Monark – Quando as boas ideias não são bem utilizadas

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Tal como Caligula Effect, o título da Lancarse vai beber à fonte de Persona, mas esquece-se que não basta imitar a série da ATLUS para se ter um bom RPG.

Numa tentativa de suplantar o marketing de filmes como Date Movie e Epic Movie, que proclamavam orgulhosamente que apenas um terço da sua equipa participou em comédias mais populares, parece ser moda anunciar que vários membros da equipa de Shin Megami Tensei e Persona continuam a expandir-se para novos projetos. Esta crescente proclamação de antigas glórias teve início com Caligula Effect, que recebeu recentemente a aguardada sequela, e chega a um exponente máximo com Monark, desenvolvido pela Lancarse, que enuncia de peito cheio que alguns membros da famosa série da ATLUS, talvez um ou dois – quem sabe ao certo –, ajudaram na sua conceção. E o que nos diz esta informação tão importante? Que é preciso inovar.

É difícil relativizar a popularidade de Persona e é ainda mais difícil ignorar a crescente necessidade em imitar a sua fórmula. Podemos justificar algumas escolhas como parte do ADN da equipa, que ajudaram na concetualização de Persona e dos restantes spin-offs da série Shin Megami Tensei, mas quanto mais analisamos estes novos lançamentos, mais conseguimos ver o conceito a expandir-se de forma pouco natural. Será assim tão necessário ter mais um RPG num ambiente escolar com mecânicas sociais? E será que estas histórias necessitam desse tratamento ou são apenas forçadas a adaptar-se a algo que é popular junto de um grupo de jogadores?

Esta falta de criatividade é notória quando Monark não consegue esconder a sua natureza low budget, apresentando cenários muito fechados, restritos quase exclusivamente a corredores e a salas da escola Shin Mikado Academy – à exceção das arenas de combate, que adotam um estilo mais fantasioso e ocasionalmente surrealista –, mas forçando a componente social através de diálogos menos conseguidos e uma história que insiste em abordar temáticas como a opressão e a resistência: cujo resultado final nem sempre é o mais indicado. O design das personagens, a cargo de so-bin, não é bem traduzido para os modelos em jogo que, tal como os cenários, apresentam-se em formatos mais reduzidos, pouco detalhados ou emocionais. O abismo entre Monark e Persona, que é incontornável devido às diferenças de orçamento entre ambos, é notório quando a própria expressividade das personagens não é equacionada ou estilizada visualmente, com o título da Lancarse a depender demasiado do seu elenco.

A insistência em recriar a fórmula Persona acaba por criar alguns efeitos secundários. Se os cenários são limitados e a história pouco atraente, forçando uma componente psicológica – através de testes psicotécnicos que realizamos regularmente e que definem a personalidade do nosso protagonista – composta pela representação dos sete pecados mortais, a jogabilidade tenta compensar este marasmo problemático ao adicionar várias mecânicas que procuram adicionar a profundidade que o jogo tanto almeja. Admiro a dedicação em torno dos perfis psicológicos e da forma como o combate e a narrativa influenciam a personalidade do nosso protagonista, que, por sua vez, determina o tipo de poderes e Vessels que poderá invocar, mas senti alguma confusão na forma como as mecânicas foram apresentadas e postas em prática, ao ponto da sua aparente simplicidade visual perder-se entre menus e sub-menus.

Em combate, Monark funciona como um RPG de estratégia. As comparações a Lost Dimension, também da Lancarse, são bem vindas, no sentido em que ambos os jogos apostam em sistemas de combate que conciliam os confrontos por turnos com a possibilidade de movimentarmos as personagens em campo. Esta movimentação é importante porque determina não só o poder das personagens, onde os ataques nas costas são mais devastadores, mas também as combinações entre membros da equipa, sendo absolutamente importante saber onde posicionar a nossa equipa para um melhor equilíbrio entre a defesa e o contra-ataque. O problema é que as arenas são, na sua maioria, muito desinteressantes e algo restritas, apesar de Monark tentar compensar esta falha com alguns obstáculos em campo e com um número surpreendente de inimigos em jogo.

Como um RPG de estratégia, Monark não procura reinventar o género, mas sim readaptá-lo a um formato tão confuso, como acessível. Temos à nossa disposição ataques e habilidades especiais, aqui denominadas de Arts e Authority, mas também a possibilidade de interligarmos as personagens através de Resonance, que nos permite partilhar atributos positivos e negativos entre elas. Existe também a mecânica de Awakening, que funciona como um despertar literal das habilidades da nossa equipa, onde as personagens vêm os seus atributos a melhorarem exponencialmente em combate. Como podem depreender, não são mecânicas necessariamente novas ou inesperadas para um RPG desta natureza, mas existe a tentativa de ligá-las constantemente à temática mais psicológica de Monark, envolvendo quase sempre o Ego das personagens e a forma como se comportam individualmente em combate.

A gestão da equipa é, no entanto, um dos elementos mais interessantes de Monark. Ao contrário de outros títulos do género, não temos apenas acesso a uma equipa fixa de personagens, mas sim a um número interessante de ajudantes. Através dos atributos dos nossos protagonistas podemos desbloquear Vessels, seres sem personalidade que podemos evoluir individualmente e equipar para não só alterar o seu aspeto visual – algo que irá satisfazer os fãs de personalização em RPG –, como os seus atributos. Os Vessels são incontornáveis e acho aliciante estarem dependentes do perfil psicológico do protagonista, no sentido em que só teremos, por exemplo, Vessels de luxúria se os nossos pontos forem suficientes, ao mesmo tempo que desenvolvem a ideia de controlo e poder dentro da narrativa do jogo.

Depois temos a mecânica MAD, uma adição que irá influenciar a forma como abordam Monark. A campanha limita a sua exploração a zonas envoltas em nevoeiro, onde temos acesso a batalhas contra inimigos, através de chamadas de telemóvel – não fosse Monark desviar-se demasiado de Persona –, mas também à mecânica da loucura. O nevoeiro tem a capacidade de influenciar negativamente as personagens, o que significa que a exploração é limitada à barra MAD que, uma vez cheia, leva-nos de regresso à infirmaria. A barra não cresce apenas enquanto exploramos as zonas afetadas pelo nevoeiro, mas também em combate, com várias habilidades a sacrificarem a sanidade das personagens em prol de ataques mais poderosos. Quando a barra atinge os 100% perdemos o controlo da nossa equipa até regressarmos à realidade. Basicamente, Monark funciona como as zonas de pó de Metal Gear Survive, ainda que muito mais acessível na sua abordagem.

A busca por originalidade levou a Lancarse a mudar desnecessariamente o sistema de evolução de Monark. No final dos combates, que são avaliados de acordo com a nossa prestação, temos acesso aos tradicionais pontos de experiência, aqui denominados de Spirit Points, mas a evolução das personagens não é automática. Para evoluirmos os seus níveis, temos de desbloquear novas habilidades com os Spirit Points, que são partilhados por todas as personagens. Isto significa que terão de fazer alguns sacrifícios no que toca à evolução da vossa equipa, pois estarão sempre limitados no que toca aos Spirit Points. É uma escolha peculiar, nem sempre intuitiva, que nos leva a pensar se é suposto evoluirmos as personagens principais ou os Vessels. Existe também uma ligeira deturpação das mecânicas que nos leva a questionar a sua inclusão, visto que os Spirit Points também servem para construir itens. Até que ponto estamos a desbloquear habilidades que necessitamos ou apenas a evoluir os atributos das personagens? E se não existir este discernimento entre habilidades e evolução, é difícil não contestar a sua implementação em Monark. Afinal para que serve?

A Lancarse devia libertar-se do seu próprio legado antes de abordar as temáticas que tentou desenvolver no seu novo projeto. A profundidade mecânica é real, mas Monark parece perder-se entre a sua produção de baixo custo e a sua necessidade em inovar onde não é necessário. Algumas escolhas são sólidas e demonstram como as ideias estão presentes, mas outras, como o final da partida devido à morte do protagonista, revelam o quão presos estão ao passado. Nem tudo tem de ser Persona.

No final do dia, Monark peca pela sua própria temática ao cometer um dos pecados mortais: a inveja.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela NIS America.

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