Com o final do ano a aproximar-se, Metaphor: ReFantazio entra facilmente na corrida para ser um dos melhores jogos do ano, garantindo, sem esforço, o título de um dos melhores RPGs dos últimos tempos.
Apesar de saber da existência de Metaphor: ReFantazio, estava a fazer-me de difícil e à espera da eventual versão melhorada e mais completa, uma decisão cada vez mais comum numa indústria onde o ceticismo face às versões de lançamento dos jogos é cada vez mais crescente. E, além disso, já fui magoado várias vezes por livre vontade, derivado do medo de perder o comboio do hype nestes períodos. No entanto, quando a SEGA e a Atlus lançaram a demo de Metaphor: ReFantazio, eu deixei de responder por mim. O efeito foi semelhante ao da demo de Final Fantasy XVI – épico, com uma intensidade que me prendeu até me ter lançado ao jogo. E, como não há fome que não dê em fartura, também vou poder escrever umas palavras sobre como cedi ao tramado FOMO.
Apesar de os zunzuns terem nascido em 2016, com a revelação de um “Project ReFantasy”, foi apenas durante um Xbox Games Showcase que o pudemos devorar com os olhos. Desde então, as expectativas mantiveram-se altas, sem vacilarem, principalmente porque nem era um Persona ou um Shin Megami Tensei, mas sim algo completamente novo, um IP original, a cortar bem pelo meio das duas franquias. Aliás, é o primeiro jogo original do Studio Zero e o próximo grande projeto do diretor de Persona 5, Katsura Hashino, após a saída do P-Studio.
Mas levanta-se a questão: Que tipo de jogo seria? Creio que tivemos uma conversa semelhante durante o desenvolvimento de Tokyo Mirage Sessions ♯FE, coincidências? Não me parece. Mas o resultado? Outro jogo fantástico. Suspirei de alívio, pois Metaphor: ReFantazio não só combina os melhores elementos de Persona e SMT, como também vai beber aos RPG clássicos, transcendendo as suas muitas influências para se tornar algo maior do que a soma das partes e num dos jogos imperdíveis do final de 2024. É uma experiência bem ritmada e repleta de detalhes que imploram para serem descobertos, tanto por fãs de Persona como de um Dragon Quest ou Final Fantasy.
O melhor do género, e deste Metaphor: ReFantazio, é também a sua história, os seus temas e personagens. Tal como no exemplo que dei anteriormente, de Final Fantasy XVI, a história abre com um regicídio e com o vácuo de poder que se sucede, levando à nossa participação urgente no Torneio Real para decidir o futuro monarca do Reino Unido de Euchronia. Tudo o que fazemos, desde a campanha principal até às missões secundárias, conta para garantirmos suporte na altura de ascender ao trono. Não é bem um sistema de eleições, mas um sistema de influência dos corações das várias pessoas que tocamos.
Apesar de já não sermos estranhos às abordagens pesadas de Persona e SMT, Metaphor não quer ser diferente e vai abordar as questões fraturantes que impactam a sociedade que o jogo decide representar, refletindo-se na nossa realidade. Por um lado, não quer dar respostas fáceis nem se apoia em platitudes banais. Em vez disso, o desenvolvimento da história e das personagens trabalha em conjunto para abordar estes temas bem atuais de discriminação, estratificação social e o que é necessário para unir uma sociedade em direção a um futuro saudável, face a uma oposição avassaladora e de interesses conflitantes. Ainda assim, mesmo sem respostas fáceis em Metaphor, as que temos ainda são bem merecidas.
O conhecido sistema de relações sociais, que é um dos elementos basilares de Persona, está presente e melhorado em Metaphor. Agora, já não existem momentos perdidos quando iniciamos uma interação, uma vez que cada momento desenvolve a relação, que se traduz em novos Archetypes (classes) e/ou melhores atributos. No fundo, não há muito tempo a perder – continuamos a ter um sistema de calendário, com dias específicos em que a história avança, obrigando-nos a uma gestão de tempo saudável, uma vez que explorar masmorras, navegar pelo mapa e desempenhar tarefas mundanas consome dias. O melhor que posso dizer é para não jogarem como Persona, acabar a masmorra da praxe e deixar os restantes dias para fazer tudo e mais alguma coisa. Em Metaphor, quando completamos a missão principal, o jogo avança, dando-lhe um forte sentimento de urgência, mais linear e tradicional, e não de meros níveis.
Sem ainda me conseguir descolar das comparações, onde Metaphor: ReFantazio se destaca é nos seus sistemas de combate e progressão. É um sistema mais tradicional, deixando a mecânica de captura e fusão de criaturas das séries em que se inspira, para se focar na evolução dos vários Archetypes que vamos desbloqueando ao longo do jogo. Estes são essencialmente os Jobs (ou classes) dos RPG, como os clássicos Healer, Mage, Fighter e respetivas evoluções, que também funcionam em sinergia com os companheiros através de habilidades Synthesis. Existe uma grande liberdade para personalizar a equipa e a nossa forma de jogar, mas Metaphor também nos pica a isso com informações que podemos comprar nas tavernas para saber como melhor abordar os desafios. E isso implica estarmos abertos a mudar a dinâmica do bando a qualquer momento.
Apesar de o combate continuar a ser por turnos e inspirado na mecânica Press Turn, Metaphor sacode as convenções e permite atacar em tempo real para destabilizar ou eliminar os inimigos sem entrar na arena dos turnos. Para tal, é preciso que a diferença de níveis entre o bando e os inimigos seja confortável para os despachar. E o tempo que se poupa? Imenso! Mas se quisermos ser puristas, podemos ignorar esta mecânica.
No que toca ao desenvolvimento pessoal do protagonista, temos as Royal Virtues para desenvolver – semelhante ao Estatuto Social de Persona – e para desbloquear mais opções de diálogo e outros atributos. Estas virtudes incluem elementos engraçados como a Coragem, Eloquência ou Imaginação. É muito giro como as desenvolvemos a conversar, a ler ou a admirar a paisagem.
Mais do que uma excelente experiência interativa, Metaphor: ReFantazio é lindo de se ver. Os visuais e a impressionante direção artística remeteram-me logo para os Final Fantasy, de Ivalice ou para a novela gráfica de Saga pela diversidade das tribos ou pelo design daquele mundo fantástico. Na verdade, a paleta de Euchronia e o design das suas bizarras criaturas foram inspirados em Hieronymus Bosch. Gostaria de ter sido culto para o reconhecer, mas faz tudo parte da pesquisa para este texto – os amantes de arte vão passar-se, sem dúvida. Mas o estilo vai mais além de cenários ou pessoas bonitas, com menus e interfaces caprichados, embora alguns possam admitir roçar o ruidoso com a quantidade de elementos, textos de diferentes dimensões e cores tão contrastantes.
Há que dar também uma menção honrosa para a banda sonora! Em parte, porque consegue ser diegética ao contexto daquele mundo, acalmando a ansiedade do nosso protagonista, mas também porque é um dos trabalhos mais belos de Shoji Meguro, o mais afastado possível dos beats urbanos de Persona, para incorporar temas mais atmosféricos e épicos nesta fanfarra de fantasia.
Mesmo com uma longevidade intimidadora, Metaphor sente-se como uma experiência ágil e zero aborrecida. Diria que o jogo é um dos RPGs que melhor desliza, sem darmos pela passagem do tempo real, apesar de a sentirmos no jogo. Se tenho de manchar o pano com algumas nódoas, diria que algumas texturas poderiam ser melhoradas, alguns soluços poderiam ser evitados, assim como alguns picos de dificuldade mesmo no modo mais acessível. Mas nada disso atrapalha a experiência, atenção.
Este ano tem sido incrível em experiências de RPG de alta qualidade, com o próprio Persona 3 Reload e Shin Megami Tensei 5: Vengeance entre elas. Mas Metaphor: ReFantazio é aquele toque de mestre que só não fecha o ano porque ainda falta sair Dragon Age: The Veilguard, que espero que faça justiça às minhas expectativas. O Studio Zero fez uma declaração audaciosa com Metaphor, cimentando imediatamente o título na história do género e uma estreia impressionante para o novo estúdio de Hashino. E é o seu cunho desde Persona, com as influências certeiras de outros pares, que elevam este jogo a um dos maiores e melhores do catálogo da Atlus.
Cópia para análise (versão Xbox Series X) cedida pela Ecoplay.