e repleta de novas zonas para descobrirmos. O golfo é unido pelo mar azul, novamente mergulhado numa enorme beleza natural, onde encontramos planícies verdejantes, cavernas escuras e assustadoras, e ainda cidades e vilas pequenas, mas repletas de personalidade. A nível gráfico, a Falcom conseguiu finalmente atualizar a série com modelos de personagens mais detalhados, melhores expressões faciais e efeitos visuais que enaltecem a ação com ataques vistosos, cujo impacto é sentido através de feedback áudio que acompanha a sempre empolgante banda sonora da Falcom Sound Team jdk.
A nova região abre um leque de possibilidades para a série Ys, ainda que acredite que nem todas as alterações sejam apreciadas da mesma forma pelos fãs. O choque entre Monstrum Nox e Nordics é real, e é difícil não sentir um certo desapontamento quando sentimos o ritmo reduzido do novo sistema de combate, mas adoro profundamente que esta série, que se alicerça sobre bases tão clássicas e quase imutáveis ao longo de mais de 30 anos, tenha coragem para usar o seu orçamento reduzido para experimentar a cada novo título. Com a mesma determinação em inovar dentro dos seus moldes, Nordics expande a série para o mar e para os combates marítimos. Agora Adol pode explorar a região de Obelia com Sandras, o seu velho navio, que resgatou durante o ataque dos Griegr à aldeia de Carnac. O barco é lento e pouco munido de opções de ataque, mas à medida que conhecemos melhor Obelia e as suas várias zonas, temos acesso a novos recursos e missões secundárias que nos permitem melhorar os atributos do veículo e personalizar os seus vários parâmetros para criarmos um barco à nossa imagem. A personalização podia ser mais profunda e variada, mas é funcional e para uma pessoa como eu, que prefere não perder tempo a escolher cores e acessórios para as suas personagens ou veículos, este minimalismo de funcional é o equilíbrio perfeito.
O oceano é bastante extenso e a navegação começa por ser bastante lenta, relembrando, por momentos, as aventuras náuticas de títulos como Suikoden IV. O controlo do barco é inicialmente pesado e não necessitamos de enormes opções de mobilidade quando a campanha se mantém linear ao longo das primeiras horas, com Adol e a estreante Karja a tentarem compreender melhor o impacto da invasão dos Griegr e as capacidades das suas habilidades Mana, que a dupla agora consegue utilizar em combate. No entanto, a liberdade de explorarmos o mar enquanto descobrimos alguns dos seus pontos de interesse, mais a possibilidade de recolhermos itens entre trajetos – estes estão espalhados pelo mar, como destroços – é uma lufada de ar fresco e uma adição que merece ser analisada e aprofundada para os próximos títulos da série. A inclusão de um meio de transporte dá outra densidade à campanha e sentimos melhor a expansividade do mundo através das viagens que somos obrigados a fazer. É possível que esta novidade não funcione tão bem para todos, já que a série Ys é conhecida pelo seu ritmo quase frenético e a sua estrutura clássica, onde nunca estamos longe de explorarmos uma nova dungeon repleta de inimigos e bosses, mas vejo aqui uma clara intenção de design que tem vindo a crescer desde Lacrimosa of Dana.
A nível mecânico, o Sandras não surpreende, especialmente em combate. Os confrontos são muito diretos na sua abordagem e requerem alguma destreza, mas pouca inventividade. Isto porque os ataques são quase sempre frontais, existindo habilidades que necessitam de melhor posicionamento em combate – como os canhões laterais, muito destrutivos, mas que necessitam de um tempo simpático de espera entre utilizações, senão o sistema de combate ficava ainda mais quebrado do que já é –, mas cuja estratégia é sempre mais simples do que antecipamos: atacar e não ser apanhado de surpresa. A opção de combate é bem-vinda, especialmente quando podemos invadir os barcos inimigos para eliminar as suas tripulações de monstros – tudo isto num minijogo de sobrevivência por hordas –, mas assumem-se mais como uma forma de distração durante os longos trechos de viagem do que um sistema profundo e muito recompensador.
Por terra, Ys X: Nordics segue um molde mais familiar, ainda que apresente algumas novidades. A campanha continua a construir-se entre a personalização e melhoria de Adol e companhia, com um sistema simples de crafting, missões secundárias e um elenco de personagens que dão vida à aventura. Desta vez, a base de operações localiza-se na ilha de Balta, a cidade natal de Karja e dos Normans, onde podemos adquirir equipamentos e melhorar o nosso barco. A campanha expande-se ao longo de Obelia e quando acedemos a uma das regiões, somos transportados para a realidade mágica da série Ys, com enorme foco no combate. Os níveis são extensos e apresentam-se através de várias secções interligadas, com alguma verticalidade à mistura, ainda que a exploração seja um pouco limitada e ainda rígida e pouco convidativa quando comparada a outros títulos do género, que apresentam cenários ainda mais expansivos e com melhores opções de terreno e mobilidade. A utilização das habilidades Mana fora dos combates ajuda a mitigar alguns dos elementos mais arcaicos da jogabilidade, como a possibilidade de saltarmos entre pontos dos mapas através de um Mana Sring, que funciona como um gancho, e ainda o Mana Ride, uma prancha flutuante mágica, que injetam alguma cadência à jogabilidade. No entanto, o novo título da Falcom nunca se expande livremente por novas mecânicas e até estas adições apresentam limitações no que toca à sua utilização, já que só podem ser acedidas em pontos pré-definidos.
A passagem de Monstrum Nox para Nordics não é suave. Se Nordics é visualmente mais apelativo e apresenta um mundo mais vivo e variado, já Monstrum Nox afincava os seus dentes na jogabilidade e trouxe-nos um sistema de mobilidade mais denso e plural do que já tínhamos visto na série Ys. Com as transformações de Adol e do seu elenco de Monstrums, a jogabilidade era muito mais rápida, com excelentes opções de mobilidade que surgiam através da expansão da equipa principal, como planarmos por tempo limitado – para não falar que todos os edifícios podiam ser facilmente escalados sem quaisquer problemas, o que injetou uma verticalidade nunca antes vista na série. Nordics é, até certo ponto, o seu oposto e mesmo que tente recriar alguma dessa verticalidade, como já indiquei, os níveis aproximam-se muito mais de Lacrimosa of Mana e dos títulos mais clássicos da saga. É difícil não sentir que existiu um certo retrocesso na jogabilidade e na liberdade de movimentação quando comparada a Monstrum Nox.
O sistema de combate também é uma quebra (ligeira) com o passado. Não só a movimentação é mais pesada, um choque para quem está habituado à série – já que a velocidade de Adol e companhia é uma mais-valia constante nos títulos anteriores, capaz de tornar todos os confrontos mais dinâmicos e quase árcade na sua abordagem –, como temos a redução da equipa para apenas dois elementos. Pela primeira vez em anos, desde o lançamento de Ys Seven, Adol não tem três ou mais companheiros como auxílio, ainda que o sistema de combate continue a exigir a cooperação entre o protagonista e Karja, onde encontramos inimigos mais fracos a ataques elementais, mas sem o impacto e urgência dos jogos anteriores. Em Ys X: Nordics, o foco está na colaboração, mas em menor escala. O coração da saga não foi arrancado, antes alterado para enaltecer a temática de camaradagem e crescimento pessoal de Adol e Karja. Desta forma, a rotatividade só acontece entre a dupla e os confrontos ganham vida exatamente quando combinamos os seus vários tipos de ataques e habilidades enquanto aprendemos a respeitar o novo ritmo da jogabilidade.
Adol é novamente a personagem mais equilibrada, sempre assente na velocidade e nos ataques de área, com Karja a apresentar um leque de habilidades mais destrutivas e golpes mais pesados, mas com maior impacto. Com as habilidades Mana, a dupla tem várias opções de combate à sua disposição e apresentam até magias elementais, como fogo e gelo, que podem ser utilizadas para eliminar barreiras ou criar novas plataformas. O ritmo reduzido do combate é mais sentido na mobilidade das personagens, obrigando-nos a pressionar o L1 para que Adol e Karja mantenham-se num passo mais rápido, mas durante os confrontos, entre flashes constantes dos ataques e habilidades, esta lentidão não é tão sentida e ainda bem. Se o primeiro contacto pode ser preocupante, Ys X: Nordics não demora a garantir-nos que estamos mesmo a jogar um novo título da série e não uma imitação.
Se não temos um leque de personagens que podemos escolher em combate, como funciona Ys X: Nordics? O sistema de combate continua assente na rotação entre personagens, mas agora só com Adol e Karja, criando uma maior ligação entre eles – até porque estão presos através de algemas mágicas, algo que descobrem no início da campanha. Cada personagem tem a sua própria barra de energia e mana, e estão ambos fisicamente em campo, o que significa que ambas podem cair a qualquer momento se não alternarmos entre elas – e podemos, inclusivamente, ressuscitar o nosso parceiro durante os combates para recuperarem uma porção da sua energia. Desta forma, Ys X: Nordics cria uma maior ideia de colaboração entre ambos porque as personagens estão mais dependentes uma da outra em campo. É por isso que a Falcom apostou mais nas habilidades conjuntas, ataques destrutivos e que só podem ser ativados quando Adol e Karja estão juntos – que se refletem também no sistema Release Line, uma nova árvore de habilidades que permite a alocação de pontos de mana para ambas as personagens, deixando-nos controlar o seu crescimento com maior liberdade.
O desvio rápido e a defesa perfeita também estão de regresso e têm ainda mais impacto na dinâmica das personagens em Ys X: Nordics. Ambas as mecânicas foram simplificadas e os tempos de ativação são muito mais simpáticos, o que significa que podemos usufruir de ambas as opções com maior facilidade e depender mais da sua utilização em combate. O desvio rápido, por exemplo, agora é ativado automaticamente se estivermos a pressionar o botão de corrida (L1) e se os inimigos estiverem a utilizar um ataque identificado através da cor azul. Já a defesa perfeita é imprescindível para os ataques mais coreografados dos inimigos, identificados pela cor vermelha, simbolizando que não podem ser desviados e apenas defendidos. Apesar do ritmo reduzido dos movimentos das personagens, os combates ganham outra intensidade através destas duas opções, mantendo-nos mais tempo em ação, sem necessitarmos de recuar. No entanto, Ys X: Nordics não é propriamente um jogo fácil e existem picos de dificuldade que vos obrigarão a mudar de estratégia, como as famosas e intensas batalhas contra bosses.
A série Ys é fascinante para mim, não só pela sua longevidade, mas também pela mitologia que tece em redor do seu protagonista. A nível formal, nós estamos a assistir às aventuras de um jovem que quer apenas conhecer o mundo, onde a sua curiosidade é tão grande como o seu infortúnio em deparar-se contra tantos eventos que poderão mudar para sempre a realidade de Esteria. Outro aspeto interessante da saga Ys é a forma como é contada. As histórias não são propriamente profundas e vivem muito mais do elenco secundário do que dos seus eventos surpreendentes ou até das qualidades de Adol enquanto protagonista – quase sempre silencioso, fora algumas escolhas de diálogos ao longo da campanha, que pouco ou nada fazem para aprofundá-lo enquanto personagem –, e Nordics parece até inspirar-se na série Tales of para criar melhores momentos únicos entre o elenco para aprofundar as suas relações ao longo da ação e dos longos trajetos marítimos, mas o mundo é fascinante e é preciso relembrar que estamos a ler os diários de Adol ao longo destes jogos. A ação passa-se no passado, anos e anos depois dos diários de Adol terem sido descobertos, e apesar da ação não seguir uma linha cronológica linear, saltitando entre eras e eventos – por exemplo, Nordics representa a terceira aventura de Adol, mas Monstrum Nox, o jogo anterior, é a mais tardia, quase 10 anos depois –, conseguimos criar uma imagem mais nítida sobre o protagonista e o mundo de Esteria ao longo da série. E nesse sentido, é empolgante voltar atrás com Nordics e encontrar Adol pouco depois dos acontecimentos de Ys e Ys II.
O mundo de Adol continua a surpreender-me e não faço intenções de mascarar o carinho que sinto por cada nova entrada na série. Desde Lacrimosa of Dana que me considero como um fã e tenho olhado não só para o futuro, como para o passado da série da Falcom e descoberto um dos melhores RPG de ação atualmente disponíveis para PC e consolas. Felizmente, o tempo tem sido simpático para Ys e muitos dos títulos estão acessíveis através das lojas digitais, afastando o passado mais problemático da série no que toca aos lançamentos no Ocidente. Mesmo com os seus problemas, nomeadamente na velocidade das personagens e na falta de detalhe nos cenários mais urbanos – não adoro o design de Adol neste jogo, mas isso talvez seja apenas um preciosismo da minha parte –, Ys X: Nordics é absolutamente divertido, mecanicamente profundo e rico em conteúdos para todos os fãs de RPG de ação. A nova mecânica de navegação marítima é bem-vinda e senti que conseguiu expandir o mundo do jogo sem criar problemas no design da série, e isso é de louvar.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela NIS America.