Voltamos ao mundo da Ratalaika Games com duas entradas interessantes no seu expansivo catálogo de videojogos.
Apesar de partilharem o mesmo género, Garlic e Sephonie não podiam ser duas aproximações mais antagónicas à fórmula e experiência dos títulos de plataformas. O primeiro, desenvolvido pela Sylph, molda-se pela sua dificuldade, inspirado por jogos como I Wanna Be the Guy e Celeste, onde a nossa destreza e domínio dos controlos ditam a forma como progredimos ao longo de 12 níveis repletos de armadilhas, plataformas e inimigos que temos de evitar. Já o segundo, saído da mente da Analgesic Productions (Melos Han-Tani), inclina-se mais para a exploração ponderada, onde os momentos de plataformas, são intercalados por puzzles e uma ambiência muito mais descontraída. Duas perspetivas díspares que revelam a profundidade de um género que se foca num objetivo supostamente tão simples como: alcançar a próxima plataforma.
É isto que aprecio no catálogo da Ratalaika Games, apesar da relação de amor-ódio que nos une. Entre os lançamentos aborrecidos e de qualidade duvidosa que traz para as consolas, a Ratalaika Games acaba por auxiliar produtores independentes a encontrarem um novo mercado ao disponibilizar a portabilidade que seria impossível sem a sua ajuda. Olhemos para Garlic, um jogo que poderia ficar perdido no PC – e onde permaneceu perdido, verdade seja dita, já que foi lançado em 2021 – e que funciona tão bem na sua estreia nas consolas. Sephonie também beneficia deste trabalho de portabilidade, igualmente clássico no leque de mecânicas que apresenta, com a Analfesic Productions a procurar a atenção que Anodyne e a sua sequela conseguiram em plataformas como a Nintendo Switch e a PlayStation 4.
Talvez esteja a forçar a ligação entre estes dois títulos, mas acho fascinante o facto de ambos terem chegado às consolas com a diferença de poucas semanas. O primeiro foi Garlic, um jogo que tinha tudo para ser um enorme desastre, com uma dificuldade demasiado injusta e pouco equilibrada, que parecia viver da infâmia – à semelhança de títulos populares como Cat Mario e Battle Kid –, mas com poucos ou nenhuns bons motivos para voltarmos depois de uma primeira tentativa. Mas Garlic é outro monstro. O que encontramos aqui é um jogo de plataformas sádico, mas absolutamente limado até ao tutano. Garlic traz-nos 12 mundos onde acompanhamos o nosso cabeça de cebola à medida que escala uma torre em busca de amor. Cada mundo adiciona desafios e armadilhas especificas, como obstáculos de fogo, serras e ácido – que influenciam também a linguagem visual e estética de cada zona –, e sentimos que o jogo continua a progredir e a arranjar novas formas de nos fazer arrancar os cabelos.
E Garlic é difícil devido ao seu level design e à destreza que exige do jogador. A nível mecânico, Garlic não podia ser mais simples e essa é a fórmula de sucesso. O nosso Homem Cebola traz o leque do costume, com o salto e a possibilidade de deslizarmos pelas paredes – tal como o wall jump, como seria de esperar -, e foca-se maioritariamente na utilização de um dash. Esta é a nossa habilidade especial, o epicentro da jogabilidade e a nossa arma para quase todos os desafios de Garlic. Isto porque o dash é multi-direcional, o que significa que podemos atirar a personagem em qualquer direção e o dash auxiliar-nos-á; não é apenas horizontal ou vertical. Podemos utilizar o dash para agarrarmos uma parede, mas também para alcançar uma plataforma que falhámos ou então para eliminar um inimigo que se colocou no nosso caminho. Com esta liberdade de movimentos, temos acesso a várias abordagens ao mesmo desafio, com Garlic a apostar muito no speedrunning e na descoberta de atalhos para os mais audazes.
O que considero igualmente interessante é a forma como o dash está interligado ao sistema de vida de Garlic. Neste género de jogos, um toque basta para nos matar, mas Garlic é diferente. Aqui temos sempre a oportunidade de recuperar a nossa energia e não voltarmos automaticamente ao checkpoint anterior. Isto acontece porque o dash é a nossa vida. Quando sofremos dano, perdemos a habilidade de fazer dash, o que nos coloca numa posição muito fragilizada. Se formos novamente atacados antes da barra de dash estabilizar, perdemos. Uma decisão aparentemente tão simples, mas que injeta maior acessibilidade e tempo de resposta a um jogo que é muito desafiante. É verdade que nem sempre funciona, já que Garlic aposta muito em níveis com precipícios onde podemos cair assim que somos atingimos, mas aprecio a forma como o jogo permite-nos recuperar se formos inteligentes e rápidos na navegação entre plataformas e inimigos.
Estava preparado para considerar Sephonie como o melhor jogo dos dois, já que antevia que Garlic não se destacasse muito pela sua arte e personalidade, mas foi exatamente o oposto. Garlic é um pouco brejeiro no seu humor, com piadas fáceis e escatológicas a permearem a campanha, mas a nossa personagem é tão caricata e expressiva que se torna divertida. A arte é influenciada pela cultura anime, é difícil não olhar para ela de outra forma, com as expressões exageradas a parecerem sair de séries como Yakitate!! Japan ou Golden Boy, e é divertido ver a forma como a personagem interage com o mundo à sua volta. Isto é bastante visível através dos mini-jogos que encontramos, como um jogo de arcada – onde a personagem fica visivelmente mais chateada quando perdemos uma vida – e outro onde temos de evitar obstáculos enquanto caminhamos em todo o nosso esplendor – com o Homem Cebola a tentar demonstrar à sua amada que é o super herói da história para a conquistar e desbloquear o final perfeito.
Sephonie foi o oposto e deparei-me com um mundo que simplesmente não consegui apreciar como queria. A arte é um dos destaques, com a sua aura surrealista e a utilização de tons pastel que relembram a viagem emocional de Anodyne 2: Return to Dust, enaltecida pela banda sonora etérea que representa emocionalmente a ilha de Sephonie, onde estamos encalhados. É uma viagem sensorial com ideias interessantes, onde conhecemos a ilha pelos seus biomas que exploramos através de duas perspetivas: a descoberta de novos seres através de puzzles de e a descoberta através do sistema de plataformas e movimentação. Uma combinação peculiar que parece ser composta por duas peças que não encaixam devidamente, mas arrisco-me a dizer que é isso que torna Sephonie num jogo interessante – tomara a jogabilidade acompanhar a sua irreverência.
Encalhados na ilha de Sephonie, os nossos três protagonistas têm a missão de descobrir uma forma de regressarem a casa, mas também desvendar os segredos escondidos no bioma peculiar. Para tal, temos de encontrar novos seres e catalogá-los, expandindo assim o nosso conhecimento sobre o mundo à nossa volta. O processo de reconhecimento, através da sua primeira perspetiva, assume o formato de um simples jogo de puzzles, onde temos de encaixar peças coloridas num espaço limitado para conseguirmos a melhor pontuação. Se juntarmos várias peças da mesma cor no mesmo espaço, a pontuação duplica e temos de saber planear muito bem a posição de cada peça se quisermos tirar total partido de cada um dos turnos. Os turnos terminam quando não temos mais jogadas possíveis e quando conseguimos ultrapassar a meta pontual imposta pelo jogo. Se não conseguirmos, perdemos e temos de voltar a tentar novamente. É um sistema muito simples, mas intuitivo e familiar, num Tetris onde temos de encaixar peças em locais pré-definidos e não esperar que as peças caiam em campo. A dificuldade passa não só pelo posicionamento das peças, mas também pela adição de obstáculos em campo, como gosma que se expande pelos quadrado quando são eliminadas.
A outra face de Sephonie assume a forma de um jogo de plataformas mais clássico, com os três protagonistas – que, infelizmente, não apresentam quaisquer habilidades únicas – a conseguirem saltar, correr e utilizar as paredes para efetuar um salto mais longo e correr sobre elas (wall jump e wall run). Com estas habilidades, Sephonie pede-nos para explorar a ilha à medida que encontramos atalhos, novas plataformas e colecionáveis escondidos – e eu não consegui entrar na sua onda. Eu quero imenso gostar de Sephonie e compreender o que o torna tão fascinante, mas não consigo. As mecânicas não mo permitem. A Analfesic Productions fez escolhas que são bizarras para mim e que me condicionam psicologicamente ao ritmo de um jogo que não me é satisfatório.
O botão de correr coloca a personagem em marcha automática, sem grande controlo e com movimentos rígidos para outra direção que não seja “em frente”. Isto é um enorme problema porque força a câmara a virar para a frente. Esta alteração de câmara é automática e tão rápida que me deixa enjoado e desorientado de tão pouco natural que é. O controlo da câmara também não é natural, já que a personagem gira a câmara sempre que se move, o que dificulta a leitura dos cenários e da plataforma para onde queremos saltar – basta um movimento e deixamos de ter controlo sobre a perspetiva. Estes problemas criaram um misto de confusão, falta de controlo e ainda enjoos provocados pelo movimento. Não consegui avançar muito na campanha porque Sephonie parecia querer tirar-me o controlo quando me sentia mais confortável com a câmara.
A Ratalaika Games continua a ser uma distribuição interessante e é por isso que continuo a cair na sua armadilha. Se encontro dois jogos maus, acabo sempre por descobrir algo que valha a pena. Desta vez, Garlic é o destaque, mas admiro a sua colaboração em projetos como Sephonie, ainda que a minha experiência com o título da Analfesic Productions tenha sido tudo menos positiva (mas ainda estou muito curioso com o RPG de ação que estão a desenvolver). Assim vai o carrossel – vamos ver onde para da próxima vez.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela PR Hound.