The Mountain Goats no Lisboa ao Vivo – Hinos para uma imensa minoria

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Em noite fresquinha e chuvosa de novembro, o caminho até ao Lisboa ao Vivo acaba por ser fácil. Muitos lugares para estacionar e pouca gente a fazer a procissão até ao armazém que se transformou numa das melhores salas de Lisboa. Fraco sinal para a popularidade desta estreia absoluta dos The Mountain Goats em Portugal. Mas ainda é cedo, afinal são 20h30 e vamos a tempo de ver o número de abertura.

A primeira parte foi assegurada por Laura Cortese & The Dance Cards, agrupamento que se apresentou em modo de trio (originalmente são um quarteto) de instrumentistas de cordas (violino de cinco cordas – uma raridade, contrabaixo e violoncelo). Apesar do uso de instrumentos que podem ser apelidados de clássicos, ou tradicionais, a escrita de Laura Cortese é muito destes anos, versando temas como o relacionamento via Tinder e outras mediações por intermédio da tecnologia. Aproveitando o facto de este ser o seu último concerto da tournée, e até do ano de 2019, Laura aproveita apresenta coisas novas, antecipando o lançamento do sucessor do último longa duração, California Calling.

E chega o momento mais curioso desta atuação. Valerie Thompson, a violoncelista, saúda o público e aproveita para fazer uma pergunta: Quem dos presentes tem um gira-discos? Pelo levantar de mãos, talvez perto de metade. Valerie discorre então sobre a superioridade do meio enquanto forma de ouvir música, em especial da relação entre um vinil de música romântica e um copo de vinho, e do problema que tem.

Créditos: Emanuel S. Canoilas

Publicado por Echo Boomer em Quarta-feira, 27 de novembro de 2019

É um problema grave, o de ter de uma colecção de discos pequena, e por isso gostaria de receber recomendações de qual é o disco romântico preferido dos espetadores enquanto estiver a andar pelo público. Que isto não é conversa de engate, embora esteja solteira. Melhor conversa de sempre, perfeita para o público que está naquele sítio àquela hora.

30 minutos que passam depressa, e após outros tantos de espera, John Darnielle e Matt Douglas entram em palco de copo de vinho na mão e brindam perante o aplauso geral. Infelizmente, os presentes em frente não são muitos mais, não chegando a metade da lotação do Lisboa ao Vivo. É pena, mas coerente com a escala das salas onde têm tocado nesta digressão europeia, e ajuda talvez a explicar a ausência os outros dois membros atuais da formação, o baixista Peter Hughes e o baterista Jon Wurster. Estamos perante o proverbial objeto de culto.

Porém, Darnielle é a cara, o coração e o cérebro dos The Mountain Goats, e Douglas o instrumentista mais polivalente, passando rapidamente da guitarra para o saxofone e para os coros. Estamos bem entregues, e palavras simpáticas seguem-se com a pena da demora na chegada às areias de Portugal (andam por aí desde 1991), tão bem recomendadas por Owen Pallett produtor do fresquinho In League with Dragons, décimo sétimo disco da prolífica carreira de estúdio dos rapazes baseados na Carolina do Norte.

Começa-se com “Clemency for the Wizard King”, um dos temas inspirados pelo universo dos jogos de fantasia como Dungeons & Dragons que foram lançados este ano. O tema é representativo de uma subcultura bastante fechada, mas hoje em dia celebrada e bem no centro da produção audiovisual. Porém, não se vai buscar A Guerra dos Tronos, mas o seu antepassado mais obscuro, e a inspiração acaba por ser mais ao nível de atmosfera do que literal. Não por acaso, a ideia inicial era de criar uma ópera rock.

Créditos: Emanuel S. Canoilas

Publicado por Echo Boomer em Quarta-feira, 27 de novembro de 2019

O alinhamento é eclético e vai picando várias fases de uma carreira a caminho das três décadas, indo desde referências bíblicas (“Hebrews 11:40”, ou a notável “Cry for Judas”) a covers de Hank Williams (“You Better Keep It on Your Mind”), com Darnielle sempre presente com a sua voz mais declamativa do que melódica. Umas vezes sozinho, outras com Douglas, outras com o apoio das regressadas Laura Cortese & The Dance Cards. Os recursos disponíveis são usados de forma parcimoniosa e sábia, e sensação de aborrecimento anda sempre lá longe, tal é o ritmo e a capacidade de ir manter diálogos bem-humorados.

“Doc Gooden”, canção inspirada igualmente de In League with Dragons mas inspirada num jogador de basebol, é representativa das figuras trágicas que atingem altos no início da juventude e passam o resto da carreira, ou da vida, na procura infrutífera de voltar a atingi-los. É um belo exemplo de como a alma de escritor de Darnielle nunca está longe da sua carreira de músico, e de que a sua capacidade de contar pequenas histórias em cápsulas musicais de poucos minutos está de ótima saúde.

Os hinos do cânone indie folk ficam guardadinhos para o final, e antes da chegada do encore temos “Up the Wolves”. Com o regresso rasga-se o caderno e bebe-se mais um copo de vinho, antes de se tocarem “This Year” e “No Children”, com coro dos amigos reunidos na sala quente que contrasta com o tempo lá fora. Passou uma hora e meia mas parece que passou muito mais, tantas foram as viagens por onde nos levaram.

Fotos de: Emanuel S. Canoilas

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