A NeoBards Entertainment e Ryukishi07 conseguiram o que parecia ser impossível com Silent Hill f: um jogo original merecedor de um lugar no panteão da série.
A neblina cai lentamente. No horizonte, a cidade de Silent Hill permanece adormecida, como uma silhueta perdida no tempo. Um pequeno som reverbera pelo silêncio e vazio do que eram anteriormente ruas cheias de movimento. Enquanto entramos na cidade e percorremos as ruas que julgávamos conhecer, cai sobre nós um arrepio na espinha. O que era familiar, agora era estranho. O que considerávamos como uma certeza, não passava de uma miragem. Agora perdidos, sem rumo, somos confrontados pela verdade. Afinal não estamos em Silent Hill.
A queda de Silent Hill – os jogos -, é um caso de estudo. A série de terror, produzida e editada pela Konami, ainda hoje considerada como uma das mais importantes e influentes do género, parecia intocável. Entre 1999 e 2004, Silent Hill procurou quebrar as normas do género de terror e sobrevivência, ambicionou elevar as expectativas e criar histórias mais humanas e dramáticas, e perturbar os jogadores com uma forte imagética que se posicionou entre o terror psicológico e o grotesco. Em 2003, Silent Hill 3 advertiu os jogadores que algumas partes da sua campanha não seriam apenas violentas, mas também cruéis. Esta advertência distanciou Silent Hill dos seus rivais, quase como se a série assumisse uma postura mais adulta, humana e mórbida, capaz de ir onde os outros eram incapazes de ir. Durante anos, Silent Hill era um mundo fechado, uma experiência única e também palco para o inesperado e o desconhecido. Mas nada é eterno.
Muitos apontam o fim prematuro de Silent Hill a um problema de adaptação e a uma crise de identidade. Depois de Silent Hill 4: The Room e do cancelamento da versão original de Silent Hill 5, a série abandonou o Japão e ficou a cargo de estúdios ocidentais que procuravam compreender qual era a essência da série. Silent Hill Origins, Homecoming, Shattered Memories, Downpour e Book of Memories protagonizaram esta passagem de testemunho, nem sempre com resultados positivos. Alguns títulos procuraram expandir a mitologia da série, outros almejaram quebrar o cânone para contar histórias mais pessoais e individuais dentro do mundo de Silent Hill. O que foi possível determinar rapidamente é que nenhum dos estúdios parecia procurar a alma da série e abordar diretamente a espiritualidade, humanismo, violência e crueldade que caraterizaram os títulos pela equipa japonesa. A imitação suplantou a adaptação e ficou apenas um vazio. Anos depois, Silent Hill ficou silenciosa.
A cidade parecia caída no esquecimento. A Konami evitava falar sobre Silent Hill e a possibilidade de uma sequela ou reboot. A mudança de estratégia da produtora selava o destino prematuro da série aos olhos dos fãs, mas o coração continuou a bater. A adaptação falhara, mas Silent Hill sobreviveu através de esperanças quase sempre infundadas, homenagens sentidas e imitações que procuravam ressuscitar o que estava supostamente perdido. Apesar da hibernação, Silent Hill continuou a crescer, quase como uma maldição. Com o tempo, Silent Hill transformou-se num monstro impossível de ignorar, talvez mais popular do que alguma vez tinha sido, alimentando-se das homenagens, rezas e esperanças de uma indústria sedente por um tipo de terror e horror que só Silent Hill poderia proporcionar. Esse tal terror supostamente tão próprio da série, tão original e impossível de imitar.
Então Silent Hill foi ressuscitado. Uma nova era. Uma terceira vida para a série. Uma nova oportunidade para recuperar o seu lugar no panteão do género e regressar mais forte do que nunca. Mas esta é uma era de incertezas, de riscos e experiências que prometem confundir e desafiar os fãs dos originais. Se a primeira era é caraterizada pelos quatro títulos originais e a segunda era pelas produções ocidentes, a terceira e atual era é talvez uma procura por identidade e maior experimentalismo no centro da série. Há uma maior incerteza sobre a direção da série e isso é (por agora) fascinante. O remake de Silent Hill 2 foi um regresso às origens, mas também uma reinterpretação de um clássico através de um olhar mais moderno e europeu. Silent Hill Ascension procurou ser um projeto transmedia nunca antes visto na franquia, idealizado pela Bad Genvid Tecnologies, com resultados pouco satisfatórios. Silent Hill: The Short Message quebrou as barreiras geográficas da saga e centrou-se numa história mais psicológica, agora na primeira pessoa, protagonizando várias estreias na série da Konami. Por sua vez, Silent Hill: Townfall é encabeçado pela Screen Burn, antiga No Code, responsáveis por títulos como Stories Untold e Observation, que parece ser uma aproximação mais narrativa à série da Konami, novamente a cargo de uma equipa europeia. Por fim, Silent Hill f, o título mais misterioso da nova era, escrito por Ryukishi07 (Higurashi When They Cry) e produzido pela equipa NeoBards Entertainment, de Hong Kong. Várias faces, várias origens e diferentes interpretações, mas, segundo a Konami, tudo parte de Silent Hill.
Levanta-se assim a problemática sobre o que é, na verdade, Silent Hill. Quais são os elementos arquétipos da série de terror? Será apenas a cidade de Silent Hill? As suas temáticas de fanatismo religioso e trauma? O facto de as criaturas serem representações do estado psicológico dos seus protagonistas? Ou será apenas o nevoeiro que foi primeiramente uma escolha técnica e só depois estética? O que é possível concluir é que a definição de Silent Hill difere entre fãs e especialmente entre jogos. Faço esta distinção porque acredito piamente que os jogos definem estas interpretações, por vezes contraditórias, sobre os alicerces da série. Se preferem Silent Hill e Silent Hill 3, é normal considerarem que é o culto de Silent Hill, liderado por Dahlia Gillespie e depois Claudia Wolf, que define a origem da série. Se preferem Silent Hill 2 e títulos como Shattered Memories e Downpour, consideram que a série é composta por histórias independentes, centradas no misticismo da cidade de Silent Hill, mas mais interessadas na psique dos seus protagonistas e nos traumas que os levam a enfrentarem os horrores da cidade.
O ponto de entrada parece definir o que é a série e é importante pensarmos sobre isso enquanto olhamos para Silent Hill f. Mais uma vez, a discussão voltou. Afinal, será Silent Hill f um verdadeiro título da série ou apenas uma imitação? Esta é a mesma discussão que vimos durante o lançamento de Final Fantasy XVI e acho curioso este paralelismo entre dois títulos que tentam experimentar dentro das suas séries, mas que são muito mais tradicionalistas e familiares do que aparentam ser. A discussão é interessante, talvez até importante para os fãs de Silent Hill, mas igualmente redutora. Nesta nova era, a Konami compreendeu que Silent Hill não pode continuar a ser o mesmo monstro que era: é suposto evoluir. Mais importante do que os elementos visuais ou narrativos, é a busca por uma visão criativa que comande esta nova era. Não é suposto continuarmos a jogar variações de Silent Hill 2, mas sim ir além e compreender o que a série pode ser. O que ela é, já é sabido, mas para onde irá Silent Hill? Se a Bloober Team comandou o regresso ao passado, a um espaço seguro e familiar, a NeoBard procurou ser a sua antítese e assumir-se como o verdadeiro reinício.
O que me entristece nesta discussão é perceber que a resistência de alguns fãs começa e termina no facto de Silent Hill f existir fora da sua cidade titular. Agora Silent Hill é uma entidade, uma ideia, algo que vai além do espaço físico – um fenómeno paranormal. Não é a primeira vez que um título da série ambicionou romper o cordão umbilical que a liga à cidade fictícia e títulos como Silent Hill 3, The Room e Homecoming iniciam-se em cenários originais. No entanto, o regresso a Silent Hill é inevitável nos três títulos, algo que Silent Hill f recusa. Aqui não há qualquer regresso a Silent Hill e habita-se a existência da cidade enquanto ideia e conceito. Silent Hill transforma-se em Ebisugaoka, uma pacata cidade rural japonesa, numa era que também é estranha à série, a década de 60, a era Showa, onde o modernismo é abandonado em prol do tradicionalismo e dos valores antigos.
Silent Hill f também rejeita a viagem do seu herói. Não acompanhamos uma personagem que regressa a Silent Hill ou que visita a cidade pela primeira vez. Não se trata de um estranho ou de alguém que regressa à sua cidade natal, após vários anos de ausência. Hinako nasceu e cresceu em Ebisugaoka, é fruto desta existência num espaço rural, as suas virtudes e falências existem, em parte, devido a esta origem mais humilde. Enquanto uma jovem mulher num mundo patriarcal, onde rapazes e raparigas não brincam, onde as mulheres devem abandonar os seus hobbys e sonhos em prol de uma vida familiar, destinadas a serem esposas e mães quase sem rosto. É neste ambiente de práticas retrógradas que cresce a rebelde Hinako. Uma rebeldia que talvez só o seja assim caraterizada exatamente porque Hinako cresceu em Ebisugaoka. Esta ideia de familiaridade e pertença é um desvio interessante na série porque prende a protagonista à origem do mal, como se não existisse uma fuga neste sufoco eterno. Quem nasce em Ebisugaoka é possível que viva e cresça sempre entre as casas, riachos e montanhas que cercam a aldeia, separadas da vida urbana da capital japonesa e das suas restantes metrópoles. Hinako é um grito que se perde no nevoeiro de Ebisugaoka.
Apesar da mudança geográfica, Silent Hill permanece viva em Ebisugaoka. Os temas continuam presentes, o horror mantém-se como um dos pontos fulcrais do título da NeoBards e a beleza natural da aldeia contrasta com o nevoeiro e o horror corporal das criaturas que perseguem Hinako. Ebisugaoka é também uma cidade mergulhada no medo religioso, cujos habitantes temem o poder das maldições e regem-se através de rituais e rotinas que procuram afastar estes medos geracionais. Em todas os becos, podemos ver santuários ao deus “Inari” e todos os habitantes de Ebisugaoka sabem que qualquer desrespeito ao deus levará a um castigo divino e certamente mortal. A maldição de Ebisugaoka constrói-se, tal como Silent Hill, numa conciliação entre o amor pelo divino e o terror eterno. Este é um amor que não é natural, antes temido. Um respeito que é disfarçado de crença e uma crença que se pinta de rituais mundanos e rotineiros. Há assim um espetro sobre Ebisugaoka, uma presença divina, um engano constante sobre a relação ténue entre o Homem e o divino, que reflete tematicamente a série Silent Hill como um todo.
Hinako é simultaneamente uma protagonista disruptiva no cânone de Silent Hill, como é talvez uma das personagens que melhor simboliza a realidade da série, uma contradição que não é despropositada. A jovem Hinako é uma prisioneira neste mundo de tradições, é uma filha que se vê desrespeitada e incapaz de revelar ao mundo o quão problemático é o seu pai porque ninguém acreditará em si. É uma irmã que idolatra a sua irmã mais velha, mas que se sente desprezada e esquecida por ela, levando-a a rebelar-se contra a instituição familiar à procura de um futuro melhor. Hinako também esconde um segredo, também é vítima do medo geracional da aldeia onde nasceu e é agora persuadida pelo deus (ou a sua representação), quase como uma escolhida que tanto poderá ser heroína como uma vilã. Estes elementos contraditórios, como a incerteza sobre as intenções da protagonista e a sua relação com Ebisugaoka, são incontornáveis à série Silent Hill. O que Ryukishi07 procurou foi criar uma história ainda mais pessoal sem nunca abandonar os temas que ligam este jogo aos restantes títulos da série, mas também sem se subjugar perante o suposto cânone da saga. Então o guionista ambicionou inovar na sua abordagem e encontramos mais cinemáticas, mais diálogos, personagens bem desenvolvidas e uma trama que se move sobre um enorme mistério e se constrói como um excelente puzzle que vai além da própria campanha e que se multiplica por vários finais e novas sequências. Silent Hill f simboliza este respeito pelo passado, mas também a ambição pelo experimentalismo.
Apesar das críticas iniciais, de que Silent Hill f não seria um verdadeiro título da série, as semelhanças continuam a amontar-se, mesmo com alguns desvios inteligentes à fórmula. Mesmo que o Otherworld não seja pintado de sangue, carne e ferrugem, a sua ideia e conceito continuam presentes em Silent Hill f. A simbologia pode ter sido alterada e a estética pode ter assumido um novo e inesperado estilo visual, mas o propósito mantém-se quase inalterado e isso é de louvar. Na verdade, Silent Hill f acaba por ser ainda mais arrepiante e aterrador exatamente porque rejeita a imagética clássica da série e leva-nos para um ambiente aparentemente mais normal e seguro. O Otherworld é completamente separado de Ebisugaoka, não existe uma transformação física entre espaços, e surge como um mundo de templos antigos onde encontramos rituais e práticas antigas que revelam mais sobre Hinako e a maldição que a persegue. A nível pessoal, admito que prefiro esta abordagem aos excessos de Silent Hill 2 Remake, cujos cenários enferrujados expandiram-se além do original ao ponto de perderem o seu propósito estético e narrativo.
A estrutura de Silent Hill f segue um formato familiar, mas nem sempre próximo à série. A campanha continua a ser dividida entre momentos de exploração, combate e resolução de puzzles, mas sentimos que Silent Hill f é muito mais comandado pela sua narrativa e nem tanto pela sensação de isolamento de Silent Hill 2 e Silent Hill 3. Até certo ponto, esta é uma campanha mais previsível devido à presença forte de cinemáticas entre personagens ou então pela forma como o outro mundo é espaçado ao longo da ação, funcionando não só como um corte na ação, mas também uma espécie de resumo e dissertação sobre os acontecimentos que acabaram de acontecer. A minha crítica prende-se à falta de maiores momentos de exploração, de zonas mais interligadas e centradas na resolução de puzzles, onde a linearidade não fosse tão percetível ao longo da campanha. Senti falta dos cenários mais detalhados em termos de level design, mais extensos e divididos por várias zonas, onde chaves, cartões ou ferramentas únicas têm de ser utilizadas para podermos avançar. Estes momentos ainda estão presentes em Silent Hill f, mas em ponto pequeno, o que faz com que Ebisugaoka seja um espaço mais contido, mas também mais claustrofóbico
No entanto, os momentos de exploração, mesmo que curtos, são tensos e bem construídos. As ruas de Ebisugaoka podem ser implacáveis devido à presença constante das criaturas que perseguem Hinako e as constantes mudanças estéticas, como caminhos que ficam inacessíveis e a crescente maldição que infeta as casas e ruas, também dificultam a navegação mesmo com a utilização de um mapa. A claustrofobia é sem dúvidas um dos elementos fortes de Ebisugaoka, mas não consigo afastar a minha ânsia em querer mais. Os cenários interiores, como as casas de alguns habitantes da aldeia, são absolutamente refrescantes devido ao seu tom aparentemente familiar. As salas abandonadas, mas vividas, os corredores ainda decorados com os sapatos das famílias que desapareceram, os objetos pessoais vão caído e depois os sinais de violência gráfica que se tornam progressivamente mais visíveis pintam uma realidade desconhecida em Silent Hill. O terror do quotidiano sempre foi aludido, mas aqui é percetível e é tátil. Estes cenários são janelas para uma realidade que se apagou demasiado cedo e queria que a NeoBards utilizasse mais artifício visual e narrativo para expandir Ebisugaoka enquanto cenário de um excelente jogo de terror.
Apesar das diferenças estéticas e da presença de ambientes mais naturais, fruto da localização geográfica de Ebisugaoka – encontramos regularmente campos de cultivo, caminhos naturais, riachos e florestas -, Silent Hill f mantém-se próximo às origens. A aldeia pode ser esteticamente diferente, mas a combinação entre os trechos de exploração e as suas zonas principais seguem uma estrutura que conhecemos quase organicamente enquanto fãs da série Silent Hill. A exploração da cidade, a passagem para cenários mais claustrofóbicos, a viagem em busca de uma saída, as pontes e túneis fechados que revelam um mundo sem escape e a presença de localizações como a escola de Ebisugaoka aproximam formalmente Silent Hill f dos restantes títulos da série. A estética pode ter mudado e a escala pode ter sido reduzida, mas a NeoBards preocupou-se em respeitar a forma, não só da série, mas de todo um género.
Podemos considerar que existe uma certa uniformidade na forma como a série Silent Hill expande os seus temas e constrói a sua identidade visual e sonora. Mesmo que existam ligeiras diferenças na abordagem à série, a intenção é quase sempre deliberada para definir o que é Silent Hill enquanto série – como o regresso sempre aguardado de Akira Yamaoka como compositor, agora acompanhado por Kensuke Inage. Esta uniformidade também é aparente nos elementos mais negativos ou menos conseguidos da série e é aí que encontramos o sistema de combate. Ao longo de 26 anos de existência, a constante é a incerteza em como abordar os confrontos em Silent Hill. Se a série se foca no horror e no trauma psicológico, na tensão religiosa e na incerteza da escuridão, qual será a melhor abordagem ao combate? É suposto ser divertido? Deveria ser mais humano e, portanto, menos conseguido na sua finalização? Estamos a falar de uma série cujos fãs estranham a introdução de uma mecânica de desvio ou que defendem que o combate mais rígido e pouco envolvente de Silent Hill 2 foi uma escolha narrativa, para representar o quão James era apenas um homem normal, e não uma imposição técnica.
O sistema de combate em Silent Hill f mantém a tradição e não acerta plenamente. Ao contrário de Silent Hill 2 Remake, defendo que os confrontos não são tão constantes e obrigatórios aqui, existindo mais oportunidades para evitarmos as criaturas e fugirmos devido ao design de Ebisugaoka e das suas zonas principais. Nesse sentido, Silent Hill f é muito mais terror de sobrevivência do que o remake da Bloober Team. No entanto, não consigo defender todas as escolhas da NeoBards. A nível pessoal, tenho poucas questões sobre o sistema de combate, mas a verdade é que se sente que é um sistema inacabado ou então prejudicado por alguns cortes.
Hinako é muito mais implacável e flexível do que James ou qualquer outro protagonista da série, capaz de desviar-se dos ataques das criaturas sem problemas e ainda munir-se de técnicas e ataques que associamos muito mais a géneros de ação e RPG. O desvio perfeito, o contra-ataque, os ataques focados e mais poderosos, a presença de uma barra de stamina revelam um jogo à procura de relevância através da imitação, mas nem sempre ciente do que é mais apropriado para si. O contra-ataque é uma mais valia, mas a janela de resposta nem sempre é convidativa, o desvio, por sua vez, é demasiado eficaz a manter-nos numa distância segura e a stamina prejudica muito mais o ritmo dos confrontos do que se assume como um sistema que temos de gerir com cuidado. As armas quebráveis não serão do agrado de todos, mas acredito que foi um dos elementos mais pensados em Silent Hill f devido à regularidade e diversidade de ataques e armas em jogo. No fundo, a NeoBards deu alguns passos à frente, arriscou, mas teve receio e voltou atrás sem encontrar um modelo que se tornasse sinónimo da série Silent Hill – fora a presença de um cano de ferro como arma principal, a Konami mantém-se em busca de um sistema de combate que abranja todos os jogos da série.
Outra novidade é a possibilidade de melhorarmos os atributos de Hinako ao longo da campanha. Este é um sistema muito mais interessante até pela sua proximidade aos temas religiosos e tradicionalistas da narrativa principal, ao centrar-se no ato de rezar e de sacrifício para evoluirmos a vida, stamina e até a quantidade de omamoris, ou amuletos, de Hinako. A fé é adaptada a pontos de experiência, uma escolha absolutamente perfeita para o jogo, e que casa tão bem a viagem de Hinako com a jogabilidade. Ao longo da campanha, nós podemos doar itens nos pontos de gravação, que são representados por santuários, aumentar os pontos de fé e depois combiná-los com Emas para melhorarmos os atributos de Hinako. O crescimento não se faz sem sacrifício e se queremos Hinako mais forte ou mais resistente, temos de sacrificar itens de cura que nos poderiam ajudar no futuro. É preciso escolher entre o que é mais importante agora ou que nos poderá salvar no futuro e eu adoro esta escolha em Silent Hill f. O que poderá não agradar a todos é o sistema de inventário implacável do jogo, muito limitado e que requer alguma gestão, mas também sacrifício. O espaço no inventário pode ser aumentado ao longo da campanha, mas mantém-se propositadamente restrito para que exista esta escolha constante entre o que é mais importante, muito semelhante a Silent Hill 4: The Room.
O sucesso de Silent Hill f revela um fenómeno interessante na série. Depois de vários anos nas mãos de produtores ocidentais, Silent Hill regressou a casa e a um estilo que o aproxima mais das histórias de terror asiático. Não é por acaso que muitos já associam a viagem de Hinako a alguns dos nomes mais sonantes do género J-Horror e as semelhanças são certamente propositadas. Nesta aproximação ao género, podemos assistir a um novo público a redescobrir Silent Hill. No Japão, os jogadores abraçaram mais facilmente a história de Hinako devido à proximidade cultural e geracional, cientes de que o jogo dá voz a tantas mulheres que se viram perdidas numa sociedade ainda muito patriarcal. Há uma nova compreensão emocional sobre o que é Silent Hill e esta nova relação geracional é importante para o futuro da série. Em muitos aspetos, Silent Hill f é um projeto mais forte, mais ambicioso e arrojado do que Silent Hill 2 Remake, muito porque arrisca e quer mais. É isto que Silent Hill precisa, esta visão singular, esta força intensa e diferenciada. Apesar de não esconder a minha curiosidade com o próximo remake da Bloober Team, a verdade é que Silent Hill f deu-me mais do que esperava e faz-me querer ainda mais estas novas abordagens. Sejam novos jogos em cidades diferentes, com temas ligeiramente únicos ou até personagens nunca antes vistas na série – quero ver e conhecer mais desta nova era de Silent Hill.
Enquanto a discussão sobre a validade de Silent Hill f continua, se faz ou não parte do cânone da série, apenas os mais atentos poderão olhar uma segunda vez para as ruas que nos pareciam estranhas. Agora que o nevoeiro se dissipa e tudo se torna mais claro, podemos admitir que nunca saímos de Silent Hill. Sempre estivemos em casa.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Konami.