Opiniões concisas sobre alguns filmes para os quais não tivemos possibilidade de escrever uma crítica completa antes do fim do ano.
Como bem sabemos, 2020 foi um ano horrível, afetando tudo e todos, incluindo a tão amada arte do cinema. Inúmeros adiamentos, remoções completas do calendário cinemático do ano e um STOP total nas filmagens. Não podia ser pior para o cinema. Os respetivos estabelecimentos de consumo lutam pela sua sobrevivência enquanto blockbusters estão gradualmente a mover-se para streaming… 2020 é o ano que todos esperavam nunca viver.
Obviamente, as vidas e os empregos de todos estão a ser afetados, mas, apesar do número de filmes lançados este ano ser inevitavelmente menor do que em anteriores, tempo para os ver continua a ser difícil de encontrar para alguém que quer assistir a todos os filmes, como é o meu caso. Sendo assim, este artigo contém opiniões concisas sobre alguns filmes para os quais não tive possibilidade de escrever uma crítica completa antes do fim do ano.
Este artigo será atualizado sempre que adicionar uma nova entrada, bem como a sua data de publicação, para que estas mini-críticas possam ser vistas por todos os leitores.
Unhinged (3/5)
Sinopse: “Rachel (Caren Pistorius) é uma mãe solteira cujo dia mau fica ainda pior quando apita agressivamente a outro motorista (Russell Crowe) durante o trânsito. Depois de uma troca de palavras, percebe rapidamente que o homem misterioso está a segui-la e ao seu filho. A comum raiva na estrada rapidamente intensifica-se, tornando-se num terror total quando Rachel descobre o plano sinistro do psicopata para obter vingança.”
Crítica: Com um Russell Crowe ferozmente cativante como um condutor absolutamente lunático, Derrick Borte entrega uma premissa propositadamente exagerada baseada em algo que ocorre todos os dias a imensas pessoas. A ação rated-R é surpreendente no que toca à quantidade de gore e na liberdade total em assassinar várias personagens da forma mais chocante possível, mas sem nunca perder o entretenimento incrível.
No entanto, o argumento de Carl Ellsworth carece de maior profundidade em relação às personagens, deixando o espectador com praticamente nenhum conhecimento de algo remotamente relevante sobre os protagonistas, para além de relações básicas que são meramente usadas como plot devices para mais mortes sangrentas. A narrativa passa por desenvolvimentos difíceis de acreditar e o final possui aquele clichê “protagonista toma decisão que nenhuma pessoa sã jamais pensaria em tomar”.
Ainda assim, defendo que a narrativa principal está mais próxima da realidade do que da ficção, especialmente os dois primeiros atos. No fim, o maior problema acaba mesmo por ser a personagem de Caren Pistorius, que considero realmente culpada do evento que provocou tudo o resto.
Demonstrou arrogância, egoísmo e a incapacidade de simplesmente pedir desculpa a alguém que foi inicialmente educado. Isto, para mim, é o seu maior pecado e a razão pela qual não me importei nada com o que aconteceria a ela e à sua família.
Run (4/5)
Sinopse: “Uma adolescente isolada (Kiera Allen) descobre o segredo sinistro da sua mãe (Sarah Paulson).”
Crítica: Searching, de Aneesh Chaganty, foi suficiente para adicionar o seu realizador-argumentista estreante à minha lista de “cineastas para acompanhar de perto”. Run solidifica o lugar de Chaganty em Hollywood como um dos realizadores mais tecnicamente impressionantes a trabalhar nos dias de hoje. O seu talento inegável permite gerar suspense incrível durante todo o tempo de execução e a sua segunda longa-metragem não é exceção.
Possuindo o tipo de premissa que mais aprecio em thrillers, o argumento de Chaganty e Sev Ohanian encontra-se repleto com takes excruciantemente longos, cheios de diálogos extremamente tensos, desenvolvimentos chocantes e uma quantidade brutal de dor. Todos estes aspetos são elevados por uma das prestações físicas e emocionalmente poderosas mais exigentes que vi nos últimos anos: Kiera Allen, que usa uma cadeira de rodas para mobilidade na vida real, transforma a sua estreia como atriz numa exibição genuína e realista dos obstáculos absurdamente complicados que as pessoas na sua condição têm que superar diariamente.
Sarah Paulson continua a sua tendência de interpretar personagens verdadeiramente malignas e aconselho-a a continuar a percorrer esse caminho sombrio de papéis fenomenais. As suas interações com Kiera são notavelmente intensas. Em termos de história, embora as revelações constantes sejam narrativamente chocantes, a maioria dos desenvolvimentos do argumento são um bocado previsíveis. Os problemas de “movie logic” esticam a credibilidade a um ponto para além do meu limite, tornando-se num daqueles filmes que as pessoas ou adoram imenso ou odeiam tremendamente, dependendo do quão picuinhas escolhem ser.
Sou o mais moderado possível e a verdade é que não pensei nestas questões lógicas durante a visualização. Tendo em mente os atributos técnicos brilhantes de Run (enfâse na edição de Nick Johnson e Will Merrick, assim como na banda sonora de Torin Borrowdale), as duas performances impressionantes das protagonistas e a atmosfera cheia de suspense interminável, tenho que recomendar, pelo menos, a todos os fãs do género.
Sound of Metal (4.5/5)
Sinopse: “Durante uma série de espetáculos cheios de adrenalina, o baterista itinerante de punk-metal Ruben (Riz Ahmed) começa a vivenciar perda de audição intermitente.”
Crítica: Com expetativas moderadamente altas, Sound of Metal surpreendeu-me genuinamente. O argumento requintado de Darius Marder e Abraham Marder é o destaque absoluto, estando ao mesmo nível do desempenho impressionante de Riz Ahmed. Sound of Metal tem uma história significativa e esclarecedora não só sobre a comunidade surda, mas também sobre aceitar as nossas limitações como algo que é parte de nós, em vez de considerarmos uma desvantagem. Tirando algumas cenas desnecessárias que podiam ter tornado o filme um pouco mais curto, a duração de duas horas é bastante justa, possuindo uma narrativa muito cativante.
Inúmeros detalhes técnicos de storytelling elevam este filme, tornando-o num dos melhores do ano. Desde o uso (ou ausência) aparentemente simples, mas extremamente inteligente, de legendas para linguagem gestual, até diálogos emocionalmente convincentes, uma atmosfera incrivelmente realista cobre o filme durante todo o tempo de execução. Nunca, nem por um segundo, o espectador precisa de lidar com uma reação exagerada, uma conversa cheesy ou um típico momento de Hollywood superdramatizado. Darius Marder tem um ótimo controlo do tom, mantendo-o excecionalmente “assente na terra”.
Riz Ahmed entrega o que acredito ser a sua melhor prestação na carreira, incorporando a deficiência auditiva da sua personagem de forma perfeita. As suas expressões faciais e movimentos corporais subtis são essenciais para a performance que pode facilmente garantir-lhe dezenas de nomeações. Olivia Cooke (Lou) também é excelente no seu papel. Tecnicamente, enormes elogios à cinematografia de Daniël Bouquet, que insiste numa composição quase documental aplicando ângulos e planos de câmara frequentemente vistos neste tipo de película, ajudando a gerar a tal autenticidade mencionada anteriormente.
Um dos meus filmes favoritos de 2020.
Possessor: Uncut (4/5)
Sinopse: “Tasya Vos (Andrea Riseborough), uma assassina corporativa de elite, assume o controlo dos corpos de outras pessoas usando tecnologia de implante cerebral para assassinar alvos importantes.”
Crítica: Num ano em que o género de horror não tem tantos representantes de alto nível, o conceito cativante de Brandon Cronenberg é um aspeto que agarra automaticamente a atenção de qualquer espectador. Possuindo duas prestações fenomenais de Andrea Riseborough e Christopher Abbott, Possessor é um dos filmes mais chocantes a nível visual de 2020.
Do gore extremo à demonstração sem limites de homicídios insanamente violentos, Cronenberg enche o seu filme com imagens bizarras que, definitivamente, irão fazer com que muita gente desista do filme. O ritmo lento ajuda a estabelecer a atmosfera de suspense interminável, entregando algumas das sequências mais intensas que vi nos últimos tempos.
Apesar da narrativa interessante e dos seus desenvolvimentos fascinantes, Possessor não consegue manter o momentum durante todo o tempo de execução. As imagens estranhas ajudam a contar a história visualmente, mas chega a um ponto em que se torna demasiado distrativo e desnecessário. O terceiro ato também é bastante previsível, contrastando com a primeira metade um tanto surpreendente.
No fim, não deixa de ser um dos meus filmes de horror favoritos do ano.
Peninsula (2/5)
Sinopse: “Um soldado e a sua equipa lutam contra milhares de zombies pós-apocalípticos nos desertos da Península Coreana.”
Crítica: Train to Busan é um dos meus filmes sul-coreanos favoritos e defendo firmemente que é um dos melhores filmes de apocalipse zombie de sempre, talvez até o melhor. Portanto, não consegui deixar de me sentir incrivelmente entusiasmado com outra história do mesmo mundo. Não é uma sequela direta ao original relativamente à narrativa, mas parece ser colocada logo após o início da pandemia. Infelizmente, acaba por ser uma grande desilusão.
Apesar do stunt work de fazer cair o queixo e das sequências de ação serem extremamente intensas, a razão pela qual o antecessor de Peninsula funciona tão bem é devido ao seu foco nas personagens. Ao dar-lhes um desenvolvimento convincente e um forte vínculo emocional, o surto de zombies torna-se instantaneamente mais eficaz devido à nossa imensa preocupação com todos os envolvidos. Todos os elementos técnico são elevados ao máximo, transformando o filme numa história emocionalmente devastadora e dolorosa.
Yeon Sang-ho tenta um atalho para alcançar a mesma emoção do seu filme anterior, condenando esta “sequela” desde o primeiro minuto. Todas as relações parecem forçadas e as decisões/eventos supostamente comoventes são um falhanço total. Até as cenas de ação não conseguem fazer jus ao nível do original devido ao excesso de CGI em perseguições rídiculas de carros. A cada 15 minutos surge uma inconsistência lógica gritante e algumas personagens ou são simplesmente estúpidas… ou demasiado inteligentes para a sua idade/experiência. Peninsula agarra o ambiente realista estabelecido por Train to Busan e ficcionaliza-o em demasia.
The Prom (1.5/5)
Sinopse: “Estrelas da Broadway com pouca sorte agitam uma pequena cidade de Indiana enquanto apoiam uma adolescente que quer ir ao baile com a sua namorada.”
Crítica: Adoro musicais, mas a tentativa da Netflix em lançar um filme alegre, divertido, colorido e culturalmente significativo acaba por ser um dos filmes mais cringe-worthy, horrivelmente estereotipados e ridiculamente exagerados do ano. Desde a prestação impressionantemente over-the-top (e honestamente, um pouco insultuosa) de James Corden e a estreia unidimensional de Jo Ellen Pellman até à narrativa contraditória, a primeira longa-metragem de Ryan Murphy desde Eat, Pray, Love de 2010 é uma enorme deceção.
The Prom devia celebrar a igualdade apoiando um baile inclusivo onde todos podem ir e sentirem-se confortáveis sendo eles próprios. No entanto, o mesmo filme restringe-se em mostrar um beijo homossexual ou realmente qualquer tipo de intimidade do mesmo tipo, deixando isso para o último segundo, mas não tem nenhum problema em desenvolver por completo uma relação heterossexual ao mesmo tempo. As transições para as canções (que são demasiadas) são incrivelmente forçadas, fazendo com que todo a obra esteja mais próxima de uma coleção de sketches do que um filme a sério.
Algumas prestações excelentes (Meryl Streep, Nicole Kidman, Andrew Rannells, Keegan-Michael Key), um par de números musicais bastante divertidos, umas coreografias cativantes, um bom trabalho de câmara (Matthew Libatique) e uma produção artística admitidamente ambiciosa salvam este filme de ser um atentado cinematográfico, mas não deixa de ser um desastre.