ONI: Road to be the Mightiest Oni

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Um jogo com alma que se perde numa das jogabilidades mais aborrecidas do ano.

É difícil criticar negativamente um videojogo quando sentimos que existe uma visão criativa por detrás de algumas das suas escolhas estéticas e mecânicas. Apesar dos seus problemas, conseguimos identificar uma identidade visual, seja pela UI ou pela paleta de cores em tons pastel, onde a ambiência floresce através de uma seleção musical peculiar para o género em que se insere. ONI: Road to be the Mightiest Oni é um desses casos, um jogo tão aborrecido como enternecedor, tão incompleto como artisticamente competente, cuja campanha acaba por ser longa mesmo na sua curta duração.

Em ONI: Road to be the Mightiest Oni, seguimos a viagem de Kuuta, o único sobrevivente do exército do Rei Demónio, derrotado pelo herói Momotaro, agora em busca de poder na ilha de Kisejima. Kuuta não é um guerreiro lendário ou o escolhido numa longa linha de heróis, mas sim um pequeno demónio como tantos outros. Kuuta está determinado em encontrar o poder que lhe permitirá derrotar o seu eterno rival e tornar-se no melhor guerreiro do seu clã. Para tal, a sua viagem passará por vários testes e desafios, onde Kuuta terá de enfrentar outros demónios, aprender novas técnicas e até conhecer alguns companheiros que lhe demonstrarão que existe mais na vida além da glória do combate.

O problema é que a estrada para a glória é, no caso de ONI, um terrível aborrecimento. Apesar da sua curta dimensão, cujo progresso é limitado por paredes invisíveis que só desaparecem em determinados momentos da campanha, a ilha de Kisejima é um dos locais mais visualmente apelativos, mas mecanicamente vazios que encontrei este ano. Os cenários apresentam designs limitados, com poucos elementos decorativos, onde cada bioma é representado por ligeiras mudanças de cor e pouco mais. Não sentimos uma progressão estética ao longo da viagem de Kuuta, mas sim uma repetição dos mesmos elementos, como a presença de um portão Torii, as mesmas estátuas decorativas e formações rochosas que pouco contam sobre a história desta ilha perdida entre a vida e a morte.

A expansividade da ilha é sentida graças aos campos vazios e à velocidade limitada de Kuuta, que se desloca lentamente entre pontos de interesse. Se existe magia em Kisejima, esta perde-se quando temos de passar várias vezes pela mesma planície sem a esperança de encontrarmos algo novo e diferente no final da nossa caminhada. Esta repetição é também sentida através da estrutura rígida da campanha, que coloca Kuuta em desafios sem variedade. Quando chegamos a uma das três zonas principais, somos lançados em provas para o nosso demónio, representadas pelas sombras de outros espíritos presos em Kisejima. Estas missões, que se expandem pela ilha inteira, são cenários de combate onde Kuuta tem de enfrentar um número fixo de inimigos para prosseguir para a próxima missão. ONI: Road to be the Mightiest Oni nunca se desvia desta estrutura.

Se o sistema de combate fosse profundo e divertido, se calhar não tinha sentido este cansaço desolador enquanto jogava, mas a Kenei Design e a Shueisha Games não conseguiram injetar mecânicas suficientemente aliciantes para aguentar o peso destas missões. Kuuta tem acesso a várias armas, que gravitam entre tacões, mas os ataques e combinações pouco variam entre si e os combates tornam-se em sessões de ataque, desvio e contra-ataque sem imaginação. Os inimigos apresentam-se em vários formatos e feitios, mas a sua IA é pouco desafiante e basta utilizarmos o desvio para evitarmos a maioria dos seus ataques, graças a uma hitbox bastante simpática. As missões fundem-se entre si, pouco memoráveis ou desafiantes, ainda que ONI tente injetar alguma variedade nestes confrontos ao apresentar momentos em que a perspetiva é alterada. Desde missões sidescroller até outras em top down, a Kenei Design e a Shueisha Games tentaram criar alguma surpresa nestes momentos, mas são incapazes de disfarçar a falta de mecânicas e oportunidade de combate que valham mesmo a pena – até os poderes especiais, que desbloqueamos entre os confrontos com bosses, pouco surpreendem. A perspetiva muda, mas a missão continua a depender do sistema de combate e da eliminação de um número determinado de inimigos para ser concluída.

Existe, no entanto, uma mecânica que traz alguma personalidade a ONI: Road to be the Mightiest Oni, que é a presença de Kazemaru, o nosso espírito ajudante. Kazemaru é controlado pelo analógico direito e ajuda-nos a aceder às almas dos nossos inimigos. Em ONI, um demónio só é derrotado se quebrarmos o seu espírito e Kazemaru, que é limitado por uma barra de stamina – que cresce à medida que atacamos os nossos inimigos –, é um atalho para o ponto fraco dos nossos inimigos. Claro que não basta utilizarmos Kazemaru, existem exceções – alguns inimigos têm vários pontos fracos -, mas a sua presença dá outro ritmo aos combates e até a ilusão de estratégia quando podemos atacar com Kuuta e utilizar este ajudante espiritual para paralisarmos outros inimigos e culminarmos um combate com um longo e satisfatório combo. As habilidades de Kazemaru expandem-se também pela possibilidade de darmos um salto rápido, com Kuuta a teletransporta-se para o local onde o seu amigo está, mas também encontrar espíritos perdidos, que podemos utilizar para aumentar os corações de Kuuta, e curar o nosso demónio ao utilizar a stamina de Kazemaru.

Fora a domesticação de um javali bebé, que serve de transporte na segunda metade da campanha, ONI: Road to be the Mightiest Oni não traz grandes surpresas consigo. O combate é muito mediano e funcional, e a exploração limita-se aos cenários desprovidos de caraterísticas e landmarks que lhe tragam alguma personalidade. A história e as suas personagens podiam preencher este vazio, visto que a demanda de Kuuta é o centro da aventura e existem, de facto, momentos bastante emocionais que revelam que a Kenei Design e a Shueisha Games queriam contar uma história forte, contemplativa, sobre crescimento pessoal, perda e melancolia, onde os tons pastel combinariam com as melodias cantadas e o silêncio da ilha. Esses momentos são representados, infelizmente, por figuras estáticas e algumas pinturas que servem de flashback para momentos passados das personagens, mas há uma enorme artificialidade na forma como as produtoras decidiram contar esta história. Se fosse apenas teatralidade, esta aposta seria desculpável, mas sinto que é mais o resultado de um orçamento limitado ou falta de imaginação. As histórias estão lá, como a demanda de Kanna, que perdeu os seus pais durante um ataque dos demónios e que aprende a apreciar a companhia de Kuuta ao longo da campanha.

Também há a tentativa de aprofundar a história de Kisejima através de colecionáveis, ou story glyphs, que informam os jogadores de personagens que nunca conhecemos e de momentos narrativos passados, cujo contexto nem sempre é o mais claro. Estes colecionáveis são quase como mensagens perdidas no tempo, talvez colocadas dentro de garrafas vazias e atiradas ao mar, cujo destino foi sempre incerto, mas esta é uma interpretação apenas pessoal e não representativa de Oni: Road to be the Mightiest Oni. Isto porque os colecionáveis estão apenas espalhados pela ilha, sem grande discernimento ou harmonia, plantados em locais aleatórios que nem servem o propósito de guiar o jogador ao longo da ilha. São colecionáveis que servem apenas para dar algum contexto e que foram pouco pensados, uma escolha que me desapontou bastante e que destoou imenso com a ambiência daquele que eu pensava ser um jogo bastante emocional e caloroso.

ONI: Road to be the Mightiest Oni é um monstro estranho. Não é mecanicamente incompetente, mas é aborrecido e limitado, ao ponto de utilizar uma estrutura que sufoca a arte e a narrativa que a Kenei Design e a Shueisha Games quiseram implementar. Existem momentos em que parecemos estar perante uma sequela espiritual de Okami, muito pela arte e a fonética das personagens, mas sem metade da alma do clássico da Capcom. É uma pena sentir que existe uma visão criativa a guiar este projeto que ficou diluída entre colecionáveis e combates aborrecidos, e um mundo esteticamente coerente que vem munido de problemas técnicos que prejudicam imenso a experiência. Uma tentativa com alguns pontos positivos, mas impossível de recomendar.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Shueisha Games.

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