Wuchang: Fallen Feathers não é apenas mais um soulslike, é uma afinação do género com identidade própria e mecânicas que desafiam convenções sem quebrar o que funciona. Com uma protagonista chinesa, uma ambientação assombrada pela decadência da dinastia Ming e sistemas de progressão ousados, este é um jogo que tanto respeita as inspirações, como ousa cortar voar mais alto.
Wuchang: Fallen Feathers é o mais recente lançamento da Leenzee,uma aposta em soulslike que leva o género para novos caminhos com ideias frescas. De caras, destaca-se por ter uma protagonista mulher e chinesa, quando noutros jogos desta natureza, quando não criamos a nossa personagem, somos sempre um homem (branco) por defeito. Portanto, já se distingue por isso!
Ainda assim, há tempo para seguir tropes clássicas, tal como a protagonista titular, Wuchang começar num estado amnésico e a acordar numa caverna quando chamam pelo seu nome. Sem grande exposição – para além do contexto histórico do final da dinastia Ming -, somos lançados naquele mundo hostil e varrido por Feathering, uma epidemia que transforma os infetados em monstros insanos. Wuchang também está infetada, mas por ser a protagonista, consegue controlar os efeitos nefastos para os converter em magias e habilidades especiais.
Embora Wuchang: Fallen Feathers não escape por completo ao fan service visual, mas felizmente menos exagerado face a um Stellar Blade, a protagonista é carismática, estilosa e mecanicamente versátil. O seu estilo de combate destaca-se pela fluidez e personalização, com poucas limitações ao seu progresso.
O recurso principal é o Red Mercury, e ao contrário de um souls, onde desenvolvemos atributos individuais com base numa build fixa, aqui usamo-lo para subir de nível. E quando subimos de nível, recebemos Red Mercury Essence para investir numa enorme árvore de habilidades que faz lembrar a Sphere Grid de Final Fantasy X. Existem imensas decisões a tomar e acredito que possa parecer assoberbante, com espaço para errar e arruinar o progresso, mas o bom daqui é que podemos apagar tudo, recomeçar e optar por uma miríade de vias moldadas à dor de cabeça do momento.
A outra mecânica interessante é a Skyborn Might que vem substituir a mana ou outros consumíveis para desencadear habilidades ou magias. Para lhe darmos uso, vamos ter de acumular pontos Shimmer através de esquivas perfeitas, combos ou acessórios descobertos ao longo da campanha. Apreciei a sinergia destas mecânicas porque sou é exímio em fugir do perigo, e nunca fui bom a aparar e a ripostar. Sim, traumas do recente Clair Obscur: Expedition 33.
Isto não é só fogo de vista, é mesmo uma sensação cool. Por norma, apenas os jogos mais frenéticos e vistosos como os Devil May Cry nos deixam a sentir assim, mas Wuchang consegue essa proeza sem romper com o que faz um souls ser… souls. Em particular, um combate mais calculado e com menos martelar de botões.
Outra coisa que faz bem é que morrer não é sinónimo de perder todo o progresso. Sim, perdemos Red Mercury, mas a quantidade vai depender do nosso nível de Madness. Esta Madness (ou insanidade) é uma consequência das nossas ações. Ou seja, se derrotarmos humanos ou morrermos várias vezes, esta vai aumentar. Já derrotar aventesmas reduz a insanidade.
A insanidade aumenta o nosso ataque, mas fragiliza a defesa. E por consequência, um risco calculado acaba por carregar alguma tensão. Isto, até surgir a aparição insana da nossa personagem que tanto corre atrás de nós, como limpa o mapa de inimigos. É um pouco como fazer terapia e enfrentar os nossos problemas, mas com sabres.
Já há muito tempo que não algo deste género que me agarrasse como Wuchang: Fallen Feathers. Foi quase como reviver aquela emoção de não conseguir largar o comando e enganar-me com “é só mais uma tentativa“. Até a exploração orgânica me fez lembrar dessa primeira vez com o primeiro Dark Souls, naquele mundo interligado que abria aos poucos, semelhante a um metroidvania. Quando suspirava de alívio ao regressar às zonas iniciais seguras, mas por atalhos ou portas antes inacessíveis. E sim, existe algum backtracking porque há missões secundárias que o exigem. Mas, felizmente, o jogo indica-nos onde e quando com notificações subtis. Uma melhoria simples, mas incrivelmente eficaz e, sinceramente, não percebo porque continua a ser ignorada noutros jogos. O mesmo vale para o glossário bem construído, que nos permite consultar informações sobre mecânicas específicas sempre que precisamos.
Wuchang: Fallen Feathers dispõe de três modos de desempenho. Os já habituais, o Quality e Performance, a 30FPS e a 60FPS, respetivamente, e o meio-termo, com 40FPS no modo Balance (apenas em painéis compatíveis com 120Hz). Os visuais sofrem ligeiramente nos dois últimos modos e topei mais soluços em Performance, mas nada que estrague a experiência num todo. Acabei, no entanto, por ficar em Quality (por defeito o meu favorito em qualquer jogo), até porque este jogo merece. É simplesmente arrebatador, dos cenários envolventes de Shu, ao design das criaturas horrendas. A inspiração tradicional e as influências regionais estão lá, mas é bom ver como a criatividade as consegue reinterpretar e integrar no género. E só realça o quão bom é consumir conteúdo diverso e diferente da nossa realidade.
Wuchang: Fallen Feathers também tem tanto de Bloodborne como de Sekiro, e acaba por se destacar graças às lições bem assimiladas dessas influências. Confesso que estava reticente no início de que seria mais do mesmo, especialmente porque comecei esta jornada no mesmo dia em que me chegou Death Stranding 2: On the Beach. Gerir o tempo entre os dois não foi fácil. Pois um é intenso, frenético, viciante; o outro, mais pausado, introspetivo, que pede tempo e silêncio. Passados alguns dias, reparei que mal tocava na nova obra de Kojima. Simplesmente não conseguia largar Wuchang: Fallen Feathers. O que, por si só, diz muito sobre a qualidade do jogo! Wuchang: Fallen Feathers revela-se assim não só como uma boa surpresa, a também como um novo patamar para o género que nos mostra que ainda há muito para explorar nas cinzas de soulslike.
Cópia para análise (PlayStation 5) cedida pela 505 Games.