Mão Morta + Pedro Sousa = Tricot na Culturgest – Fazer da sala o nosso estúdio

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Não correu nada mal. E estamos todos calmos e leves, mas melhores no fim.

O site oficial dos Mão Morta é minimalista, mas é dos poucos verdadeiramente interessantes no que diz respeito a artistas nacionais, e tem uma forma engraçada para os aficionados de anunciar os próximos concertos: “São Horas de…”, o que nos ajuda a dar conta que Tricot, o concerto-colaboração com o saxofonista Pedro Sousa que gerou um curta-duração com o mesmo nome com três faixas, iria acontecer dia 19 de janeiro no Auditório Emílio Rui Vilar, sala principal da Culturgest. Nos dois dias seguintes, os heróis voltam a casa para dois concertos em Braga no GNRation, esse edifício-legado de Braga – Capital Europeia da Juventude 2012.

A base para a colaboração? Henrique Amaro e André Tentúgal, que definiram e programaram o projeto Esfera, que pretende criar um ambiente de total liberdade criativa para a gravação de “novos fonogramas”, bem como promover a proximidade entre músicos que regra geral nunca tenham trabalhado juntos. Desafiados os Mão Morta, a escolha por Pedro Sousa foi baseado não tanto em estilo, mas sim por afinidades, em particular por possibilidades sonoras vindas da música experimental, com trabalho em amplificadores e distorção em particular, natural para quem gosta de tocar alto, em ensaio e em concerto. Sobre isso, interessante a nota dada por Adolfo Luxúria Canibal em entrevista à Antena 3, em que refere que o punk é o mais próximo no rock do free jazz, com a diferença da troca do saxofone pela voz humana. Com certeza uma das razões para a longevidade deste projeto, que já fez tanta e tão diferente coisa, como por exemplo o musical Chão para o grupo teatral Comédias do Minho e estreado em Paredes de Coura.

Foi essa construção orgânica que gerou Tricot e, numa sala de 612 lugares esgotada, o intimismo que essas sessões orgânicas tiveram traduziram-se bem do estúdio para o concerto, em que um ursinho de peluche (esperamos que não tenha provocado pesadelos em ninguém) ocupou lugar central no palco nesse mergulho para fazer tricot. Dessa forma, a voz de Adolfo Luxúria Canibal, a bateria de Miguel Pedro, as teclas e guitarra de António Rafael, as guitarras de Vasco Vaz e Ruca Lacerda, o baixo Rui Leal e claro, o saxofone de Pedro Sousa entraram em cena para apresentar “Dias de Abandono”, “Com as Próprias Tripas”, e “A Dança das Raparigas”, os originais gravados neste âmbito, e muita experimentação.

Aqui falar de alinhamento será redundante: há, sim, volume bem alto como de costume e muita energia nas interações sonoras, e bem lá na frente onde nós nos sentámos não era muito diferente a sensação de estar numa sessão de improviso em estúdio. Mas é óbvio que Adolfo é também um ator notável de performance musical já desde os anos 80, em que mitos urbanos ecoam desde atos físicos no seminal Rock Rendez Vous. Nada comparável, e o rei da voz cavernosa voltou a bailar de um lado para o outro, a certa altura a pegar e bailar com o ursinho de peluche em questão. A certa altura a lembrar os Faust, que há uns anos nos brindaram com concerto no Teatro Maria Matos, ou os também alemães Einstürzende Neubauten, que recentemente atuaram na Aula Magna.

Mas também Pedro Sousa, o saxofonista fascinado por Screw e Charlie Parker, mostra que não se assusta com palcos desta dimensão, e está confortável nesta atmosfera de audio vérité. O público respeita, absorve a hora, e pouca depois aplaude a pedir o encore – que claro que acontece, numa comunhão com este objeto curioso que passa a ocupar um lugar de curiosidade de destaque na carreira de todos os envolvidos. Não correu nada mal. E estamos todos calmos e leves, mas melhores no fim.

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