Circuit des Yeux na Culturgest – Luzes e Sombras

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E não é que foi incrível?

Circuit des Yeux é, na verdade, Haley Fohr, norte-americana nascida em Lafayette, Indiana, nos Estados Unidos. E tem uma voz absolutamente fabulosa, capaz de atingir quatro oitavas, do grave mais cavernoso (a fazer lembrar por vezes Nico, um Scott Walker a caminho da sua carreira mais experimental, ou Diamanda Galás), num estilo emocional a caminho das emoções mais primordiais, por vezes gutural, sem abandonar o gosto pela harmonia e por grandes arranjos de orquestra, construídos por ela própria desde o seu estúdio.

É, assim, uma combinação no mínimo distante do habitual. Por sorte, para nossa sorte, uma combinação que tem tido uma relação próxima com Portugal, em modo mini tournée durante o mês de outubro, com passagem por salas de renome na cena alternativa do país – com início no Grande Auditório da Culturgest (agora batizado Auditório Emílio Rui Vilar), para depois rumar até ao gnration, em Braga, e ao Auditório de Espinho, isto após ter estado em agosto em Leiria no festival Extramuralhas. Caso curioso, e felizmente não único, a fazer lembrar por exemplo Chrystabell, uma das musas de David Lynch, e que também já marcou várias vezes presença no nosso país por locais não imediatamente óbvios, como a Casa das Artes de Arcos de Valdevez.

Nesta noite na Culturgest, Circuit des Yeux, acabadinha de chegar de Madrid e com poucas horas de ambientação à capital portuguesa, vem acompanhada por Ashley Guerrero, baterista fera, e Claire Rousay, violinista que a acompanha em digressão, e leva a palco aqui uma configuração rara, delicatessen, com a participação especial da Orquestra de Câmara Portuguesa (OCP).

Com um novíssimo EP publicado, Live from Chicago (com quatro temas ao vivo do último álbum de estúdio, -io, de 2021, e nome-homenagem à cidade a que chama casa), o espetáculo com o mesmo nome do disco mais recente inicia-se com a chegada do septeto de corda da OCP junto de Claire Rousay, com figura de quem não destoa em orquestra clássica, para depois chegar Guerrero e, finalmente, Fohr, vestes negras e botas de salto que resultam numa figura esguia e misteriosa, com um chapéu que cobre a maioria do rosto. Meio mistério, meia lamentação, já que -io é muito disco sobre a tragédia e a perda pessoal de um amigo.

Num concerto com uma encenação maior que o esperado, Circuit des Yeux dedica-se a uma grande dose de teatralidade nos gestos, desde a direção da orquestra (“Sculpting the Exodus”), a passagens de um lado ao outro do palco, como em “Black Fly” (com momentos a, certa altura, quase a lembrar o arranjo icónico dos Smiths em “Please, Please, Please, Let Me Get What I Want”). Uma apresentação seca de contacto com público (as primeiras palavras terão aparecido pelos 45 minutos) mas cheia de movimentos, uns mais fluídos que outros, quiçá ainda resultantes de uma necessidade de quebra de expectativas iniciais de uma contenção para se focar na voz prodigiosa, e por outro lado afirmar que é “artista” – e é, está tudo lá. Talento, originalidade, energia.

Após a aposta forte num início mais orquestral, a meio dispensa-se a OCP (e também o soutien da artista, após pequena conversa num surpreendentemente doce para quem veio de ouvir tantos sons tão graves) para, num segundo momento mais de sala pequena, irmos da malha forte de “Dogma”, com a guitarra de Fohr a assumir o protagonismo depois de um momento ao piano, e com bateria incessante, ao momento pós punk da versão de “Double Dare” dos Bauhaus, com Circuit des Yeux a passear-se pela plateia a gritar “I Dare You” – até se pôs em pé em cima de uma cadeira da primeira fila.

Mesmo para habitués da casa, foi diferente, e funcionou estranhamente bem na meia luz onde as cadeiras vermelhas e as figuras do público estavam completamente visíveis.

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