Crítica – Coming Home in the Dark (MOTELX)

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Coming Home in the Dark é um inquietante thriller, um filme com brilhante execução, excelentes atores e um guião com uma mensagem que deve ser partilhada.

Sinopse: “O passeio idílico de uma família transforma-se em pesadelo quando o professor de secundário Alan ‘Hoaggie’ Hoaganraad, a sua esposa Jill e os seus enteados Maika e Jordon, exploram uma linha de costa isolada. Um encontro inesperado com um par de vagabundos desvia a família da sua rota, tornando-os reféns do psicopata Mandrake e do seu cúmplice silencioso, Tubs. De início, o medo da família parece nascer do encontro aleatório com dois sociopatas, mas, à medida que a noite avança, Hoaggie e Jill percebem que este pesadelo começou 20 anos antes…”

De tempos a tempos, o melhor thriller do ano estreia-se em Portugal através do MOTELX. Em 2015 foi Green Room, de Jeremy Saulnier. Em 2019 foi Come to Daddy, de Ant Timpson. Este ano de 2021 é a vez de Coming Home in the Dark, de James Ashcroft, que estreou neste festival em 2007 com o filme de culto Black Sheep, o pioneiro dos filmes de terror de ruminantes assassinos.

Agora, depois de realizar e produzir várias curtas metragens, James Ashcroft realiza um thriller devastador. Neste filme depara-mo-nos com a família Hoaggie e Jill, um casal de professores de secundário, a fazer uma viagem de estrada com os dois filhos adolescentes, quando a família é interrompida a meio de um piquenique pela visita de dois estranhos, Mandrake e Tubs, que os assaltam e fazem deles reféns.

A partir daqui, começa uma odisseia de estrada que dura uma noite. Uma noite repleta de violência; uma vingança que surge do acaso; um olhar revelador sobre os traumas da violência contra crianças no sistema de ensino neozelandês dos anos 80. Mandrake anuncia aos seus reféns que quer realizar um desvio antes de seguir caminho com o seu companheiro. Até ao final da história, contamos as paragens como um conta-relógio, na esperança de que o filme termine finalmente, mas com medo de encarar o final.

Não quero revelar muito sobre a história, mas posso desde já garantir que irão ficar presos ao assento assim que o nosso protagonista tem o seu malogrado encontro com os vilões. É um filme muito enérgico e que não perde tempo. O guião está reduzido ao essencial, sendo de uma eficácia controlada, com cada reviravolta a ser apresentada como um murro no estômago.

A história é uma mistura interessante de sabores. A premissa é parecida aos contos de Flannery O’Connor, a estrutura narrativa semelhante ao clássico de culto Cohen and Tate, de Eric Red, e a realização tem uma abordagem quase neo-realista. Coming Home in the Dark é um filme visceral, como diz o próprio vilão do filme, Mandrake, interpretado brilhantemente por Daniel Gillies, conhecido pelo seu trabalho nas séries The Vampire Diaries e The Originals.

Baseado numa história de Owen Marshall, o filme adapta a história sobre um homem que é atacado durante uma viagem por uma dupla de perigosos criminosos, sobre o perigo da arbitrariedade, como a qualquer momento alguém inocente pode cruzar caminho com alguém malicioso no mais inócuo dos lugares. O realizador e o guionista vão mais longe e puxam pela crítica social, ligada ao historial de vários reformatórios naquele país onde durante décadas foram perpetrados atrocidades e abusos contra as crianças que lá eram cuidadas.

Agora no filme, essas crianças cresceram e andam à solta e, quando se cruzam com Hoaggie, o nosso protagonista, e percebem que ele fez parte desse sistema, mesmo que de forma muito superficial, inicia-se uma descida até aos infernos para o nosso herói. Hoaggie é um protagonista interessante, um homem de família, humilde e carinhoso, que tenta lidar com o trauma num registo de sobrevivente, dando sempre luta para tentar salvar aqueles que lhe são próximos, e reconhecendo os seus erros na expetativa de poupar o sofrimento a outros. Ele é tão altruísta como é selvagem na sua vontade de sobreviver.

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O interessante é o que eleva o filme além de um competente thriller, esse grau de complexidade que atribui aos seus personagens. Tal como o nosso herói esconde um passado sórdido, os vilões que o atormentam merecem a sua vingança. De destacar a dinâmica da relação entre os dois homicidas, com uma hierarquia silenciosa que está impregnada no âmago de quem eles são – um o mestre de cerimónias, o outro o ajudante. Daniel Gillies (Mandrake) e Matthias Luafutu (Tubs) vão permanecer na memória como uma das duplas mais impactantes entre os vilões do género.

Desde personagens que não queremos ver morrerem serem mortos sem piedade, a uma paragem tensa num posto de gasolina, à frieza imperdoável de Mandrake perante um grupo de miúdos que podem ajudar Hoaggie a escapar, durante todo o filme encaramos cada paragem do carro com a ansiedade de enfrentar mais um horror.

O monstro retratado no filme acaba por não ser o herói com um passado sombrio, ou os vilões vingativos, mas o sistema que permitiu que estes crimes fossem cometidos e nunca os resolveu. Neste filme vemos representadas todas as crianças que foram maltratadas, abusadas, feitas reféns de um sistema reformatório abusivo e dominante, e depois foram soltas para uma sociedade que não estava pronta para as receber.

Coming Home in the Dark é um inquietante thriller, um filme com brilhante execução, excelentes atores e um guião com uma mensagem que deve ser partilhada. Recomendo. Vejam-no cinema, com companhia, mas no escuro, que é onde esta história pertence.

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