Rune Factory: Guardians of Azuma redefine os limites dos jogos de simulação e RPG, com uma estética muito nipónica e acolhedora, que emerge como uma experiência imperdível para veteranos da série e novatos, oferecendo uma imersão profunda num mundo onde cada dia traz novas descobertas.
Rune Factory: Guardians of Azuma é o mais recente spin-off da série da Marvelous Inc. Tal como Frontier e Tides of Destiny antes dele, este jogo vem romper com a fórmula tradicional, introduzindo mudanças ousadas que injetam nova vida numa série que já parecia ter dito tudo. Azuma inspira-se na estética japonesa e coloca-nos no papel de um Earth Dancer encarregado de restaurar a esperança após o cataclísmico Celestial Collapse. Agora, ao invés de sermos um Earthmate, indivíduos com uma ligação especial à terra, dançamos para purificar a corrupção usando Sacred Treasures.
Uma das grandes novidades é o sistema de construção e gestão de aldeias. Já não estamos presosa uma só, como temos quatro aldeias para gerir e cada uma inspirada numa estação. Com apenas um premir de botão, avançamos para o modo de construção que nos permite redesenhar partes das aldeias, mover construções e decorar tudo ao detalhe. Há uma sensação real de propriedade aqui que vai muito além da agricultura tradicional.
As mecânicas de cultivo também foram revolucionadas: já não colapsamos de enxada na mão e as ações básicas deixaram de consumir Rune Points, permitindo uma exploração mais livre antes de a personagem se cansar. Pode nem parecer muito, mas é uma bênção a longo prazo. E, como somos apenas uma pessoa, já podemos contratar aldeões para nos ajudarem a gerir lojas, tratar do cultivo ou cortar lenha — tudo isto enquanto gerimos as suas habilidades e, claro, o custo de os sustentar. No fundo, tudo contribui para transformar as aldeias em comunidades vivas, onde todos se ajudam mutuamente.
No campo do romance, existem vários personagens para conquistarmos, com cada um a sentir-se único e bem desenvolvido. Os seus eventos pessoais estão entre o melhor que a série já entregou, oscilando entre momentos cómicos, romântico e bizarros. Agora, escolher a cara-metade, deixa de ser sobre estatísticas para ser sobre uma ligação genuína. Passar tempo com alguém é enganadoramente simples, mas profundamente satisfatório. Depois de conversarmos com os personagens, podemos optar por atividades que vão desde pequenas conversas a gestos mais íntimos, como partilhar uma sombrinha à chuva. Estas pequenas sequências silenciosas – como partilhar um lanche ou fazer uma sesta à sombra -, reforçam a importância da intimidade entre momentos de ação e pancadaria. Por outro lado, também me lembram dos novos Fire Emblem.
E se nos arrependermos ou deixarmos fugir o tal? Não há problema! O jogo introduz a mecânica Rewoven Fates, que nos deixa explorar relacionamentos alternativos em mundos paralelos sem perder o progresso original. Ou para quem quiser simplesmente romancear toda a gente, por que não?!
Se não estivermos a espalhar o amor, estamos a lutar. Aqui, o combate mantém a familiaridade da série, adicionando armas de longo alcance e os tais Sacred Treasures. Usar o mesmo Sacred Parasol para regar culturas e invocar relâmpagos contra inimigos é o tipo de absurdo encantador que define este Rune Factory. A progressão foi inteligentemente simplificada com a mecânica All-Purpose XP que podemos investir em qualquer árvore de habilidades. Mudar de espadas para arcos? Fácil e sem começar do zero porque tempo é dinheiro.
Voar com Woolby, o nosso companheiro dragão-ovelha adiciona outra dimensão vertical ao mundo. As ilhas do céu não são apenas para espetáculo, pois escondem tesouros, receitas e missões secundárias que conectam as diferentes aldeias.
Visualmente, Guardians of Azuma explode com cor. Cada aldeia sente-se convidativa e viva, fazendo-nos querer explorar cada cantinho. Os modelos 3D substituíram os retratos tradicionais e compensam com expressividade e personalidade. Existem momentos onde as texturas parecem desfocadas quando nos aproximamos, mas o estilo geral captura perfeitamente o ambiente acolhedor da série. A natureza mais aberta significa que muitos edifícios carecem dos interiores detalhados das prequelas. É funcional, mas perde algum charme. O áudio é outro destaque, com uma banda sonora que captura tanto a serenidade como a energia do contexto nipónico onde se insere a aventura.
Por outro lado, nem tudo são rosas. A história, fiel à tradição da série, demora o seu tempo a arrancar. Ao mesmo tempo, este ritmo pachorrento de simulação campestre não é para todos e pode sentir-se frustrante para quem procura uma progressão narrativa mais fluída. É um jogo que requer e recompensa a paciência.
Mais controverso é o DLC pago que bloqueia eventos de romance para algumas personagens já integradas na história principal, o que parece bizarro num jogo já generoso de conteúdo.
Pelo preço e mesmo com a minha crítica anterior, Guardians of Azuma oferece centenas de horas de conteúdo e é fácil perdermo-nos completamente na agricultura, no combate, na construção ou a namorar. Cada dia de jogo é um convite à descoberta e essa sensação persistente de “só mais um dia” é o pior/melhor para o vício. Para os veteranos da série, este pode ser o melhor Rune Factory até agora. Quebra algumas tradições de forma inteligente, adiciona funcionalidades que não sabíamos que queríamos e afina ainda outras mecânicas tradicionais. Se esta for a nossa primeira aventura, as qualidades de vida fazem com que seja difícil voltar aos jogos anteriores. Já para os novatos, é um ponto de entrada excelente que recria tudo o que torna Rune Factory especial: aquela mistura única de agricultura tranquila, combate satisfatório e relacionamentos genuínos — tudo embrulhado numa apresentação polida e convidativa.
Rune Factory: Guardians of Azuma é simultaneamente uma evolução natural e uma reinvenção corajosa. Pega no melhor da série e adiciona camadas de profundidade que transformam a experiência sem deixar a sua essência. Se este é o futuro de Rune Factory, que continue a crescer, como um campo bem cuidado e amado, para algo ainda mais bonito. É, sem dúvida, uma das entradas mais ambiciosas e gratificantes da série. Um jogo onde podemos facilmente perder centenas de horas e ainda assim sentir que há mais para descobrir. Para qualquer fã de simuladores, RPG ou apenas jogos que celebram o prazer das pequenas coisas quotidianas, Guardians of Azuma é uma recomendação fácil e entusiástica.
Cópia para análise (PC) cedida pela Decibel-PR.