Festival Nova Batida 2019 (dia 1) – Lisboa não sejas inglesa

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Nova Batida. Ou deveríamos antes chamar-lhe “New Beat”? Já lá vamos. O nome não engana – são as diferentes batidas da música atual o pilar central do festival. Talvez a primeira associação que se possa fazer seja com a música de dança. Mas não só a eletrónica, como talvez possa transparecer. Esta é, talvez, a sua maior virtude. Seja jazz, world music ou hip-hop, o Nova Batida consegue, num só palco, fazer-nos dançar ao ritmo de diferentes sonoridades.

Mais que um festival é, primeiro que tudo, uma grande festa de três dias. Apesar de diferentes estilos, é a música electrónica a grande rainha, existindo menos lives (leia-se “concertos”) e  mais dj set. O público não parece importar-se muito com isso. Até porque é para se divertirem que aqui estão.

Não deixa de ser curioso que um festival feito por ingleses para ingleses tenha nome português. Não há como disfarçar – apesar de realizado em Lisboa, o festival Nova Batida tem por público-alvo o mercado britânico. O inglês é (quase) a única língua ouvida no recinto, inclusive nos membros do staff e na pouca comunicação feita. Não surpreende, por isso, que sejam inexistentes os artistas portugueses no palco principal, resumindo-se a presença portuguesa aos palcos mais pequenos, dedicados a…dj set. Não é que venha daí mal ao mundo, mas talvez pudesse existir uma outra forma de fazer as coisas.

Chegamos à LX Factory um pouco mais tarde do que pretendíamos, mas ainda a tempo de apanhar metade da atuação dos congoleses KOKOKO!. Depois da estreia o ano passado no NOS Alive, esta era a sua 2a presença em Portugal no espaço de um mês (fecharam o dia de arranque do Vodafone Paredes de Coura em agosto passado, onde o Echo Boomer também esteve). O horário não era o melhor (a pouca presença de público disso foi prova), mas isso não impediu o colectivo de Kinshasa de dar um concerto enérgico e dedicado.

Trajados de macacões amarelos, munidos de instrumentos, na maioria, construídos pelos próprios (para obterem os sons desejados) e com whisky como combustível, vão-nos debitando uma batida (lá está…) forte, física. Não é o típico projeto world music, pois juntam os sons locais do seu país natal com eletrónica e até pós-punk. Disso é prova um dos últimos temas tocados que tem uma camada à Joy Division (quase juraríamos que era “Atmosphere – se fechássemos os olhos quase que ouviríamos Ian Curtis dizer “don’t walk away”), música frenética, carnal, apocalíptica (outra das memórias que nos traz à cabeça é “Colors Move”, dos Fuck Buttons).

Vão-se revezando entre si, não só nos instrumentos tocados, mas também na tarefa de MC. A verdade é que não percebemos nada do que dizem (seja pelas línguas em que cantam, seja pela forma como, por exemplo, Xavier Thomas, produtor do grupo, segura o micro), mas também não importa. Fazem-nos querer dançar como zombies, aprisionados por um qualquer feitiço. Imaginamos como será uma atuação sua num qualquer clube de Kinshasa. 

Nubya Garcia foi a senhora que se seguiu. Presença assídua nos últimos meses no nosso país (a própria dizia ser a 5a vez nos últimos três meses), é uma das porta-estandartes do novo jazz britânico. Criadora de um jazz bem rimado, carregado de outras sonoridades como a soul e o hip-hop, apresentou-se em grande forma, sendo o seu saxofone complementado por uma excelente banda, composta por teclista, baterista e contra-baixista.

Nubya é um pouco mais clássica que outros projetos da nova vaga britânica (como Sons of Kemet, mais tribais, ou Ezra Collective, mais urbanos), mas não deixa de nos meter as ancas a mexer. É verdade que a acústica da sala (ou a falta dela) não ajudou a que os instrumentos sobressaíssem, e estes concertos pedem boas condições para que sejam plenamente desfrutados. Mas aproveitámos bem o que uma banda bem competente ofereceu numa hora de concerto, fosse um solo dançante de bateria ou umas teclas bem irrequietas.

Nubya foi exemplar em mostrar-nos que não existe instrumento mais libidinoso que o saxofone. As suas canções e abordagem são carregadas de sentimento, deixando-nos rendidos à sua simpatia e humildade. Deu tempo para que cada elemento da banda pudesse brilhar, eles que pareciam estar a usufruir tanto ou mais do que a assistência. A juntar o facto de escolher o que tocar à medida que o concerto avançava…faz-nos querer mais espetáculos assim.

Este primeiro dia do Nova Batida era um pouco esquizofrénico em termos de alinhamento. De KOKOKO! para Nubya Garcia, e daí para Ross from Friends. Mas foi a partir de Ross from Friends que a sala principal do evento (o festival tem ainda outro palco montado no Lisbon Underground Village, exclusivamente dedicado a DJ) foi verdadeiramente enchendo.

Ross from Friends (e logo aqui há que dar os parabéns pela escolha do nome), projeto do inglês Felix Weatherall, também trazia consigo guitarra e saxofone (tocados por outros dois elementos – a atuação era em formato live), mas estes não tinham por objetivo dar ritmo ou libido à sua atuação. Criador de uma eletrónica menos expansiva, mais sonhadora, etérea (há quem lhe chame lo-fi eletrónica), surpreendeu-nos pela positiva. Os sons arrastados da guitarra e do saxofone davam sentimento à batida forte e repetitiva.

Só dispondo de uma hora, foi direto e conciso, mantendo os decibéis bem no alto. Fez-nos querer conhecer melhor a sua obra.

A noite neste primeiro dia do Nova Batida estabilizaria a partir daqui, pois só restavam projetos eletrónicos no resto do cartaz. Floating Points era, talvez, um dos nomes maiores. Dono de uma eletrónica cerebral (ou não fosse ele formado em neurocirurgia), dispunha de um set mais longo. A música arrancou lenta, de forma mais contida, como se de um amanhecer se tratasse. Sam Sheperd cria ambientes contemplativos, que requerem tempo. Ao fim de uma meia hora de crescendo, a intensidade chegou, com estrondo. Fica-nos, no entanto, a ideia que outro contexto lhe teria assentado melhor. 

A noite ainda era uma criança para a maioria dos presentes no Nova Batida (mas não para o casal de ingleses que nos abordou, na paragem de autocarros, com ar desesperado, à procura de drogas), pois ainda havia muita música pela frente, incluindo DJ Seinfeld, Jon Hopkins (o facto de ser em formato dj set e não live demoveu-nos de aguardar pelas 00h), John Talabot ou DJ Marfox. Mas havia que regressar a casa de transportes. O dia seguinte talvez viesse a ser diferente. Só dependia dos Jungle.

Foto de destaque de: Gary Brown

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