TMNT: Splintered Fate – Review: Cowabunga em forma de Deja Vu

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As famosas Tartarugas Ninjas vieram para ficar com TMNT: Splintered Fate, enquanto a franquia expande-se para novos géneros que vão além dos brawlers do passado.

Não podemos considerar que existiu um interregno no que toca às adaptações das famosas Tartarugas Ninjas (Teenage Mutant Ninja Turtles para quem nos lê das Américas) nos videojogos. Depois do boom de popularidade dos 1990, com a estreia da série animada a nível mundial e com o lançamento da trilogia na Nintendo e clássicos beat’em ups nos salões de jogos – como o icónico Turtles in Time -, qualquer consola podia contar com uma adaptação das personagens criadas por Kevin Eastman e Peter Laird. Até com a chegada do novo milénio, já distante da era dourada da franquia, mas revitalizada pelas novas séries da Nickelodeon, as Tartarugas receberam várias novas aventuras na sexta e sétima gerações de consolas.

O interregno surge, tecnicamente, algures entre 2013 e 2017, com a série a ser relegada para adaptações e relançamentos nas consolas portáteis e sistemas mobile. O título de destaque, que acabou por ser recebido de forma morna pela crítica e fãs, foi Mutants in Manhattan, produzido pela PlatinumGames e editado pela Activision, antes da perda dos direitos. Uma adaptação que prometia seguir o sucesso crítico de Transformers Devastation, também desenvolvido pela PlatinumGames, mas que acabou por desapontar os fãs com um elemento cooperativo quase obrigatório e missões demasiado repetitivas. As Tartarugas Ninjas só voltariam à ribalta com o excelente Shredder’s Revenge, da Tribute Games, um beat’em up inspirado nos melhores títulos da franquia, que pode ser hoje considerado como o boom criativo e mediático que a franquia goza atualmente.

Se Shredder’s Revenge funciona como um tributo às origens da série nos videojogos, as Tartarugas não demoraram a experimentar novos géneros desde a sua estreia em 2022. Teenage Mutant Ninja Turtles: Tactical Takedown já promete a estreia da série num ambiente estratégico por turnos, algo que poderia ser impensável há quase 40 anos, mas foi Splintered Fate o primeiro jogo a desviar-se da fórmula beat’em up clássica para arriscar numa experiência nova e inesperada para as Tartarugas. Com uma perspetiva isométrica e um combate mais assente na gestão de hordas e de habilidades, Splintered Fate é um roguelike seguro, mas quase sempre divertido, bebendo da mesma fonte de Hades ao proporcionar uma campanha mais centrada nas personagens e numa narrativa que se expande entre tentativas – sejam elas bem-sucedidas ou não.

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Teenage Mutant Ninja Turtles: Splintered Fate (Super Evil MegaCorp)

Este foco na narrativa foi uma surpresa agradável. Como fã da franquia, foi delicioso deparar-me não só com a maioria das personagens icónicas, algumas delas enquanto aliados das Tartarugas e outras como bosses e minibosses – como Leatherhead, Karai, Bebop & Rocksteady, Slash e a icónica April O’Neill-, mas também com novos diálogos entre os protagonistas e o elenco secundário. Estes diálogos surgem quando regressamos à casa das Tartarugas, que serve como base de operações – onde podemos não só evoluir permanentemente os atributos das personagens, como podemos escolher a nossa Tartaruga e até equipar acessórios com habilidades passivas –, mas também entre zonas e combates. Sempre que entramos numa zona, podemos ter acesso a um novo trecho de narrativa ao reencontrarmos uma personagem aliada, como Angel, ou então antes de lutarmos contra um dos bosses. Desta forma, a procura por Splinter, que desapareceu misteriosamente no início da campanha, e pela origem dos portais que se espalharam pela cidade de Nova Iorque nunca é estagnada pela fórmula roguelike e a sua necessidade constante por repetição e recomeço. Com novos diálogos e interações entre personagens, sentimos que a campanha progride até na derrota.

Fora da narrativa, Splintered Fate comporta-se como um roguelike mais familiar e as surpresas já não são tão impactantes. O formato mantém-se idêntico ao género, com a campanha a dividir-se por várias zonas que ficam mais desafiantes à medida que avançamos. Estas zonas são divididas por arenas onde temos de derrotar todos os inimigos para passarmos para a área seguinte. Entre arenas, temos a possibilidade de escolher uma nova habilidade passiva e ativa ou então novos recursos que podemos utilizar na loja do misterioso Chairman. Esta estrutura é intercalada com a chegada de um miniboss, sempre aleatório de tentativa em tentativa, e culmina num combate contra o boss principal. A progressão entre áreas é linear e não existe a possibilidade de escolhermos o nosso caminho, não seguindo o modelo de títulos como Slay the Spire e Dead Cells. A ramificação só surge após o final da segunda zona, as Docas, e deixa-nos escolher se queremos seguir um de dois caminhos – ou as ruas da cidade ou o ferro-velho. Uma escolha temporária, já que a campanha volta rapidamente à sua linearidade durante a reta final.

O facto de Splintered Fate também espaçar a introdução de novos sistemas e funcionalidades na sua jogabilidade injetam igualmente uma certa noção de crescimento que combina muito bem com o género. É a ilusão de sentirmos que estamos a fazer algo diferente ou a avançar mais na campanha, apesar de sermos derrotados e obrigados a regressar à estaca zero. Por exemplo, os acessórios só são introduzidos durante a segunda ou terceira tentativa e as Dream Coins, que desbloqueiam novas opções para evoluirmos as Tartarugas, surgem ligeiramente mais tarde e trazem algo novo à jogabilidade quando pensávamos que já conhecíamos tudo sobre Splintered Fate. Na verdade, gostava de ver mais momentos destes, variações à fórmula, que me ajudassem a personalizar ainda mais a minha experiência com o jogo e a colmatar uma certa lentidão e falta de variedade na campanha. A repetição constante de arenas aborrecidas com poucos elementos decorativos ou situações inesperadas, como as tempestades de eletricidade, tal como a repetição dos mesmos inimigos, variando nas suas cores e pontos de vida, podia ser reduzida com a introdução de maiores ramificações entre arenas e na possibilidade de escolhermos o nosso caminho sempre que possível. A linearidade é uma das maiores inimigas deste jogo.

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Teenage Mutant Ninja Turtles: Splintered Fate (Super Evil MegaCorp)

O sistema de combate é inicialmente acessível e pouco variado, mas as opções e variantes não tardam a serem introduzidas na jogabilidade. O facto de termos acesso constante a novas habilidades e atributos passivos – até a possibilidade de utilizarmos habilidades únicas às outras Tartarugas -, que apresentam parâmetros como ataques elementais ou a expansão da área de ataque das personagens, é uma primeira prova de que Splintered Fate é mais personalizável do que aparenta ser. Dentro do género, talvez não se destaque com tanta facilidade, mas existem acessórios e habilidades suficientes para mudarem eficazmente a nossa eficácia em combate. Por exemplo, numa das minhas tentativas, pude desbloquear uma habilidade que adicionava um ataque de área ao dash da personagem. Uma habilidade pouco inovadora e que não requer grande destreza para ser aplicada em combate, mas que mudou completamente a minha sorte. Devido à pressão constante dos inimigos e à necessidade de me esquivar dos seus golpes, o dash tornou-se numa arma de arremesso poderosa porque permitiu-me contra-atacar enquanto tentava não sofrer dano. Com a possibilidade de aumentarmos ainda mais os valores dos ataques elementais através de habilidades passivas, as escolhas têm de ser estratégicas e não deixadas ao acaso porque podem (e vão) mudar completamente a nossa prestação em combate.

Splintered Fate cairia por terra se não apresentasse boas personagens ou diferenças palpáveis entre as mesmas. A segunda parte é verdade e confirmo que cada Tartaruga inclui ataques, habilidades e até opções de mobilidade diferentes. Michelangelo, por exemplo, é uma boa opção para ataques radiais, com as Nunchaku a apresentarem um raio de ataque consistente, mas Donatello já é o seu oposto com golpes mais lentos, mas com a possibilidade de atacar com maior distância. Raphael é a personagem indicada para confrontos de proximidade devido às suas Sai de curto alcance, mas também pela habilidade única, que permite que puxemos os inimigos para junto da personagem. Como o líder do grupo, Leonardo é talvez a personagem mais equilibrada, com as espadas a servirem para confrontos a média escala, mas com habilidades que se restringem a shurikens e a um dash em forma de ataque. Casey Jones é a personagem mistério e podem desbloqueá-la ao fim de algumas horas/tentativas, e é quase como uma mistura estratégica de todas as Tartarugas.

A primeira parte da minha afirmação, sobre o facto de serem boas personagens, já vai depender da vossa paciência e método de jogo. Depois de várias horas com Splintered Fate, ainda sinto que não encontrei a minha Tartaruga favorita, apesar de pender para Leonardo e Raphael. Todas as personagens têm as suas vantagens e desvantagens, mas algo não funciona a 100% para mim. Seja a velocidade dos seus movimentos, as combinações pausadas, os tempos de resposta entre ataques, a falta de variedade das habilidades únicas – e até a sua eficácia em combate, muitas delas tornando-se obsoletas durante as últimas zonas –, parece que a melhor personagem está perdida algures entre as quatro Tartarugas e completamente inacessível. Este é um problema que variará de jogador para jogador, não tenho quaisquer dúvidas, mas sinto que outros roguelikes resolveram esta questão mais facilmente ao relegarem a escolha de personagens às armas e assim permitindo que o jogador personalize mais facilmente a sua experiência. Outra possível solução será o modo cooperativo e acredito que as quatro Tartarugas em campo aproveitem e combinem melhor os seus ataques em conjunto.

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Teenage Mutant Ninja Turtles: Splintered Fate (Super Evil MegaCorp)

No entanto, Splintered Fate ainda tem algumas surpresas e quase consegue alcançar a experiência que eu procurava. Mesmo sem caminhos alternativos ou maior variedade de inimigos, o jogo alterna constantemente entre minibosses e nunca sabemos o que iremos encontrar em cada zona. Isto é uma boa adição porque um miniboss pode mudar completamente a nossa partida, até mesmo quando é uma criatura que pensamos conhecer bem. Por exemplo, Rabid Rat, que surge mais durante as primeiras áreas, pode aparecer mais tarde e ficar muito mais forte, com maior poder de ataque e acompanhado por um leque diferente de inimigos que aumentam exponencialmente a dificuldade do combate. Entrei neste combate com a barra de vida cheia e vi-me a lutar quase sem pontos de HP devidos aos ataques constantes de área e à utilização de poças de ácido que demoram a desaparecer.

O mesmo acontece com os bosses principais e foi isso que me surpreendeu ainda mais pela positiva. À medida que repetimos estes combates, nós julgamos saber como funcionam. As estratégias são pensadas à priori, o posicionamento em campo já é conhecido e até conseguimos prever os padrões de ataques dos nossos inimigos sem problemas. Heis que Splintered Fate decide, sem avisos, desafiar-nos. Na batalha contra Leatherhead, o crocodilo salta sempre para a água quando reduzimos a sua barra a três-quartos, passando para um padrão de ataques de área, sempre acompanhado por ratos que passam a ocupar a curta área de combate. Numa das minhas tentativas, Leatherhead decidiu não fazer quaisquer pausas e aumentou consideravelmente a sua agressividade com mais ataques físicos e combinações inesperadas. Karai, por exemplo, introduziu mais ataques com fogo nesta fase e não só ficou mais rápida, como passou a deixar um rasto de chamas sempre que se movimentava. O confronto contra Karai ficou tão mais intenso que acabei por ser derrotado. Uma derrota dolorosa, mas também empolgante porque percebi que Splintered Fate ainda guardava algumas surpresas.

Teenage Mutant Ninja Turtles: Splintered Fate é uma nova aventura para as Tartarugas e a sua incursão pelo mundo dos roguelikes é quase sempre positiva, ainda que pouco memorável. O jogo apresenta vários sistemas para explorarmos, muitas opções de personalização e evolução, e as quatro Tartarugas foram pensadas para combates a curto, médio e até longo alcance com habilidades únicas. Infelizmente, os combates tornam-se previsíveis, os picos de dificuldade quase sempre inesperados e até imerecidos, e a linearidade da campanha, sem a opção de escolhermos sequer qual será a próxima arena, acaba por cansar devido à sua rigidez assente na repetição. É um bom jogo, com boas ideias e um foco na narrativa que deliciará qualquer fã da franquia, mas não é o roguelike com a maior longevidade atualmente no mercado.

Cópia para análise (PlayStation 5) cedida pela Super Evil Megacorp.

João Canelo
João Canelo
Crítico de videojogos, Guionista, Professor e o responsável pelo melhor mortal nas aulas de Educação Física em 2002. Um aficionado por jogos peculiares.
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