Einstürzende Neubauten na Aula Magna – Radiação até ao Espaço

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Um concerto dos Einstürzende Neubauten continua uma experiência muito recomendável, capaz de surpreender a quem estiver disposto a entrar naquele mundo.

Após uma longa ausência e dois adiamentos forçados (de 2020 para 2021 e de 2021 e 2022), os Einstürzende Neubauten, definição de dicionário de banca de culto, estão de volta a Portugal, com a sua tournée The Year of the Tiger, que passa por Porto, Lisboa, e, destaque-se, hoje no Teatro Municipal da Guarda (que bem que sabe quando se percebe que se dá uso às boas salas que hoje existem espalhadas pelo país, depois de todas as fitas cortadas e de todo o investimento nos equipamentos, o importante é ocupar cadeiras).

E se no NOS Primavera Sound de 2015 foi em formato festival, em nome próprio a ausência já passava de uma década. Quanto a nozes, a saudade vai longa também, do magnífico concerto no anfiteatro do palco Ray-Ban do Primavera de Barcelona em 2011 (diz que vai passar agora a Cupra, um nome vá, menos carismático). Tempos em que a existência do irmão mais novo da Invicta estava apenas no plano da vontade.

Foi, assim, com expectativas em alta, que se chega à Aula Magna. Desde logo salta à vista a diferença nos público face à última visita para ver os The Divine Comedy. Não tanto em geração – a nota dominante continua a ser a força tranquila de uma maturidade ainda cheia de bicho-carpinteiro para sair de casa -, mas no estilo. O estilo para este público é bem importante: mais escuro, t-shirts pretas com nomes de bandas que nunca deram concertos em estádios e muitas noites no Frágil e jantares no antigo Pap’Açorda, um certo tipo de piadas e de tom no trato.

Dá para reparar nestas coisas porque a coisa está atrasada mais de 20 minutos quando Blixa Bargeld entra com os seus companheiros para um palco repleto de instrumentos. Instrumentos alguns deles bem diferentes, como um carrinho de compras adaptado. Simbólico para uma banda que trilhou um caminho pelo experimentalismo, pela música industrial na verdadeira acepção da palavra, desde as origens em Berlim Ocidental à sombra do Muro, até aos últimos anos em que procuram uma síntese talvez mais acessível, mas sempre com a sua própria impressão digital. No bornal, o último Alles in Allem, de 2020.

A abrir, “Wedding”, do bairro a norte da capital alemã e não da bonita cerimónia, fresquinha e a dar o tom ao concerto. Hipnótica, intensa, a induzir um quase estado de mantra. Vai ser sempre assim.

Blixa, de fato preto e descalço, diz um boa noite potente. Uma das imagens de marca, os instrumentos feitos à medida, muitas vezes construídos com elementos encontrados em locais de obras ou no lixo, no caso bidons e uma espécie de roda de amolador. Nagony Karabach faz uso disso.

Embora a maioria das músicas sejam em língua germânica, e não naquele denglish à Falco que engana o ouvido a achar que dá para perceber, algumas, pelo menos numa secção importante, têm letra em inglês, como é o caso da fabulosa “Die Befindlichkeit des Landes”, do álbum Silence is Sexy, de 2000, onde a certa altura se diz que “The new temples are already cracked future ruins one day grass will also grow over the city over its final layer”. Melancolia saída de um certo decadentismo no meio de um ambiente sonoro de ferro e aço.

Os Einstürzende Neubauten são culto e são também dos maiores exemplos de ganho líquido em concerto face ao estúdio. Ao vivo, o ambiente sonoro criado em camadas numa sala que as recebe e trata bem, cheio de pormenores, é de facto uma delícia para os fãs. Mais à frente, em “Grazer Damm”, toca-se o carrinho de supermercado e o vocalista, a certa altura, larga o que parecem ser grandes pregos para criar um efeito de chuva. Antes, a roda de amolador é tocada por uma espécie de espátula de pedreiro, e depois transformada num xilofone.

É genuinamente bonito, melódico e nunca gratuito. E é preciso estar lá para perceber a criação desta linguagem. Num tom completamente oposto, a certo momento até a fazer lembrar o concerto do génio brasileiro Hermeto Pascoal na Culturgest em 2005 com os seus sons da “música universal”.

Expressão significativa deste espírito é a explicação do jogo com 600 cardas que desenvolveram para ajudar ao seu processo criativo, em que cada membro (já agora, além de Blixa Bargeld, os membros permanentes são N. U. Unruh, Alexander Hacke, Jochen Arbeit e Rudolph Moser) tira uma ou duas cartas e tenta criar um trecho a partir da deixa constante nas mesmas. O resultado disto é “Zivilisatorisches Missgeschick”, quatro minutos que estão repartidos em 11 partes diferentes, cada uma delas com nome próprio, como, na tradução para inglês, Europe hits Europe, referência ao meteoro com o nome do velho continente, ou Radiation into Space.

Fala-se da Europa de hoje com o ar de quem está no meio dela, com o poder e risco que isso implica. No primeiro encore, não existe receio em apostar no material novo, não obstante a carreira de 40 anos, e tocam-se Taschen” e “Tempelhof”, referência ao eterno antigo aeroporto, entretanto finalmente substituído, símbolo da Berlim pobre mas sexy no meio do pujante poder germânico. No segundo regresso, há a clássica “Redukt”, como aconteceu na atuação de 2011.

Um concerto dos Einstürzende Neubauten continua uma experiência muito recomendável, capaz de surpreender a quem estiver disposto a entrar naquele mundo, e que teve na Aula Magna um berço magnífico para a ver acontecer.

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