Crítica – The Shining (1980)

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Jack Torrance (Jack Nicholson) é um aspirante a escritor e alcoólico em recuperação, que aceita um emprego como responsável pelo histórico e isolado Overlook Hotel durante a altura não turística, em que o mesmo se encontra fechado. A passar o Inverno com Jack estão a sua esposa Wendy Torrance (Shelley Duvall) e o jovem filho Danny Torrance (Danny Lloyd). Danny possui habilidades especiais que lhe permitem ver o passado horrível do hotel. Depois de uma tempestade de Inverno deixar os Torrances rodeados de neve, a sanidade de Jack deteriora-se devido à influência das forças sobrenaturais que habitam o hotel, colocando a sua esposa e filho em perigo.

Com Doctor Sleep, uma sequela de quase 40 anos a The Shining, a ser lançado esta semana, agora é o momento perfeito para revisitar um dos melhores filmes de horror de sempre, assim como um dos realizadores mais influentes da história do cinema, Stanley Kubrick. Eu sei, eu sei… Sem spoilers? Para um filme lançado em 1980? Bem, em primeiro lugar, há sempre alguém que ainda não o viu. Em segundo lugar, quanto mais nos afastamos do século XX, mais os filmes dos anos 60/70/80/90 são esquecidos. E, finalmente, se há filme sobre o qual não preciso de spoilers para explicar o quão extraordinário é, The Shining é perfeito para tal. Dito isto…

Sempre foi um dos meus filmes favoritos de horror de sempre. Não é perfeito (nenhum filme é) e alguns aspetos não funcionam tão bem agora como há 5/10/20 anos atrás. Quando saiu, a adaptação de Kubrick do livro de Stephen King foi recebida com grande divisão. O próprio King criticou o filme severamente. No entanto, menos de 10 anos depois, o filme de Kubrick já se encontrava em reavaliação.

Hoje em dia, é considerado um clássico de culto e é fácil entender o porquê. Das inúmeras homenagens às centenas de paródias cómicas, The Shining tem algumas das falas mais memoráveis de todos os tempos. Apenas este ano, já tivemos em It: Chapter Two alguém a imitar o famoso “Here’s Johnny!” de Nicholson, por exemplo. E, depois, há ainda o misterioso “redrum“…

Independentemente disso, a maior influência do filme são as suas realizações técnicas. Perdoem-me antecipadamente se esta crítica se tornar muito técnica, mas é impossível não abordar os indiscutivelmente melhores componentes do filme. Foi um dos primeiros a usar Steadicam (um estabilizador de câmera que permite filmar de forma “suave”, mesmo em superfícies irregulares, isolando o movimento do seu operador), algo que se tornou tão comum que até já se deixou de se elogiar.

Honestamente, ainda existem muitos filmes (e recentes) que têm um trabalho câmera terrível, por isso, sou um daqueles que defendem que o uso da Steadicam não deve ser dado como garantido. Especialmente como Kubrick utilizou, um pouco acima do chão, algo que originou a extensão “low-mode” que agora existe e permite que a que o operador facilmente consiga filmar para baixo da sua cintura.

Com o uso inovador do equipamento técnico, Kubrick oferece uma masterclass de framing (composição do conteúdo visual de um conjunto de frames vistos de um certo ponto de vista). De tal forma, que se tornou digno de estudo. Quase todos os planos deste filme tem uma pista visual ou um tema subjacente. Se se sentirem entediados durante alguma visualização, então (provavelmente) não estão a ver “como deve ser” (as aspas servem para me proteger de alguma presunção não intencional).

Não estarão realmente a pensar na história ou a olhar em redor das personagens. Não é um filme de horror genérico com monstros ou demónios a saltarem para vos assustar. Conta a história extensivamente através de meios visuais, por isso, se não prestarem atenção, vão chegar ao enigmático clímax e sentir que perderam alguma coisa.

Desde o mise-en-scène (organização de tudo o que aparece no framing, daí este termo francês que significa “placing on stage”) ter várias cores vermelho-sangue aos wide shots claramente mostrando os sinais de “saída” típicos dos hóteis e dando uma sensação de estarem presos num labirinto do hotel enorme, o perigo iminente está visualmente espalhado por todo o filme.

A simetria / espelhamento são absolutamente cruciais para não só entregarem momentos importantes da história, mas para criar esse ambiente de realidade vs fantasia. Desde a estrutura e decoração do hotel (tudo é incrivelmente simétrico) ao uso crescente de espelhos (estes são muito usados para traduzir literalmente palavras ou para mostrar a descida até à loucura), o framing de Kubrick é o que deixa o público a coçar cabeças, ainda hoje.

Irão sempre encontrar algo novo numa outra visualização. Pode ser de 1980, mas é um filme que requer toda a atenção. Não subestimem filmes do século passado como se não pudessem ser surpreendidos por um filme “tão antigo” (ficarão estupefactos por dezenas).

Se a cinematografia de John Alcott é impressionante, então o que escrever sobre a banda sonora assombrosa de Wendy Carlos e Rachel Elkind? Hoje em dia, a música de fundo é mais baseada na criação de um impacto emocional em momentos específicos da narrativa. No entanto, ao longo da história e durante os diálogos, até os filmes mais épicos têm uma abordagem mais subtil a essas cenas, sendo a música muito tranquila ou completamente inexistente.

Em The Shining, a banda sonora faz parte da conversa. Se uma personagem sente medo ou o perigo está próximo, um simples batimento cardíaco pode elevar tal momento. Se duas personagens gradualmente transformam um diálogo em algo cada vez mais violento e agressivo, a música faz questão de acompanhar essa evolução. É a banda sonora perfeita para um filme de horror.

Tecnicamente, vou parar por aqui, até porque nenhumas palavras serão capazes de expressar o quão impressionantes os métodos visionários de Kubrick são. É um dos realizadores mais talentosos de sempre e talvez até o mais influente. Esperemos que o seu trabalho seja sempre relembrado e que nunca deixe de ser relevante.

Em termos da sua história, The Shining também inspirou toda uma nova geração. Todos conhecem e adoram os momentos-chave do filme, mas é a exposição inteligente que me deixa contente. Todos os pedaços de informação são dados através de ou um diálogo incrivelmente cativante ou pistas/ações visuais. Assisti à versão de 144min de The Shining (a versão europeia tem 25min a menos do que a versão americana e esta última tem uma cena final num hospital cortada pelo próprio Kubrick) e praticamente todas as cenas têm algum significado. Pode ser uma nova informação importante ou uma atualização sobre um ponto de enredo anterior, mas todas as sequência tem um propósito específico.

Jack Nicholson comanda o ecrã com um desempenho fenomenal, um dos melhores da sua carreira. O seu guião pode ser muito bem escrito, mas a sua entrega e compromisso com o papel são espetaculares. Carrega takes longos com diálogos extensivos sem problemas. Crédito para Kubrick por fazer um filme com pelo menos 2/3 minutos seguidos em cada take, mas Nicholson é capaz de transformar uma cena “boa” em algo fantástico.

Danny Lloyd oferece uma das minhas prestações jovens favoritas de sempre. A sua voz como Tony é uma excelente execução e ele parece entender o que o rodeia de tal forma que nunca senti que precisava de o avaliar de forma mais “leve”, pois ele é simplesmente impecável.

Shelley Duvall, no entanto, é um alto-e-baixo. Desempenhos over-the-top eram melhor recebidos na altura, mas quase 40 anos depois, a sua prestação chega a atingir um nível insuportável. É uma contraparte incrível para Nicholson e aguenta-se muito bem dentro dos seus diálogos, mas quando está sozinha ou num momento emocionalmente conturbado, exagera em demasia. Scatman Crothers não tem muito tempo de ecrã como Dick Halloran, mas brilha sempre que tem de falar.

Algumas pessoas queixam-se do ritmo lento, mas adoro o o quão este ajuda a elevar o suspense e a construir momentos de imensa tensão. Apesar do clímax parecer um bocado abrupto, a imagem final de The Shining permanece connosco para sempre e, mesmo depois de todos estes anos, ainda não consegui escolher a minha teoria favorita.

The Shining é capaz de ser um dos clássicos mais acessíveis para quem nunca viu entender as razões pelas quais ele é, de facto, um dos melhores e mais influentes filmes de horror da história do cinema. A masterclass de Stanley Kubrick em framing com o seu jogo de simetria e espelhamento é evidente, por isso, mesmo que nunca tenham estudado a arte de filmmaking, é claro que estes dois aspetos são vitais para contar a história.

Para além do seu framing, o seu uso inovador da Steadicam e a sua mise-en-scène notável moldaram toda uma nova geração que nunca perde uma oportunidade de prestar homenagem ao seu trabalho. Adicionando às realizações técnicas impressionantes, Jack Nicholson oferece um desempenho assombrosamente memorável.

O final ainda é mind-blowing passado todo este tempo e novas teorias continuam a surgir. Enquanto eu vou continuar a tentar resolver a minha própria interpretação, não se atrevam a passar o resto das vossas vidas sem (re)ver este clássico de culto.

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