The Quarry não é propriamente um jogo excecional, mas é divertido o suficiente para prender e manter investido até o jogador mais alheio ao seu género de horror.
Não sou um grande fã do género de horror. Nunca fui. No cinema ou nos videojogos, com exceção desta nova vaga de horror psicológico ou lovecrafteano independente de estúdios como a A24, foram sempre géneros dos quais fugia a sete pés. Não por achar que não tinha estofo para lidar com as suas situações, mas porque me aborrece. Sabe ao mesmo. Eu sei que nada é real.
Este sentimento é ainda mais forte quando falamos do seu subgénero, o slasher movie. Aquele que está estereotipado como os filmes de jovens com as hormonas aos saltos que vão morrendo um a um devido a um evento ou entidade sombria. Um subgénero que me afastou automaticamente das obras da Supermassive Games, do hit para PlayStation Until Dawn e de, mais recentemente, da antologia The Dark Pictures.
Então, se a minha aversão a este tipo de histórias é tão presente ao ponto de me tentar justificar numa introdução de dois parágrafos, porque é que completei The Quarry num dia e fiquei a querer mais? Como quem faz binge a uma divertida série popular da Netflix?
24 horas depois, enquanto partilho a minha opinião, ainda estou a pensar no porquê de ter gostado de The Quarry, um jogo do qual me saltam facilmente a memória uma série de críticas às decisões técnicas e de design. Mas acho que o facto de pertencer ao género de jogos com narrativas ramificadas que mudam drasticamente o curso da história, com elementos de exploração e investigação, e um elenco carismático e diverso, ajudaram certamente nesta divertida e emocionante equação.
Um bom mistério sobrenatural baseado num mito urbano bastante banal
Foram cerca de 10 horas. Repartidas em 10 capítulos na minha versão do jogo. O equivalente a uma temporada de 10 episódios. The Quarry apresenta-se logo com um excelente ritmo, contrastado com um build up um pouco lento, mas essencial para conhecermos cada uma das personagens, num forte elenco de atores que dão a cara e voz, com destaque para os mais conhecidos como Justice Smith, Ariel Winter, Brenda Song, David Arquette ou Ted Raimi, o irmão do lendário realizador Sam Raimi, que nem sempre são propriamente as maiores estrelas desta aposta.
É impossível não ficar confortável com cada uma das personagens, mesmo que o que se esteja a passar no ecrã seja de arrepiar ou apenas constrangedor. The Quarry usa o meio do videojogo e o tempo necessário para ir largando pistas sobre o que se trata ao certo a ameaça sobrenatural desta história, enquanto move as peças para o sítio certo, antes de partir para a violência.
Não é uma história fantástica. Não é certamente a melhor que já experienciei no seu género, narrativo ou enquanto jogo, mas apresenta-se e desenrola-se com um bom mistério sobrenatural baseado num mito urbano bastante banal (mas que não vou revelar aqui), um tom bastante coeso e um ritmo incentivante a jogar só mais um pouco, especialmente quando o terceiro ato ataca e sentimos que todas as decisões que tomamos podem ser mesmo o fim para cada uma daquelas personagens.
No início, The Quarry dá a sensação de que é um jogo relativamente linear, levando-nos a questionar se algumas das opções têm mesmo efeito narrativo. E, na sua maioria, não têm qualquer impacto, com situações binárias que mudam o percurso à pequena escala. Nada de efeito borboleta. Um elemento que me começou a desapontar no início, mas que, para o final, mudou por completo.
São raros os jogos em que sentimos o coração nas mãos a torcer pelas nossas personagens favoritas. E num género normalmente lembrado por apresentar “pessoas estúpidas a tomarem decisões estúpidas”, mas onde temos o poder e a urgência de impedir que isso aconteça, passou a ser recorrente ficar a pensar se tomei ou não a decisão certa. Uma personagem pode morrer por uma decisão quase instantânea, já outras vezes é uma chama que arde lentamente, onde uma decisão num ou dois capítulos anteriores reflete-se na salvação ou morte de uma personagem.
Se estou a ser descritivo com elementos que os mais dedicados ao género já conhecem, perdoem-me – como indiquei no início, o catálogo da Supermassive Games não me seduz. Mas podem-me ler como uma confirmação de que The Quarry cumpre a sua promessa no que toca à urgência de decisão e aos seus efeitos. É simplesmente coisa boa. Coisa essa que não me deixou largar o comando até ao final do jogo.
Um final um pouco abrupto mas que convida a rejogar
Apesar de não ter ficado muito fã dos vários finais que obtive (ao repetir alguns pontos chave nos últimos dois capítulos), especialmente pela forma abrupta com que a missão principal do jogo se desenrola, quase com um epílogo em jeito de apresentação a mostrar o que aconteceu a cada uma das personagens, The Quarry fez o suficiente para querer voltar a jogar. Mas desta vez não da forma tradicional de repetir o jogo de início, antes com outros modos disponíveis que, após terminar o jogo, os achei ainda mais interessantes.
Como seria The Quarry na sua versão canónica? Isto é, qual é a versão dos eventos que os argumentistas defendem? Quem morre, quem sobrevive? Quem se alia ou trai quem? Acima de tudo: quem é que vai tomar aquelas decisões estúpidas que eu, por medo de perder uma personagem, não tomei? Estas eram as respostas que eu pensava que iria encontrar no Movie Mode, com expectativa que seria possível experienciar a história do jogo sem qualquer ação. Mas o que encontrei foi algo bem mais interessante. É certo que não há uma versão canónica, mas é possível manipular o jogo de forma interessantes.
Por exemplo, temos o modo em que todos vivem, onde podemos descobrir os caminhos para a sobrevivência completa do elenco. Em contraste, temos o modo em que todos morrem, potencialmente revelando um final infeliz. E temos ainda o Director’s Chair, que dá um nível de rejogabilidade incrível, onde nós, como o nome indica, enquanto realizadores, escolhemos a personalidade e a forma como as personagens interagem em diferentes situações e deixamos que as coisas aconteçam. No fundo, um verdadeiro God Mode.
Para quem tiver a versão Deluxe de The Quarry, terão ainda acesso a um modo especial, o Gorefest, que se aproxima um pouco daquilo que procurava, com as personagens a agirem das formas mais imprevisíveis e com a promessa de apresentar as mortes mais horríveis durante uma versão da história. E acreditem em mim, algumas das que testemunhei durante a primeira vez que joguei The Quarry são super violentas e viscerais.
Tão divertido que quase me converteu ao género
Há muito para adorar em The Quarry e foi tão divertido que quase me converteu ao género, mas não o suficiente para ir conhecer o restante catálogo da produtora Supermassive Games. Até porque, infelizmente, deparei-me com alguns problemas a nível técnico e algumas decisões de design que me deixaram irritado.
The Quarry aposta no fotorrealismo e, em algumas cenas, é verdadeiramente nex-gen, com as personagens a apresentarem expressões e animações altamente realistas. No entanto, esta apresentação não é consistente, e rapidamente encontramos cenas com muitas imperfeições e movimentos robóticos, assim como personagens a fazerem expressões faciais que caiem no chamado uncanny valley. Além disso, mais irritante ainda é o uso e abuso de efeitos como o campo de profundidade, que desfoca tudo o que está atrás das personagens, com tanta agressividade que resulta em glitches visuais. A minha experiência com The Quarry foi na PlayStation 5, onde infelizmente não existe forma de desativar esta “qualidade” predeterminada pelos produtores.
Recorrente também foi encontrar texturas por carregar e objetos flutuantes, que infelizmente me retiraram da “cena”. Mesmo durante a jogabilidade, a Supermassive Games optou por colocar a câmara literalmente em cima do ombro das personagens durante a exploração. Uma decisão que oferece um pouco de claustrofobia em muitas situações (e bem), mas que afeta a exploração das áreas, com um campo de visão reduzido e novamente efeitos de profundidade agressivos – neste campo, com a personagem desfocada, e por alguma razão, as minhas personagens passavam o tempo a olhar para o teto ou para zonas sem interesse -, o que me levava a explorar áreas que não tinham absolutamente nada. Bizarro.
Ainda assim, em retrospetiva, estes parecem ter sido problemas menores. E em momento algum me fizeram ponderar se queria terminar a minha sessão de jogo. Felizmente, The Quarry tem todas as qualidades para ser pura diversão, como disse, como uma sólida série da Netflix, mas onde somos nós que temos o controlo. Perfeito para jogar a solo, com amigos ou até no próximo Halloween. The Quarry é uma surpreendente sobremesa deliciosa para experienciar depois de um belo jantar, noite dentro.
Cópia para análise cedida pela InfoCapital.