The Gorge pode não ser uma revolução dentro desta mistura de géneros, mas destaca-se pela sua execução estilística, design de criatura imaginativo e pela química envolvente entre os protagonistas.
O cineasta Scott Derrickson é mais conhecido pelo seu trabalho no género de horror – The Exorcism of Emily Rose, Sinister, The Black Phone – mas já se aventurou por outros mundos, tais como o de super-heróis com Doctor Strange. Pessoalmente, aprecio imenso o estilo do realizador que, desta vez, tenta aproveitar o argumento de Zach Dean (The Tomorrow War) e as duas estrelas de Hollywood ao seu dispor, Miles Teller (Whiplash) e Anya Taylor-Joy (Furiosa), para arrecadar mais um sucesso crítico e comercial com The Gorge.
A premissa é simples, Levi (Teller) e Drasa (Taylor-Joy) são dois agentes altamente treinados que recebem exatamente a mesma missão. Separados por um desfiladeiro vasto e numa localização confidencial, os agentes são colocados em postos de vigilância em lados opostos com o objetivo de proteger o mundo de um mal misterioso que vive no fundo do grande buraco. Enquanto se aproximam, apesar da distância, tentam manter-se vigilantes, mas quando a ameaça cataclísmica lhes é revelada, ambos terão de trabalhar em equipa para manter o segredo no desfiladeiro antes que seja tarde demais.
The Gorge é o tipo de filme que me faz sair do cinema – ou, neste caso, do sofá de casa – diretamente para o YouTube de forma a perceber como o departamento de marketing decidiu publicitar uma história que, evidentemente, tem como um dos elementos mais atrativos o tal mistério sobre o que se passa no desfiladeiro. Felizmente, o trailer principal mantém o segredo bem escondido, apesar de esclarecer que Levi e Drasa terão de combater algum tipo de criaturas – revelação perfeitamente normal e previsível, logo recomendo assistir ao mesmo se existirem dúvidas sobre uma potencial visualização.
Derrickson concentra a primeira metade de The Gorge na construção e desenvolvimento dos protagonistas, especialmente a ligação pouco convencional que criam através de uma distância tão grande que apenas se conseguem ver com a ajuda de binóculos poderosos. A própria comunicação depende exclusivamente de escrita em papel ou quadros, mas eis que é precisamente devido a estes pequenos pormenores visuais sem qualquer diálogo falado que surge a componente narrativa mais surpreendente de toda a obra.
Não é propriamente comum que obras com esta mistura de géneros – ação, thriller, horror – gastem o seu valioso tempo de duração em tentar aproximar os espetadores dos seus protagonistas. O mais natural é estes serem uma mera cópia barata, sem motivações concretas, de uns quantos arquétipos de Hollywood e, sem gastar a paciência das audiências, passando rapidamente às sequências de ação e suspense. The Gorge ultrapassa, por pouco, as duas horas, mas com exceção de um único momento mais energético, a primeira hora é dedicada ao romance inesperado que surge entre pessoas com uma vida semelhante de solidão e pouca ligação humana.
The Gorge, não chega torna-se num estudo aprofundado e provocante sobre PTSD, nem sobre a relação humana com a distância física, mas aproveita as prestações extremamente convincentes, bem-humoradas e com excelente química entre Teller e Taylor-Joy para elevar um enredo que guarda a ação e o caos para o último ato no desfiladeiro. Aqui, Derrickson tem de agradecer ao seu diretor de fotografia, Dan Lausten (John Wick: Chapter 4), por contribuir não só com um movimento de câmara exímio, mas principalmente com uma palete de cores vibrante e incrivelmente imersiva.
Sem recorrer a spoilers sobre os “porquês” e os “comos” do desfiladeiro, The Gorge opta por um design de criatura bastante criativo e que condiz narrativamente, trazendo aquela camada de horror que Derrickson tanto aprecia. A ação tem os níveis de energia, tensão e suspense necessários para levar a um clímax eficiente, apesar da obra estranhamente perder o apelo inicial com o passar do tempo. O segredo tão confidencial acaba por se revelar como algo previsível e com uma exploração básica e genérica, consequentemente retirando algum interesse ao último ato.
É o típico exemplo cinemático onde a execução impecável compensa a falta de maior desenvolvimento narrativo de algumas das ideias que marcam a premissa de The Gorge. Não sei qual seria o impacto da obra caso não tivesse os atores que tem à frente do ecrã – especialmente Taylor-Joy que convém tanto com o seu olhar e expressividade facial – mas a verdade é que, de forma idêntica a The Tomorrow War, acredito que seja um filme que cresça de opinião com o tempo…
VEREDITO
The Gorge pode não ser uma revolução dentro desta mistura de géneros, mas destaca-se pela sua execução estilística, design de criatura imaginativo e pela química envolvente entre os protagonistas. Scott Derrickson demonstra mais uma vez o seu talento para equilibrar ação, suspense e emoção, criando uma obra com níveis de entretenimento altos que, apesar de pecar por pouco desenvolvimento de alguns dos seus elementos narrativos mais intrigantes, mantém o público investido do início ao fim. No final, é uma obra que vale pelas prestações cativantes, pelos momentos de tensão bem orquestrados e pela forma como transforma uma premissa simples numa experiência visualmente marcante.