A Ninja Theory entrega finalmente a aguardada e provocante sequela de Hellblade, com uma das experiências cinemáticas interativas mais impressionantes da geração, que nos faz questionar o que é que é real e que nos deixa a sonhar com o potencial gráfico de futuros jogos ainda nas consolas atuais.
Em todas as gerações podemos identificar os videojogos que as definiram. Seja pelo impacto cultural que move massas, por mecânicas e decisões de game design revolucionários, pela sua narrativa ou ao usar tecnologia de ponta para elevar a imersão e qualidade de imagem para novos patamares de cinematografia foto realista. E se há algo que Senua’s Saga: Hellblade 2 vem fazer é elevar as expectativas do que as consolas e computadores atuais são capazes de criar e levantar o véu sobre o que nos espera de futuros jogos criados com o Unreal Engine 5, até mesmo na cena indie.
A Ninja Theory apresenta oficialmente Senua’s Saga: Hellblade 2 como um Indie-AAA, uma definição que pode ser lida como um grande paradoxo, mas que faz sentido quando a quebramos. A sequela de Hellblade: Senua’s Sacrifice é altamente experimental, desenvolvida por uma equipa de 80 pessoas com filosofias de game design e uma escala muito comuns aos jogos independentes e, talvez o mais importante, uma visão e confiança muito bem definida, sem se deixar levar pelo ruído de tendências.
Mas graças à incrível expertise da equipa de produção – que já no passado tinha feito uma enorme flexão muscular ao revelar as suas capacidades de utilização do Unreal Engine -, e graças às oportunidades abertas ao juntarem-se à Xbox Game Studios em 2018, Senua’s Saga: Hellblade 2 apresenta-se como aquele que parece ser o jogo mais caro de sempre.
Do primeiro ao último minuto, Senua’s Saga: Hellblade 2 não é um simples jogo. É filme, é uma série, é uma peça de teatro interativa, que, correndo o risco de nos distrair mais vezes do que seria ideal, faz-nos questionar se o que estamos a ver e a controlar é um jogo ou é live-action.
Conceptualmente ambicioso, Senua’s Saga: Hellblade 2 usa e abusa de técnicas de direção de game design e de narrativa para nos iludir de que estamos perante um jogo de uma escala imensa, como, por exemplo, as transições entre capítulos onde a câmara se afasta e entra em modo de drone por entre nuvens até outra localização; os segmentos de navegação linear, rodeados por paredes invisíveis que nos deixam admirar as paisagens abertas e os horizontes sem fim com a sua iluminação foto realista e dramática; ou os segmentos mais alucinantes, onde a realidade se distorce à nossa volta de uma forma tão espetacular e assustadora que só uma fração de filmes de altas produções em Hollywood conseguem executar tão bem. Em cima disso tudo, temos ainda a decisão de direção do jogo, toda num único take, ou seja, sem cortes de câmara ou loadings adicionais. É inacreditável.
Também impressionante são os modelos das personagens, as suas expressões faciais e a direção de cenas que encontramos regularmente ao longo das 7-8 horas da nova viagem de Senua – novamente com uma excelente prestação de Melina Juergens, no papel titular. Depois de um papel que lhe valeu um The Game Award em 2017 e um BAFTA em 2018, Juergens agarrou-se com todas as forças a Senua para nos trazer mais uma prestação fantástica que vai para lá da sua atuação expressiva e recheada de emoções conflituosas em frente à câmara. A atriz alemã, graças a uma direção mais cuidada, já não está sozinha. Nesta sequela, a sua personagem também já aceita as vozes na sua cabeça, o que lhe permite uma prestação mais natural, com maior nuance e a oportunidade de interagir com outros seres humanos de forma mais íntima e empática, algo que também carrega uma maior e muito bem-vinda complexidade e dimensão a Senua.
Mais uma vez, os avanços tecnológicos do Unreal Engine e do sistema MetaHuman são exemplos perfeitos da importância dos “gráficos realistas” quando existe uma visão por detrás de uma produção, oferecendo os modelos de personagem mais realistas que algumas vez testemunhei numa consola ou num PC. A insana qualidade das personagens durante as cinemáticas, ou até das animações durante os momentos de combate, são tão incríveis que, fazendo justiça ao nome do motor de jogo, parecem irreais, mais próximas de uma demo tecnológica do que de um jogo. The Matrix Awakens pode ter impressionado com a recriação de alguns planos dos filmes, ou com as versões digitais de Keanu Reeves e de Carrie-Ann Moss, mas não passava disso mesmo, de uma demonstração. E ver esse nível de detalhe aplicado em Senua’s Saga: Hellblade 2, nas caras das personagens, nos seus adereços e vestuário, no design dos inimigos e no ambiente em redor composto por formações rochosas e vegetação recriada por fotogrametria, é, como diria a minha avó, “bruxedo”, com o jogo aproximar-se de forma extraordinária aos visuais do seu trailer de revelação nos The Game Awards de 2019.
Um bruxedo que também parece que ter sido aplicado ao desempenho na Xbox Series X. A meio da geração, Senua’s Saga: Hellblade 2 faz-se sentir como um daqueles jogos de lançamento, de início de geração, que nos dão um gostinho daquilo que está para vir, entregando um dos jogos visualmente mais impressionantes compatíveis com a consola premium da Microsoft. Um olhar mais atento vai perceber que o jogo conta com resolução dinâmica para manter a fluidez limitada aos 30FPS, mas nada disso afeta a excelente fidelidade visual e sólida da experiência proposta pelo Unreal Engine 5.
Já no PC, Senua’s Saga: Hellblade 2 ganha ainda mais vida com uma incrível conversão, que tira partido das tecnologias mais recentes na plataforma, como o DLSS 3 com Frame-Generation da NVIDIA, FSR 3 da AMD ou XESS 1.3 da Intel. Pelos requisitos, Senua’s Saga: Hellblade 2 promete ser jogável em máquinas mais modestas, mas foi com recurso a uma Gigabyte GeForce RTX 4090 GAMING OC 24G– que analisámos há algum tempo aqui – que me pude deliciar, sem qualquer compromisso com o portento visual do jogo, através de resoluções 4K, definições no máximo e taxas de frames entre os 70FPS e os 100FPS, graças ao Frame-Generation da NVIDIA.
Tudo ajudou para ter uma experiência imersiva, apresentada num aspect ratio de 21:9, envolvente e dramática, e ainda assim há mais ingredientes para degustar esta incrível experiência multimédia. Tal como no primeiro jogo, o som é extremamente importante para nos manter imersos na experiência e na mente de Senua. Para isso, Senua’s Saga: Hellblade 2 conta com uma produção áudio com base em áudio Binaural 3D, recorrendo a uma gravação estéreo, inspirada na posição dos ouvidos humanos e trabalhada para nos dar a sensação de estarmos onde as personagens do ecrã estão. Com o uso de fones, ouvir as Furies e a Shadow a testarem a nossa e a paciência de Senua é, de facto, de arrepiar e continua a ter um efeito extremamente bem conseguido, mas julgo que a medalha vai mesmo para todos os outros sons que compõe a experiência, como os sons ambientes, do vento a passar entre árvores, da chuva a cair em pedras, ou da violência dos mares, da música explosiva e infernal de Heilung durante combates e sequências de ação, ou dos efeitos sonoros de espadas a bater e de quando a realidade se distorce à nossa volta.
Jogar com auscultadores é o recomendado para um efeito imersivo no que toca ao colocar-nos na cabeça de Senua, mas se tiverem um sistema de som surround ao vosso dispor, não o ignorem, pois poderão ter uma das experiências áudio mais cinemáticas à vossa espera.
E é aqui que entra a minha primeira crítica ao jogo inteiro. Apesar de ser essa a intenção de Senua’s Saga: Hellblade 2, gostaria que as vozes não fossem um elemento tão constante, especialmente quando a relação de Senua com a sua mente está mais forte, e não fossem uma ajuda constante na resolução dos puzzles ambientais, caindo quase naquele cliché “do jogo que explica tudo”, num jogo que não tem qualquer elemento de HUD ou indicador de interação.
Enquanto sequela do jogo original de 2017, Senua’s Saga: Hellblade 2 é muito semelhante em estrutura e objetivos. Mantém-se uma aventura cinemática e narrativa, limitada na urgência do jogador, baseada na resolução de puzzles ambientais, na simples travessia de ambientes acompanhada por elementos narrativos e com combates em quantidade limitada.
Admito que gostaria que Senua’s Saga: Hellblade 2 tivesse mais substância, mais conteúdo, mais oportunidades de interação. Não que estas não faltem, pois há um ótimo equilíbrio entre todas e a jornada flui a bom ritmo, mas sinto que os momentos de movimento de ponto A para ponto B eclipsaram um pouco outros elementos interativos da experiência. Continuamos com puzzles de exploração dos níveis em busca de símbolos; há outros onde temos que abrir e fechar passagens em mundos espelhados, e até as “batalhas” de bosses, que são minis-puzzles de timing e de observação; há alguma diversão na quantidade limitada de objetivos propostos, com alguns a fazerem-nos coçar a cabeça por algum tempo; e não faltam também oportunidades de explorar todos os cantos dos caminhos maioritariamente lineares, em busca de colecionáveis com mais contexto narrativo e mitológico ao mundo de Hellblade.
A componente de combate também surge ao longo da história de forma limitada, mas extremamente intensa, com sequências onde Senua tem que eliminar uma dezena de inimigos, um a um, numa dança de desvios, parries e ataques bem telegrafados e com animações fluidas que dão um extraordinário efeito cinemático a estes momentos. Pela sua quantidade, estes momentos são também extremamente bem dirigidos, normalmente em arenas com iluminações dramáticas e jogos de sombras e de luzes espetaculares que só alimentam a intensidade e a crueza do combate visceral. São momentos longos que satisfazem pelo nível de espetáculo que propõem, mas gostaria que, durante a jornada, houvessem mais oportunidades e variedade de combate, com diferentes tipos de inimigos para lá de duas ou três variações de humanoides, e com batalhas de bosses mais grandiosas, como no primeiro jogo, que infelizmente estão ausentes nesta sequela.
A narrativa de Senua’s Saga: Hellblade 2 continua complexa, cheia de camadas e com foco na psicanálise de Senua através de lembranças traumáticas e no estudo da personagem, mas apresenta-se com algum positivismo, com temas de que é possível mudar, aceitar o que somos e o que sofremos, de que não estamos sozinhos. Algo que é representado através de um elenco maior de personagens, com as suas próprias personalidades e missões, pelas suas perspetivas dos eventos e pelos arcos narrativos que lhes são atribuídos. Mas o foco continua a ser Senua, a sua missão e a sua “promessa” de livrar o mundo da escuridão a qualquer custo, numa jornada que se faz sentir como uma primeira parte de algo ainda maior – um aspeto que não será novidade a quem tomou atenção à alteração do nome do jogo que coloca “Senua’s Saga” em primeiro plano.
Senua’s Saga: Hellblade 2 pode não ser a sequela expansiva “de mais e melhor” a que estamos habituados. É um jogo claro e confiante na sua escala, no que quer fazer e para onde se quer dirigir, construído através das bases estabelecidas no primeiro jogo, onde o aspeto de narrativa cinemática, o estudo de personagem e o uso de tecnologias de ponta estão à frente dos elementos interativos que associamos a uma experiência lúdica como um videojogo. Não é um jogo de combates ou de puzzles tradicionais, mas consegue ser único à sua maneira, que, apesar de ser curtinho, conta com interessantes incentivos para ser rejogado ou até para estender o tempo passado no jogo, como o seu fantástico modo de fotografia, que funciona até em cinemáticas, onde podemos mover a câmara, personagens e até ativar e personalizar focos de luz.
Apesar dos aspetos fáceis de criticar, Senua’s Saga: Hellblade 2 é um jogo fantástico, um jogo essencial para a biblioteca de todos os jogadores de Xbox e subscritores do Xbox Game Pass, onde está disponível para PC e Xbox Series X|S.
Cópia para análise cedida pela Xbox Portugal.
GeForce RTX 4090 GAMING OC 24G cedida pela Gigabyte.