Prince of Persia: The Lost Crown

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A Ubisoft ressuscita uma das suas mais importantes séries com aquele que é um dos títulos mais importantes e assertivos do seu catálogo. Não é apenas um bom metroidvania: é um excelente Prince of Persia.

Há uma certa poesia no desenvolvimento da série Prince of Persia. O primeiro título, lançado em 1989 e criado por Jordan Mechner, procurava reinventar a experiência sidescroller com maior foco na movimentação e na navegação de cenários repletos de armadilhas e perigos inesperados, onde o combate tradicional, que marcava a maioria dos títulos do mesmo género, era relegado para momentos específicos e sob o formato de duelos de espadas. Com a sequela a comprovar a eficácia desta reinvenção do género, o mesmo seria de esperar da sua estreia em 3D, longe das restrições dos primeiros títulos, agora influenciado por títulos como Tomb Raider, onde o titular Príncipe poderia explorar cenários mais interativos, cinematográficos e envolventes no que toca a novas oportunidades mecânicas. Com Prince of Persia 3D, lançado em 1999, a série procurou por uma nova identidade, mas a falta de foco e otimização colocaram um travão no sonhos de Mechner.

Quatro anos depois, surge o verdadeiro passo evolucionário na série. A trilogia Sands of Time estreia-se em 2003, agora a mando da Ubisoft, onde o passado e presente culminam numa reinvenção estratégica da famosa viagem pessoal do Príncipe. Sands of Time não procurou existir fora da bolha da saga, mas antes abraçá-la, mesmo com a adição de novas mecânicas, como o controlo do tempo. Não é por acaso que Sands of Time mantém os elementos fundamentais da série – puzzles, mobilidade e exploração –, pois é a concretização da identidade forte de uma saga sem uma direção definida. Com Mechner de regresso à série, sentimos a evolução da jogabilidade, agora em 3D, agora mais livre, variada e intuitiva. É possível correr e saltar pelas paredes, agarrar em postes, baloiçar, deslizar por tecidos longos e combinar todas estas ações ao longo de desafiantes trechos de armadilhas. A expansão mecânica estava cimentada, naquela que é a experiência mais reconhecida pelos fãs da saga, num equilíbrio quase perfeito entre a ação, os puzzles e as plataformas sem descorar a narrativa que se expande pelos três jogos.

As origens da série Assassin’s Creed são conhecidas. Aquele que seria um capítulo invulgar na série Prince of Persia transformou-se num dos maiores IP da Ubisoft. Se o parkour manteve-se no ADN de Assassin’s Creed – uma evolução inteligente do que tínhamos visto em The Sands of Time -, o foco na furtividade e no assassinato de alvos específicos revela como a Ubisoft procurava algo novo que se não coadunava com o que Prince of Persia propunha enquanto jogo de ação e aventura. A popularidade de Assassin’s Creed não ditou imediatamente a reforma antecipada do Príncipe. Até 2013, a série continuou o seu caminho com um reboot, spin-offs e remakes que não conseguiram atingir o pico de popularidade da trilogia Sands of Time.

Depois de anos de silêncio – com apenas dois endless runners lançados nas plataformas mobile –, os fãs questionavam-se sobre o futuro da série Prince of Persia. Seria este o final? Ou existiria ainda a possibilidade da série alcançar um novo patamar evolucionário semelhante a Sands of Time? As respostas tardaram a chegar, mas a Ubisoft finalmente alimentou as esperanças dos fãs com duas revelações. A primeira passava por viajar, ironicamente, até ao passado com um remake de Sands of Time e a segunda assumia-se como um regresso à jogabilidade sidescrolling dos primeiros jogos. Mas esta segunda resposta era muito mais profunda e matreira que a primeira, pois escondia aquela que seria a nova cara da série Prince of Persia.

A hipérbole talvez perca a sua força com o passar do tempo, motivada pelo entusiasmo de sentir o jogo ainda fresco na memória, mas fica aqui escrito: Prince of Persia: Lost Crown é um excelente metroidvania, mas é, acima de tudo, um excelente Prince of Persia. É um regresso à perspetiva sidescroller, mas também à exploração e mobilidade que tem vindo a marcar a série desde a sua conceção. É o melhor dos títulos originais, mas com a estrutura e jogabilidade da trilogia The Sands of Time – tudo adaptado ao exímio level design dos metroidvanias. The Lost Crown traz algumas novidades, mas é um exemplo máximo do que acontece quando uma equipa não só domina o género de ação e plataformas, como respeita absolutamente a série que está a adaptar.

Esta análise pode ser dividida em três partes, sendo a primeira dedicada à arte de The Lost Crown porque é impossível não louvar o seu detalhe visual e a forma como adapta a cultura e lendas persas a um choque de estilos. Apesar da utilização de técnicas e paletas de cor mais modernas, nomeadamente na planificação e na forma como a Ubisoft Montpellier enaltece as sequências de ação com azuis e verdes quase estridentes – conduzindo a atenção dos jogadores com planos aproximados –, sentimo-nos embrenhados num mundo com história; complexo nas suas narrativas e mitologia, onde a realidade e a fantasia colidem constantemente.

Os cenários apresentam-se repletos de pormenores estéticos e mecânicos, muito coesos com o mundo aqui criado, com cada zona a interligar-se logicamente e a manter uma enorme individualidade entre si. Os modelos das personagens são expressivos, muito bem animados e suficientemente característicos no seu design para se distinguirem ao longo de uma longa campanha que brinca novamente com o tempo e os seus efeitos físicos e psicológicos. Enquanto protagonista, Sargon é um dos destaques, claro, com um design elegante, tão familiar, como arrojado, onde a sua expressividade enaltece os azuis da sua roupa de tal forma que já tem garantido o seu lugar no panteão da série. Com a utilização de cores pastel, juntamente com as silhuetas fortes das personagens e efeitos florescentes dos ataques especiais, arrisco-me a dizer que a Ubisoft Montpellier estudou de perto filmes como Puss in Boots: The Last Wish (2022) e The Bad Guys (2022).

O trabalho histórico e a atenção ao detalhe não são novidades para a Ubisoft. Por mais que possamos criticar os seus títulos devido às suas escolhas menos interessantes no que toca a game design e gameplay loop, o retrato visual e histórico de eras passadas é sempre imaculado. Talvez não seja sempre perfeito, mas sentimos o estudo e respeito que a Ubisoft injeta em cada projeto. Não é, portanto, uma surpresa The Lost Crown, ainda que num ambiente mais fantasioso, atinja o mesmo pico de qualidade, mas restava saber em que campo iria cair a jogabilidade: se seria uma reinvenção da fórmula, algo novo ou apenas uma imitação de algo mais popular. As dúvidas dissiparam-se assim que controlamos Sargon durante o prólogo e essas mesmas dúvidas não foram mais que memórias progressivamente esquecidas à medida que a jogabilidade Se expandiu através das sequências de plataformas e combate.

The Lost Crown é dos metroidvanias mais limados que joguei nos últimos anos. Não é o mais inovador ou o mais arrojado na forma como aborda o género – Pseudoregalia pode ser menos otimizado, mas utiliza de forma mais eficaz o design dos seus níveis para criar novas situações de mobilidade que dão maior liberdade ao jogador –, mas enquanto jogo de ação e plataformas, num formato sidescroller, é difícil apontar-lhe o dedo. A fluidez dos movimentos, os tempos de resposta e até o cancelamento de ações dentro e fora dos combates dá-nos um dos Prince of Persia mais acessíveis e divertidos de jogar. É fácil combinar ações e ultrapassar grandes trechos de armadilhas e outros desafios através do leque de movimentos de Sargon, que nunca é extenso o suficiente para se tornar confuso – ou exigir demasiado da coordenação e memória dos jogadores – ou aborrecido por falta de opções.

A jogabilidade atinge rapidamente um ponto de equilíbrio, até antes de termos acesso a novas habilidades, com o jogo a adaptar as mecânicas que associamos ao género metroidvania – Sargon consegue saltar, fazer wall-jump, agarrar e deslizar desde o início – para definir a mobilidade e a progressão ao longo das várias zonas de Mount Qaf. The Lost Crown não seria um metroidvania sem definir a estrutura da sua campanha através do desbloqueio de novas habilidades e aqui temos os suspeitos do costume, como um Dash aéreo, duplo salto, a alteração de realidade e algo mais específico como a possibilidade de absorvermos objetos e projéteis para utilizarmos em combate ou durante puzzles. Nenhuma mecânica está a mais e a forma como cada uma é apresenta narrativa e mecanicamente ao longo da campanha dá origem a um ritmo delicioso onde estamos sempre a descobrir algo novo e a aprender uma nova abordagem aos desafios de The Lost Crown.

Defendo que um metroidvania só é bem-sucedido se conseguir ultrapassar dois desafios: a mobilidade e o level design. Os dois não podem ser separados ou mais ou menos importantes do que o outro, isto porque a mobilidade é imprescindível para a resolução de desafios e puzzles ambientais, mas também na adição de maior opções mecânicas durante os mesmos de deslocação – numa luta constante contra o inevitável backtracking. No entanto, a melhor jogabilidade não floresce se o design das zonas não acompanhar o game design e as mecânicas em jogo: não basta criar um mundo interligado para funcionar. A ligação é imprescindível, sem dúvida, mas que desafios colocamos no caminho do jogador? E como recompensamos a sua curiosidade através do risco e do desafio constantes? Estas são respostas que The Lost Crown responde com sucesso ao longo das suas várias zonas ao beber da fonte que alimentou a história: bons desafios, bom game feel.

Um dos maiores elogios que posso tecer ao level e game design de The Lost Crown encontra-se na forma como trabalha a nossa abordagem ao mundo interligado de Mount Qaf. Um mundo enorme, repleto de atalhos e caminhos alternativos, onde as zonas são distintas na sua arte, mas também na forma como introduzir desafios que dependem das habilidades por desbloquear – e não só, existindo também secções de plataformas que nascem da utilização de elementos únicos às zonas, como as plantas de Hyracanian Forest. A complexidade de desafios e abordagens diferentes é gentilmente diluída pela leitura dos cenários, com o jogo a guiar-nos sempre através do level design sem elementos exteriores. Esses elementos existem, já que o jogo dá-nos a possibilidade de jogarmos com pontos de guia no mapa, mas acreditem que não são necessários para navegarmos as zonas de Mount Qaf. The Lost Crown é dos poucos metroidvanias onde eu quis estar constantemente perdido e à procura do meu caminho porque foi sempre convidativo à exploração e à minha própria abordagem aos seus desafios ambientais.

Pela minha experiência, The Lost Crown transformou-se num longo puzzle ambiental, onde cada zona funcionava como uma peça que me ajudaria a compreender melhor o seu mundo. Com alguma atenção aos diálogos e com uma boa leitura dos cenários, tal como a exploração condicionada pelas habilidades – várias caminhos diferentes, mas só um deles é acessível devido às habilidades que temos –, a navegação ganha novas dimensões e torna-se mais desafiante. Onde um mau desvio seria frustrante noutros jogos, aqui é o oposto: não nos importamos por estar no caminho errado por sabemos que seremos recompensados com um item ou com trecho de jogabilidade divertido de ultrapassar.

É aqui que entra uma das novidades mais interessantes de The Lost Crown: Memory Shards. A nível conceptual, não é propriamente uma funcionalidade revolucionária, mas é o aperfeiçoar de um desafio de navegação que afeta quase todos os metroidvanias. Como em qualquer outro jogo do género, podemos colocar emblemas no mapa para indicar segredos, desafios, inimigos ou até missões secundárias por completar. Comos Memory Shards, nós podemos fazer isso e mais. É possível tirar uma foto do local e do objeto inalcançável com um simples botão. Carregamos no botão direcional para baixo e a foto é registada no mapa. Para revermos a foto, basta acedermos ao mapa e colocarmos o cursor por cima do Memory Shard. Desta forma, temos acesso a mais informação mais rapidamente sem precisarmos de ferramentas adicionais – como uma câmara fotográfica. E a melhor parte, para mim, é que temos apenas um número limitado de utilização. Podemos aumentar o número de Memory Shards ao longo da campanha, mas durante as primeiras horas, temos de ser seletivos com o que merece a nossa atenção. É uma forma tão simples e inventiva de ver o que nos falta ou o que temos de fazer para encontrar um segredo que nos escapou, mas ainda assim apresentar alguma limitação e, consequentemente, uma certa estratégia à sua utilização. Pelas reações que foram partilhadas pelas redes sociais, presumo que veremos iterações desta funcionalidade no futuro.

Mas quando The Lost Crown concilia mobilidade com a exploração e a fórmula metroidvania é quando reencontramos a alma da série Prince of Persia. Talvez esteja a ser demasiado abrangente, já que The Sands of Time e as suas sequelas parecem ter sido muito mais impactantes no design de The Lost Crown do que qualquer outro titulo da saga, mas há uma continuação do que foi feito anteriormente. Podemos olhar para as habilidades enquanto ferramentas únicas para a exploração e progressão dos mapas; podemos analisar a forma como The Lost Crown utiliza funcionalidades RPG para dar alguma liberdade de personalização aos jogadores, nomeadamente através de amuletos que podemos equipar e da possibilidade de melhorarmos as armas de Sargon; mas a Ubisoft Montpellier atinge o seu pico quando nos atira para os seus inúmeros desafios físicos. Corredores repletos de serras, torres movíveis lâminas, picos que saem das paredes, escadas que se movem de acordo com a nossa direção, plataformas que desaparecem ou poços sem fim são os protagonistas de alguns dos melhores momentos de The Lost Crown. A forma como as habilidades são utilizadas para navegarmos este labirintos de horror é absolutamente inesquecível, já que é tudo fluído e tão bem desenhado para ser desafiante, divertido e entusiasmante em todos os saltos e dashes que realizamos.

Se fiquei surpreendido pela arte de The Lost Crown, se fui conquistado pela sua abordagem metroidvania e fiquei rendido através da sua jogabilidade coesa no que toca à ação e plataformas – e até os seus elementos RPG, já que adoro a possibilidade de melhorar significativamente as armas e habilidades especiais em jogo –, admito que fui apanhado de surpresa pelo quão próximo está dos títulos anteriores da série. The Lost Crown é, para mim, o equivalente a reencontrar um amigo que não via há anos. A perspetiva mudou, o formato também é diferente e existe uma nova direção cinematográfica bastante interessante, mas nos momentos de ação e na forma como navegamos pelos cenários e armadilhas encontro a experiência Prince of Persia que tanto fazia falta. Para mim, esta é a grande vitória da Ubisoft Montpellier: dar aos jogadores um novo passo evolucionário que respeita o passado enquanto olha para o futuro e reinventa a série sem a estagnar. Mesmo com o combate um pouco repetitivo – aconselho-vos a seguirem o treino e desafios adicionais para terem acesso a todas as combinações inesperadas com bloqueios e contra-ataque –, The Lost Crown destaca-se positivamente em tudo o que procura fazer: até na sua narrativa, por mais previsível que seja em partes. É por isso que me custe que a otimização nem sempre seja a melhor, com vários crashes e bugs que prejudicaram a progressão de certas missões secundárias, incluindo uma que tive de repetir várias vezes até a conseguir completar.

Mas chegamos agora a uma encruzilhada, ao cenário que tantas vezes assombrou a série Prince of Persia. Depois do original, da reinvenção com The Sands of Time e até a reformulação da saga com o reboot de 2008, a Ubisoft depara-se com a mesma questão: o que vem a seguir? Para já, a encruzilhada mantém-se, qualquer caminho tão possível como qualquer outro, mas é preciso cimentar o que presente: The Lost Crown tem tudo para ser relembrado como todos os grandes da série. Resta saber qual o seu legado, mas, aqui e agora, é absolutamente imperdível para todos os fãs da série.

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Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Ubisoft.

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