Alguém deu uma pistola a um esquilo neste jogo de ação e aventura absurdista, exagerado, nem sempre otimizado, mas divertido.
Este esquilo tem uma arma. Em Squirrel With a Gun, o roedor Sciuridae – no seu nome científico – não tem na sua posse uma enxada, uma colher ou qualquer outro utensílio ou ferramenta, mas, antes, uma arma. Não estamos sequer a falar de uma arma específica, já que o esquilo é capaz de manusear pistolas, revólveres, espingardas e até lança-granadas com alguma destreza. O animal está tão armado e viciado em bolotas que não só dispara se for provocado, como teve o descaramento de invadir um laboratório secreto e devorar uma experiência científica sem pensar duas vezes. E o pior é que ninguém – e eu repito, ninguém – poderá parar este esquilo agora que se encontra à solta: a não ser que lhe queiram tirar uma fotografia, claro.
Com uma arma na mão, os serviços secretos à sua procura e um número absurdo de bolotas douradas para colecionar, o titular esquilo armado tem agora os subúrbios à sua mercê. O mundo é a sua ostra. A missão: recolher bolotas e derrotar os agentes engravatados que vigiam as ruas do bairro. Para fugir e contra-atacar, temos de ajudar o esquilo a explorar as várias zonas dos subúrbios, desde festas de quintal, skate parks e parques aquáticos até a casamentos improvisados e bares temáticos. À semelhança de Goat Simulator, os subúrbios dividem-se por zonas específicas e caracterizadas por um conjunto de colecionáveis e missões que devem ser finalizadas, onde a lógica e o bom senso não só ficaram de fora da equação, como nunca foram sequer considerados, deixando-nos à mercê de uma campanha que é tudo menos previsível.
Os subúrbios expandem-se à medida que avançamos pela campanha, desbloqueando novas zonas enquanto são introduzidas novas armas e inimigos, mas a progressão mantém-se inalterada: encontrar bolotas douradas para desbloquearmos armas, veículos e até fatos que nos permitam aceder a zonas anteriormente inacessíveis. Quando entramos numa nova secção do bairro, quase sempre personificada por um tema específico – skate park, saloon, parque aquático, entre outros -, é suposto absorvermos todas as pistas visuais e mecânicas que temos à nossa disposição. O que está fora do lugar? O que poderá ser utilizado para desbloquear um caminho secreto? E o que é singular na linguagem dos videojogos ao ponto de se encontrar uma réstia de lógica mecânica num mar de absurdidade? Os sinais estão sempre presentes e basta prestarmos atenção aos cenários para compreendermos o que temos de fazer ou o que poderá ser exigido de nós a qualquer momento.
Vamos a exemplos práticos. Algumas zonas podem ser mais diretas na sua abordagem do que outras, como o skate park, onde temos uma enorme rampa no centro do half-pipe. A rampa só pode ser utilizada se tivermos desbloqueado o carro, um dos veículos disponíveis ao longo da campanha e basta navegarmos pelas suas setas para chegarmos ao topo. A campanha é composta por momentos semelhantes, onde encontramos uma barreira que só pode ser ultrapassada se tivermos a arma ou veículo corretos, o que nos levará a colecionar mais bolotas para desbloquearmos novas opções. No entanto, existem outras zonas onde não temos pistas tão óbvias e é necessário analisar os cenários com maior atenção, cuja leitura é essencial devido aos sinais visuais. Como o casamento, cuja noiva está a chorar no altar porque o noivo não compareceu à cerimónia. Então o que temos de fazer? Temos de encontrar o noivo e encaminhá-lo na direção correta o quanto antes.
Squirrel With a Gun não é um jogo mecanicamente exigente e muito menos é intimidante na forma como abordamos estes desafios constantes. No entanto, existe alguma criatividade na forma como chegamos às soluções dos casos mais bizarros e é interessante perceber como o jogo motiva os jogadores a explorarem melhor as zonas em busca de pistas. Os vários desafios são resolvidos com a paciência certa ou então quando decidimos ir além daquilo que possamos considerar como lógico, e são nestes momentos em que sentimos ainda mais a influência de Goat Simulator, ainda que nem sempre tão emergente e variado como Squirrel With a Gun poderia ser.
A Dee Dee Creations manteve o jogo numa linha ténue, nem sempre sólida, entre o humor e a diversão. Squirrel With a Gun não é visualmente apelativo e muito menos está otimizado para ser um verdadeiro caso de sucesso — é bastante normal encontrarmos bugs que nos prendem aos cenários ou cujas texturas nem sempre carregam ou funcionam com colisão —, mas existem aqui ideias que podiam ter sido mais exploradas e muito mais exponenciadas ao longo da campanha. Eu tenho tecido várias comparações (óbvias) a Goat Simulator, mas Squirrel with a Gun traça o seu próprio caminho no que toca ao sistema de combate. Não é por acaso que o nosso esquilo tem, adivinhem, uma arma. Desde pistolas, revólveres a metralhadoras, espingardas e lança-granadas ou rockets, o esquilo é capaz de utilizar um armamento muito mais variado do que esperava. No entanto, se o seu tamanho e peso não limitam a sua força, já que o esquilo é capaz de carregar qualquer arma sem problemas, o mesmo não pode ser dito da sua resistência ao impacto de cada disparo. Sempre que disparamos uma arma, e dependendo da arma em questão, o esquilo é projetado para trás. Os combates ganham assim uma nova intensidade, já que a nossa mira depende da força da arma e podemos ficar numa posição menos vantajosa ao não controlarmos a direção do esquilo. Por outro lado, a AI dos agentes secretos é tão limitada que estes problemas nem sempre são sentidos, mas a tentativa está lá e não é incomum morrermos devido aos ataques de um grupo de agentes.
Se as armas criam este efeito de projeção no nosso esquilo, a sua utilização só poderia ser expandida na jogabilidade e é isso que Squirrel With a Gun faz com o seu sistema de plataformas e exploração. Apesar da sua força descomunal, apenas pecando para a sua atitude anarquista, o esquilo não apresenta habilidades que vão além da sua natureza e é bastante realista no seu repertório de habilidades — se ignorarmos que estamos a falar de um esquilo capaz de usar armas e conduzir carros e drones. Este é um esquilo que é capaz de executar os seus inimigos sem piedade e até fazer roubos à mão armada quando os transeuntes tentam tirar-lhe fotografias — e eu não estou a inventar nem uma letra no que acabei de escrever —, mas que se comporta o mais realisticamente possível. Não existem duplos saltos, combinações de ataques, poderes mágicos ou telecinesia. É um esquilo capaz de saltar e trepar árvores, postes e pessoas. Para conseguirmos alcançar plataformas mais longínquas, precisamos de utilizar as armas como impulso adicional, desbloqueando assim um equivalente ao duplo salto. Cada arma apresenta um efeito diferente e é necessário saber qual a melhor alternativa para certos saltos. Por exemplo, a espingarda impulsiona-nos mais para cima, mas a queda é maior, e a Uzi requer mais balas, mas a subida é muito mais controlada.
Squirrel With a Gun constrói-se através da exploração e descoberta de colecionáveis enquanto evitamos os agentes secretos, desbloqueamos novas zonas, eliminamos os bosses e roubamos todos os transeuntes que estão apenas a passear e a desfrutar do seu dia. Se gostam de opções de personalização, o jogo apresenta vários fatos, chapéus e até cores para o nosso esquilo, e é possível combinar todas as peças de vestuário ao nosso gosto. Existem fatos especiais que desbloqueiam efeitos adicionais, como a armadura anti-bomba, que é muito mais pesada, mas também mais resistente do que os restantes, ou o fato de mergulho, que nos permite nadar debaixo de água. Também podemos melhorar o recarregamento das armas através dos colecionáveis, mas o foco mantém-se no humor e na forma como passamos a compreender o funcionamento das zonas para chegarmos às bolotas douradas. Não é um jogo perfeito e apresenta vários bugs, gráficos nada apelativos e uma curta duração, mas é divertido até ao final, e algumas das bolotas requerem destreza, o que adiciona um desafio essencial para a jogabilidade.
O que é, afinal, Squirrel With a Gun depois de tantos parágrafos de texto? Deixo-vos mais um exemplo. Num dos momentos iniciais do jogo, o nosso esquilo é confrontado por um enorme tanque vermelho, pilotado pelo auto-intitulado Father – ou Daddy, como expõe orgulhosamente no blazer do seu fato. O que se segue é uma sequência em que o nosso esquilo é atacado por um míssil, sem possibilidade de escape, projetado para o ar sem hipótese de ripostar. Uma demonstração de poder do Father que, até aqui, não sabemos sequer quem é, mas imaginamos que seja uma personagem de alguma importância – quiçá, até o vilão principal. Este é o tipo de jogo que Squirrel With a Gun é – o tipo de jogo onde um esquilo é atacado por míssil e sobrevive.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela 1UP PR.