Revelations solidifica o estatuto de Yeon Sang-ho como um dos cineastas mais ousados e intrigantes do cinema sul-coreano contemporâneo.
Quando se fala em cinema sul-coreano, Bong Joon-ho (Parasite, Snowpiercer) costuma ser o primeiro nome a surgir na conversa, mas, para mim, Yeon Sang-ho ocupa um lugar especial no coração. Train to Busan continua a ser o melhor filme apocalíptico de zombies que já tive o prazer de assistir, e a sua abordagem intensa e emocional ao género marcou-me profundamente. Embora a sua filmografia seja menos extensa e aclamada do que a de alguns dos seus compatriotas, Sang-ho destaca-se pela sua capacidade de equilibrar comentário social, ritmo acelerado, uma estética sombria e uma fusão de géneros feita com uma eficácia impressionante.
Por isso, as expectativas para a sua nova obra, Revelations, eram inevitavelmente elevadas. Um thriller psicológico centrado num pastor que acredita que punir criminosos é uma missão divina e numa detetive atormentada por visões do seu irmão falecido, ambos envolvidos numa investigação de uma pessoa desaparecida que os obriga a confrontar os seus próprios demónios internos.
O argumento, tematicamente denso e rico, é o grande destaque desta nova obra de Sang-ho. O Pastor Sung Min-chan (Ryu Jun-yeol) usa as suas supostas visões divinas para justificar atos violentos, convencido de que está a cumprir um propósito superior. A sua fé extremista corrompe-o moralmente, transformando a sua busca por justiça numa cruzada sangrenta. Do outro lado, a detetive Lee Yeon-hee (Shin Hyun-been) é consumida pela culpa, incapaz de se libertar do peso psicológico do passado, o que afeta diretamente o seu julgamento e a investigação em curso.
Revelations explora de forma fascinante estas assombrações internas, mostrando que nada é intrinsecamente bom ou mau – tudo depende da interpretação humana. Min-chan vê a sua violência como um ato divino, enquanto Yeon-hee luta contra alucinações que a afastam da realidade. À medida que a história avança, ambos são confrontados com dilemas morais que se tornam ainda mais complexos devido às suas próprias fragilidades. O filme questiona se as suas ações são fruto do livre-arbítrio ou se estão apenas a seguir um caminho já traçado por forças invisíveis.
O auge da narrativa culmina num diálogo provocador sobre como as pessoas criam os seus próprios monstros internos ou atribuem eventos a entidades divinas para justificarem as suas ações. O filme sugere que a mente humana, incapaz de aceitar a sua própria maldade, recorre a explicações transcendentes para dar sentido ao caos. Este é um dos momentos mais marcantes do filme, consolidando Revelations como uma reflexão intensa sobre a fragilidade da moralidade e da psique humana.
A autenticidade de Yeon Sang-ho é evidente na sua estrutura narrativa. Ao contrário de muitos thrillers do género, Revelations não depende de reviravoltas baratas no terceiro ato para chocar o público. Pelo contrário, todas as peças são colocadas no tabuleiro logo na primeira meia hora, permitindo que a audiência acompanhe os dilemas das personagens de forma genuína e envolvente. Esta abordagem dá espaço para que a tensão se construa organicamente, sem recorrer a artifícios fáceis.
Tecnicamente, o filme brilha em vários aspetos. A banda sonora intensifica os momentos de maior suspense, especialmente na melhor cena do filme – um plano-sequência prolongado no topo de um prédio, onde diferentes narrativas que pareciam isoladas convergem de forma magistral. Entre as muitas produções da Netflix que ultrapassam as duas horas de duração, poucas conseguiram manter um ritmo tão envolvente e hipnotizante como Revelations.
Por fim, as atuações de Ryu Jun-yeol (Alienoid) e Shin Hyun-been (Hospital Playlist) elevam o filme a outro nível. Jun-yeol capta com precisão o fervor destrutivo de Min-chan, enquanto Hyun-been entrega uma performance devastadora, especialmente nas cenas que exploram o seu luto. Sang-ho confia nos seus atores, mantendo a câmara neles pelo maior tempo possível, permitindo-lhes criar uma ligação palpável com o público. O resultado é uma conclusão poderosa e emocionalmente impactante.
VEREDITO
Revelations solidifica o estatuto de Yeon Sang-ho como um dos cineastas mais ousados e intrigantes do cinema sul-coreano contemporâneo. Com uma exploração profunda sobre o peso que fanatismo religioso, sentimento de culpa e trauma podem exercer sobre a moralidade humana, o argumento tematicamente complexo desafia a perceção tradicional do bem e do mal, mostrando como a interpretação pessoal pode distorcer tanto a realidade como o sentido de justiça. Contando com duas prestações centrais soberbas, eis que uma das obras mais marcantes do ano deixa uma reflexão inquietante: serão as nossas escolhas realmente nossas ou meras respostas inevitáveis a forças invisíveis que nos moldam?