Crítica – Mad God (MOTELX)

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Se aceitarem que um filme pode ser como um sonho, demente, descontrolado e desnecessário de ser explicado, então irão apreciar Mad God.

Sinopse: “”Mad God” é um filme experimental em stop-motion ambientado num mundo miltoniano de monstros, cientistas loucos e porcos de guerra, que demorou 30 anos para ser concluído. Concebido e realizado pelo pioneiro Phil Tippett, um artesão à antiga dos efeitos especiais e stop-motion, “Mad God” foi projectado pelo animador após completar as gravações de ‘Robocop 2’, de 1990. Após conflitos de agenda, ao aceitar trabalhar em “Jurassic Park”, colocou o projeto em pausa e só o retomou quase 30 anos depois quando uma equipa de animadores do Tippett Studio encontrou caixas com as maquetes e os bonecos guardados, decidindo assim completar a obra que sempre desejou fazer.”

Uma torre de Babel algures num mundo alienígena é derrubada e o caos cobre o mundo. Um pergaminho anuncia que a fúria divina arruinará as cidades dos homens. Um agente humanóide com uma máscara de gás, chapéu tigela e armado com uma mala onde esconde uma bomba, é enviado para as profundezas de um reino apocalíptico e corrupto para o destruir. Dentro dele, o humanóide carrega a essência para a criação de um novo mundo, destinado à ruína. O ciclo de renascimento e destruição nunca termina. Isto é Mad God.

Desenvolvido ao longo de trinta anos, Mad God é um produto da imaginação de Phil Tippett, o premiado mestre dos efeitos especiais cujo trabalho pode ser visto em filmes como a trilogia Star Wars, O Dragão do Lago de Fogo, Robocop, Willow, Querida encolhi os Miúdos, Jurassic Park, Starship Troopers e, mais recentemente, na nova trilogia Jurassic World. Ao contrário de muitos especialistas de efeitos especiais mais tradicionais, ele evoluiu com a mudança da indústria, mas manteve-se ligado ao seu meio de origem, o stop-motion.

Daí origina Mad God, uma carta de amor aos efeitos especiais analógicos e tradicionais, cujo conceito parte de referências de sonhos que o próprio Tippett teve ao longo da vida, crenças ideológicas e uma sátira à criação artística e ao complexo industrial humano. Inicialmente criado durante o trabalho de Tippett em Robocop 2, com a chegada da animação digital Tippet deixou o projeto de lado, acreditando que não haveria abertura no cinema atual para este tipo de obra. Foram os jovens artistas no estúdio do próprio Tippett, ao encontrarem amostras das personagens, designs e algumas das sequências já filmadas para o projeto há 30 anos, que influenciaram Tippett a retomar o trabalho concluir esta que pode ser a obra definitiva da sua vida.

Assim surgiu esta produção independente, financiada pelo Kickstarter, sem compromissos criativos, que segue uma visão única criativa, a de Tippett. Agora, a visão é um pouco demente na sua expressão, as ideias representadas são um pouco repulsivas e pode ser demasiado forte ou absurda para alguns. Há um momento em que testemunhamos uma autópsia grotesca, realizada num personagem que ainda está vivo, que é arrastada ao ponto de se tornar incómoda. Também há toda uma sequência de viagem que passa por um gigante complexo fabril, onde criaturas vivas e colossais são torturadas para gerar alimento, através de um processo repugnante. Todo o filme está super populado com este tipo de sequências líricas, alusivas, sátiras da nossa sociedade e habitadas por criaturas e cenários fascinantes e perturbadores. No entanto, há uma ausência de estrutura. Para alguns, a história do filme pode ser demasiado vaga e a mensagem pode perder-se no meio do grotesco. Tortura, escravatura, industrialização sem limites, guerra total, o filme faz questão de nos atacar com sequências que realçam o caos, decadência e corrupção moral.

Temos um breve intervalo nessa viagem perturbadora, para visitarmos um aquário tropical de um anão alquimista, onde estranhas e pacíficas criaturas sobrevivem em paz neste cativeiro. Logo de seguida, o alquimista solta uma aranha monstruosa que se alimenta de uma destas criaturas. Outros habitantes do aquário testemunham isto e continuam a sua vida, como se nada fosse, como se este sofrimento arbitrário fosse a norma. Não há forma de ver o filme e não sentir um fatalismo inerente à mensagem. Não será um filme onde vão sentir prazer.

Mad God é um filme experimental e segue as vagas criativas do autor. Se Tippet pretende passar de uma jornada por um mundo apocalíptico, para o laboratório de um homem que usa as premonições de bruxas para orquestrar a destruição de mundos menores, ou para a criação de um novo universo decadente a partir dos restos de uma criatura bebé que foi, tudo bem. O fascínio do filme está tanto no sentido que possamos retirar dele, como na tecnologia usada. Mensagem e estética fazem a viagem.

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E a tecnologia é bem utilizada. Além da stop-motion, conseguimos detetar outros efeitos como maquetes e marionetas, bem interligados. Apesar dos efeitos em si não serem de topo, estão de tal modo equilibrados e bem utilizados, que a imersão é total. No início sente-se mesmo que estamos a viajar por um mundo alienígena, estranhamente semelhante ao nosso. Essa sequência em que vemos a descida de um humanóide, que passa por vários patamares de um mundo em ruínas, cada um deles diferente e mágico à sua maneira, é incrível. Arrasta-se um pouco demasiado, mas está tão cativante na animação, na estranheza e imaginação, e no uso de uma banda-sonora excelente, que vale a pena ser vista só por si. Aliás, vou mais longe em dizer que esta sequência é a parte que vale a pena ver. O resto? Torna-se redundante. Há por exemplo algumas partes do filme, feitas com atores em live-action, que não impressionam tanto pela abordagem e mensagem e tornam-se mesmo cansativas. Mas fora isso, o filme é uma delícia visual.

Infelizmente, Mad God perde-se um pouco em repetição e mensagens vagas. Na sua conclusão, resta-nos a ideia de que Tippett pretende fazer uma crítica tanto ao processo criativo, como alertar-nos para o perigo do crescimento descontrolado da civilização.

Para aqueles que procuram um filme de animação mais coerente, com uma estrutura definida, protagonista, um conflito, procurem noutro lugar. Este filme é uma experiência para ser testemunhada. É complicado, nem sempre dá prazer, mas a mensagem que procura passar, de que somos criaturas de autodestruição, condenadas à industrialização, canibalizando-nos uns aos outros num ciclo ininterrupto de destruição e renascimento, apesar de não ser original, merece ser vista.

Venham pela animação e estranheza, pela viagem. Se aceitarem que um filme pode ser como um sonho, demente, descontrolado, e desnecessário de ser explicado, então irão apreciá-lo. Senão estiverem dispostos a isso, porque é que iriam ver um filme chamado Mad God?

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