Depois de Nidhogg e Flywrench, a Messhof traz-nos Wheel World. Um projeto diferente, um jogo de aventura e corridas de bicicletas que se revelou como uma das surpresas mais agradáveis de 2025.
No novo jogo da Messhof, o mundo é dos ciclistas. Apesar de existirem carros, camiões, até tratores e motos, a vida resume-se a uma longa e contínua corrida de bicicletas. A população divide-se por grupos de ciclistas, com as suas roupas e estilos individuais, as maiores estrelas e as grandes figuras de renome são heróis do asfalto e a região de Tramonto é uma mescla de pistas que se cruzam e constroem em torno de cidades, campos de cultivo e florestas. A natureza molda-se à borracha das rodas que percorrem o asfalto e a terra batida enquanto bicicletas saltam, deslizam e cortam pelo trânsito a alta velocidade. Assim é Wheel World.
Este amor pelo desporto radical é tão presente em Tramonto que até o ciclo de vida e morte é uma corrida por concretizar. É isso que Kat, a nossa protagonista, descobre quando é escolhida por Skully, uma peculiar entidade sobrenatural, responsável pelo Great Shift, um processo de renovação das almas que ainda residem no mundo de Wheel World. Infelizmente, Skully é incapaz de reiniciar o processo porque a sua bicicleta foi destruída e as peças roubadas, ficando uma mera memória do que era. A bicicleta ancestral é a única capaz de realizar a tarefa e este é o mote para Wheel World: Kat tem de conquistar as peças da bicicleta.
Para tal, a nossa ciclista precisa de utilizar a bicicleta velha de Skully para aumentar a sua reputação e desafiar os grandes ciclistas de Tramonto, os verdadeiros culpados pelo roubo das peças ancestrais. Através de um mundo aberto, que podemos explorar à nossa vontade – fora a dificuldade de alguns eventos, é possível escolhermos a ordem que quisermos –, temos à nossa disposição várias corridas para dominarmos enquanto aumentamos a reputação de Kat, colecionamos novas peças e melhoramos a nossa bicicleta num divertido jogo de corridas e aventuras.
Wheel World apanhou-me de surpresa. Como um daqueles jogos que aparecem sorrateiramente nas nossas vidas e que absorvem a nossa atenção com uma enorme (e assustadora) facilidade. O facto de se tratar de um jogo de corridas acessível, longe de ser um simulador, com corridas divertidas e de curta duração, cujas recompensas são constantes e a sensação de crescimento é palpável – estamos sempre a encontrar novas peças e a melhorar a nossas bicicletas, existindo centenas de combinações diferentes para diferentes tipos de corridas –, tudo envolto num mundo aberto cheio de cor e com uma tonalidade veranil quase notálgica são garantias da qualidade de Wheel World. É difícil abandonar o comando e seguir em frente, mesmo e tarefas adicionais que requerem exploração do mapa aberto –, e acredito que exista uma certa repetição devido à falta de diferentes tipos de provas – temos apenas corridas com os mesmos objetivos para cumprirmos que esta vontade em continuar a explorar o mundo de Tramonto é uma combinação entre a jogabilidade acessível, a fidelidade visual e a forma como a Messhof equilibrou a distância entre provas e recompensas em campo.
Quando entramos em Tramonto, temos o mapa inteiro à nossa disposição. Num primeiro contacto, Tramonto está às escuras, os seus caminhos e estradas não são visíveis e desconhecemos por completo os seus pontos de interesse. O que sabemos é que temos de derrotar os cinco campeões e que para o conseguirmos, temos de ativar os sinos gigantescos que decoram o horizonte da ilha, guardados por companheiros de Skully e que melhoram a habilidade de boost da nossa bicicleta. Ao tocarmos os sinos, uma parte do mapa é desbloqueada e conseguimos finalmente ver a zona em grande destaque, juntamente com os locais de destaque e as missões que podemos completar. É um sistema semelhante a tantos outros jogos em mundo aberto – subir a torre, arranjar a torre, ter acesso aos pontos de interesse -, mas como a Messhof fez a inteligente decisão de reduzir a escala do mapa e concentrar-se mais no seu design, não sentimos tanto a pressão de completar tarefas e muito menos somos assoberbados com entulho mecânico que serve para pouco. O que importa é descobrir os melhores caminhos, fazer-nos às estradas e encontrar as peças que tantos nos ajudarão a conquistar até as corridas mais complexas.
Com o mapa desbloqueado, Kat tem finalmente a possibilidade de melhorar a sua reputação. Sem reputação, os grandes ciclistas não vão querer aceitar o seu desafio e muito menos devolver a peça ancestral roubada, então é preciso correr para ganhar nome. As corridas podem ser encontradas pelo mapa e dividem-se entre eventos principais, com vários objetivos para terminarmos e com direito a pontos de reputação, e corridas secundárias, onde podemos desafiar ciclistas que encontramos pelas estradas para ganharmos selos que funcionam como o sistema monetário de Wheel World. Os eventos principais são o foco da campanha e constroem-se em torno de percursos rápidos, quase sempre com uma duração que não excede os cinco minutos, para conseguirmos ficar em primeiro. Os trajetos foram bem pensados e utilizam muito bem o design natural das zonas, ora a apresentarem trechos mais centrados no controlo da velocidade, downhill e até corridas mais claustrofóbicas onde as curvas são uma constante. Devido ao UI constante a indicar-nos o caminho e ao estilo cel-shaded, é fácil navegar através das pistas e torna-se divertido encontrar os atalhos para melhorarmos os nossos tempos e conquistar todos os objetivos.
As corridas aleatórias só podem ser encontradas se explorarmos Tramonto e percorrermos as suas várias estradas em busca da equipa Lone Wolf. Com uma bandeira azul nas traseiras das bicicletas, estes ciclistas estão sempre prontos para uma corrida de despique e vencê-los não é propriamente difícil. No geral, Wheel World não é um jogo muito desafiante, mas aprender as estradas e perceber a particularidades de uma prova não deixam de ser essenciais. Estas corridas secundárias fazem parte de um leque de atividades que podemos encontrar em Tramonto e que servem o sistema monetário de Wheel World. Desde vencer os Lone Wolf até a descobrir novas rampas e percursos secretos, espantar corvos, colecionar as letras KAT durante as corridas, entre outros, são alguns dos objetivos secundários que nos recompensam com novos selos.
Apesar da sua acessibilidade, Wheel World não deixa de estar construído sobre um simples e intuitivo sistema de progressão que requer algum trabalho de personalização. A bicicleta de Kat não pode ficar para sempre como um monte de ferros enferrujados e com parafusos soltos: é preciso evoluir. Com as corridas principais, vendedores e caixas escondidas pelo mundo, Kat pode adquirir novas peças para melhorar os atributos da sua bicicleta. Seja maior força, velocidade, controlo e destreza, é necessário apostar o mais rapidamente possível na personalização da bicicleta se queremos vencer os campeões de Tramonto. Através de várias combinações, podemos definir melhor se somos rápidos em descidas, sem temos força suficiente para manter uma velocidade estável, se conseguimos controlar melhor a bicicletas nas curvas ou então se conseguimos afastar as investidas dos outros ciclistas para mantermos o equilíbrio. As peças alteram completamente a forma como jogamos e não são apenas itens cosméticos. É possível sentirmos a bicicleta a evoluir à medida que avançamos na campanha e é absolutamente satisfatório quando conseguimos encontrar a combinação perfeita para nós, desde as peças ideais até às habilidades passivas que algumas das peças inclui – e é uma pena que não possamos guardar builds para trocarmos quando quisermos.
O sistema de evolução complementa perfeitamente o design das pistas e a variedade de percursos que encontramos em Wheel World. Apesar de ser possível forçar qualquer tipo de layout em qualquer tipo de percurso, o jogo está pensado para incentivar-nos a trocar regularmente de peças para aproveitarmos totalmente as particularidades de cada corrida. Por exemplo, na zona florestal, as corridas assumem um estilo mais downhill, focado na velocidade e nas reações rápidas, e nós podemos aproveitar essa particularidade dos percursos ao apostarmos em peças que aumentem a velocidade nas descidas. Esta troca acaba por ser essencial quando queremos quebrar todos os records de tempo e para compreendermos melhor o design das pistas ao permitir que consigamos encontrar novos atalhos e dominar os obstáculos no nosso caminho.
Há muito tempo que não me senti tão investido num jogo de corridas. Wheel World é muito acessível, divertido e curto sem nunca se tornar demasiado cansativo, com pistas bem construídas, um bom sistema de evolução e um mapa repleto de cor e boa direção de arte, apresentando um toque mediterrâneo que combina perfeitamente com o verão. No entanto, Wheel World não está livre de problemas e fora a repetição já mencionada temos também um certo arcaísmo na forma como lida com os desafios adicionais, obrigando os jogadores a ativar as recompensas uma a uma. O facto de podermos andar fora da bicicleta também é uma opção que não é bem explorada no jogo e surge quase como descartável, não fosse pela obrigatoriedade de sairmos da bicicleta para colecionarmos itens e falarmos com os NPC – uma escolha que não deixaria saudades se fosse eliminada. O desempenho também apresenta alguns problemas, nomeadamente na cidade central, com quedas acentuadas de frame rate que prejudicaram alguma das corridas – um problema que se expandiu depois para o resto do jogo, ao ponto de ter sido obrigado a reiniciar o jogo para resolver a lentidão do jogo.
Apesar de todos estes problemas, Wheel World foi uma surpresa agradável e um dos indies que mais me cativou em 2025, com uma jogabilidade acessível e uma ambiência que jorra calma, aventura e beleza.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela popagenda PR.