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The Woman King partilha uma história imensamente cativante e culturalmente significativa sobre as Agojie, uma unidade de guerreiras que lutam para proteger o seu reino.

Todos os anos são lançados dezenas de filmes baseados ou inspirados em histórias (semi-)verídicas. Enquanto que uns tentam evitar os exageros típicos de Hollywood no que toca a este tipo de adaptações, outros simplesmente agarram a ideia ou conceito por detrás desse ponto histórico e criam a sua própria versão dos acontecimentos – nenhum caminho criativo é errado. Gina Prince-Bythewood inspira-se nas Agojie, uma unidade de guerreiras Africanas dos séculos XVII-XIX, para transmitir uma mensagem de anti-escravidão, anti-racismo e igualdade de direitos humanos em The Woman King. Algo que consegue com tremendo sucesso.

Este prólogo serve para defender a obra das suas eventuais inconsistências históricas. Por razões óbvias, a vasta maioria dos espetadores nunca ouviu falar nas Agojie ou até no Reino de Dahomey, simplesmente por não ser uma história ensinada nas escolas ou normalmente contada pelos pais ou avós às crianças. The Woman King pega neste grupo de mulheres corajosas e com habilidades de luta impressionantes e segue uma narrativa mais focada nas dinâmicas entre personagens e na proteção do seu povo do que nos aspetos políticos, apesar de os abordar de forma eficiente.

Pessoalmente, não possuía qualquer tipo de conhecimento sobre o povo respetivo, o reinado de Ghezo (John Boyega) ou as próprias Agojie. Defendo que qualquer adaptação com intenções benignas e mensagens positivas é merecedora de atenção, independentemente do que é modificado historicamente. The Woman King contém uma panóplia de temas pesados e sensíveis – mencionados acima – mas Dana Stevens tem um cuidado precioso com o seu argumento, nunca provocando a sensação de se estar a ouvir uma palestra ou lição moral, muito pelo contrário.

Da mesma maneira de que o filme não deixa dúvidas daquilo que é inerentemente desumano, também não finge que o próprio povo que vendia os seus cidadãos não recebia alguns benefícios em troca. The Woman King aborda o sistema de tráfico humano e demonstra como o mesmo foi, de facto, uma moeda de troca eficaz durante muito tempo para muitos povos e respetiva realeza, chegando até ao ponto de colocar a protagonista a defender a redução da escravidão em vez da sua extinção, provando que não houve receio por parte da equipa criativa em comentar sobre uma verdade que custa escutar.

No entanto, o grande destaque narrativo de The Woman King encontra-se nas relações entre as várias personagens. As interações dos duos Nanisca (Viola Davis) e Amenza (Sheila Atim), Nawi (Thuso Mbedu) e Izogie (Lashana Lynch) são incrivelmente cativantes, puxando por um investimento emocional genuíno dos espetadores. Desde os diálogos autênticos e familiares aos pequenos detalhes como olhares irónicos e respostas bem-humoradas, estas quatro personagens possuem laços poderosos que elevam a obra geral, nomeadamente um terceiro ato extremamente emotivo.

Nawi partilha o protagonismo com Nanisca, mas a primeira acaba por ser a verdadeira força de The Woman King. É a personagem mais complexa e com o maior arco de desenvolvimento, para além de possuir relações próximas e aprofundadas com Izogie e Nanisca, mas também com as suas amigas Fumbe (Masali Baduza) e Ode (Adrienne Warren). Apesar deste último trio não ser tão explorado quanto as duas primeiras, possui a mesma autenticidade emocional desde o primeiro segundo em que se encontram. Para tudo isto, os níveis altíssimos de carisma e química do elenco são essenciais.

Davis não surpreende, adicionando mais uma prestação soberba à sua carreira lendária, impondo-se quando The Woman King mais necessita. Já Lynch incorpora na perfeição uma personagem com um pouco de tudo: espirituosa, responsável, ambiciosa e fonte de inspiração e de exemplo para Nawi. A atriz balança estes vários traços de personalidade com um sucesso que leva a entender o porquê de ter sido escolhida para representar o novo agente 007 em No Time To Die. Boyega e outros também têm os seus momentos, mas ninguém rouba o holofote a Mbedu.

A jovem atriz entrega uma das estreias em longas-metragens mais impressionantes que alguma vez testemunhei. Mbedu é capaz de oferecer imensa expressividade através dos seus olhos carregados de emoção, demonstrando um alcance emocional de deixar qualquer espetador chocado. Bythewood não tem problemas em alocar uma boa porção da duração total a Mbedu e esta decisão prova-se acertada, chegando inclusive a tornar as sequências de ação de The Woman King ainda mais tensas e envolventes. Por falar nisso…

O trabalho de câmara fenomenal de Polly Morgan e a banda sonora arrepiante de Terence Blanchard criam cenas de batalha dignas do adjetivo “épico”. The Woman King não necessita de gore ou momentos extremamente violentos, focando-se mais em coreografias e stunts muito bem executadas. Os gritos de guerra e as danças das Agojie ajudam a criar um atmosfera entusiasmante e a colocar os espetadores numa posição de alta antecipação para as lutas subsequentes. Fica, no entanto, o aviso de que não é, nem de perto, um filme de ação.

The Woman King tem um ritmo adequado, mas longe de ser uma obra rápida e com poucos pontos de enredo. Visto que este artigo é dos mais tardios, observei várias reações algo enganadoras, focando-se na ação e induzindo uma ideia errada de um filme guiado por sequências de luta quando não podia ser mais o oposto – neste caso, acaba por ser parecido com The Northman. Bythewood produz uma obra praticamente sem falhas, sendo que apenas existe uma gritante e até reveladora a nível pessoal e profissional.

the woman king echo boomer 2

Nunca consegui entender verdadeiramente como outros colegas se deixam afetar tanto por sotaques ou idiomas mal interpretados… até The Woman King, onde duas personagens arruinam por completo o português que tentam falar, ao ponto de terminar o filme sem sequer saber se estavam a tentar falar em português de Portugal ou do Brasil. Atualmente, são poucos os filmes sem um elenco inclusivo e diverso, logo não se compreende a não-contratação de atores portugueses. A verdade é que os atores britânicos escolhidos para representar estas personagens estão longe de ser convincentes, levando-me a “sair do cinema” mentalmente e a desconetar-me da obra sempre que o enredo virava a atenção para os mesmos que, para além de pertencerem à história secundária menos interessante da obra, recebem mais tempo de ecrã daquilo que merecem.

Nota final para a tentativa de boicote online de The Woman King. Pela enésima vez, grupos tóxicos guiados por puro ódio infestaram as redes sociais e plataformas de opinião pública sobre obras cinematográficas – IMDB foi o grande alvo. Ainda antes do filme sair, já existiam milhares de votos e críticas extremamente negativas exclusivamente pelo facto de ser uma obra liderada por um elenco feminino e de cor. Os níveis de hipocrisia são gritantes e, hoje em dia, torna-se genuinamente complicado saber a verdadeira opinião da audiência geral quando os dados que existem sofrem constantemente com este tipo de ataques. A ironia é demasiada para se entender: queixam-se de agendas sociopolíticas enfiadas à força em filmes antes de os verem, mas são estes mesmos grupos que querem forçar uma mentalidade retrógrada perante todos. Vivemos numa Era muito, muito triste…

The Woman King partilha uma história imensamente cativante e culturalmente significativa sobre as Agojie, uma unidade de guerreiras que lutam para proteger o seu reino. Viola Davis brilha, mas Thuso Mbedu entrega uma das melhores prestações de estreia em longas-metragens que alguma vez testemunhei. As mensagens de anti-escravidão, anti-racismo e igualdade de direitos humanos são bem transmitidas, mas as dinâmicas autênticas e emocionalmente poderosas entre personagens destacam-se devido a um elenco carregado de química. Sequências de ação contêm elevados níveis de brutalidade, acompanhadas por excelente coreografia e arrepiante banda sonora.

Um dos melhores filmes do ano… ignorando a atrocidade da língua Portuguesa falada no filme.

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