Florence é humor, é força, é empatia, é uma forma de arte tão bela que é difícil adjetivar.
Texto de: Maria João Cavadas
Foi no segundo dia do MEO Kalorama que a americana Ethel Cain se estreou em território nacional. Apesar dos vários fãs com que já conta no nosso país, a verdade é que a artista de 25 anos é novidade para muitas pessoas. E isso não passou despercebido, pois muitos dos que ali se encontravam estavam, claramente, a conhecê-la. E se não é também disso que os festivais são feitos… Quem nunca se apaixonou pela música de um artista, para si desconhecido, num concerto? Preacher’s Daughter, o seu único álbum de estúdio, lançado no ano passado, foi o claro rei do espetáculo, que contou com apenas um tema fora do mesmo. Apesar da maravilha que é “American Teenager”, o momento alto do espetáculo foi a aparição surpresa de Florence Welch em palco, para, em conjunto, interpretarem “Thoroughfare”, um tema com um claro toque do folk americano.
A interação de Ethel Cain com o seu público conquistou toda a gente, mas a artista não beneficiou daquele que continua a ser um problema no palco principal do festival: o som demasiado alto. Contraste-se este com o problema oposto no Palco San Miguel, em que, não muito longe do palco, é possível manter uma conversa sem ter de se falar muito alto (o que, claramente, acontece, pois é mais fácil ouvir as inúmeras conversas alheias, que são muitas, do que a música).
O pôr-do-sol, no Palco San Miguel, estava a cargo do francês FKJ. O setup de palco do multi-instrumentalista de 33 anos parece ser para várias pessoas, mas não: é só mesmo para ele. Com teclados, saxofone, sintetizadores, guitarra e mais coisas à mistura, FKJ é um dos nomes mais marcantes da nossa geração no que toca ao Nu Jazz. O sucesso de “Tadow”, em 2018, um tema de improvisação gravado com Masego, pôs FKJ nas bocas do mundo e foi, provavelmente, aí, que French Kiwi Juice, álbum que havia lançado no ano anterior, teve mais sucesso. O espetáculo no MEO Kalorama incluiu, além daquele tema já na parte final, remixes de vários temas, incluindo “Let’s Stay Together” de Al Green, lançado em 1972.
O talento de FKJ é inquestionável: os seus loops perfeitos, a sua capacidade de tocar – bem – os vários instrumentos que o acompanham conjugados com a humildade que exibe foram a receita ideal para começar a noite. “We have four minutes left”, disse-nos, e com esse pouco tempo que restava pudemos ouvir um tema exclusivo dedicado ao nosso país. Um concerto sem defeitos, que poderíamos repetir vezes sem conta.
Mas era no palco principal que o Parque da Bela Vista receberia a mais aguardada estrela da noite: Florence + Machine, de regresso a Lisboa um ano depois de terem tocado no NOS Alive. Talvez tenhamos tendência para nos esquecer disto, mas as canções da banda que continuamos a saber de cor já contam com alguns anos.
Temas saídos de Dance Fever (2022), como “Heaven is Here”, “King” e “My Love”, representaram metade do concerto, mas nem por isso deixámos de viajar a um passado que continua a parecer recente, pois a música de Florence + the Machine é intemporal. Entre muitos outros temas, cantámos “You Got the Love”, “Dog Days Are Over” e “Cosmic Love” do seu álbum de estreia Lungs (2009), enquanto a vocalista, Florence Welch, dançava energicamente por todo o palco e fazia visitas frequentes ao público. Não pudemos deixar de ficar surpreendidos com a garra da artista, que, apenas alguns dias antes, havia sido submetida a uma cirurgia de urgência, cujos motivos não foram revelados.
Já o espetáculo ia a meio, Florence anunciou que seria acompanhada por uma amiga que também estava no festival: Ethel Cain, claro. Juntas, interpretaram “Morning Elvis”, do seu mais recente ábum, e aquilo a que assistimos foi um momento de amor, amizade e empatia – como, em boa verdade, sentimos durante todo o espetáculo – , além de duas vozes tão diferentes mas que tão bem encaixam.
Eram quase 21h30 quando Florence e a sua banda abandonaram o palco. Seria tudo? Apesar de ter sido um pouco mais de uma hora de concerto, sentíamos que ainda não estava terminado. Não podia estar. Três minutos depois, a banda regressava ao palco, acompanhada, claro, de um aplauso efusivo do público. Florence confessou estar nervosa em relação ao espetáculo antes de ele começar, mas disse ao público “you have actually just made it wonderful”. Com um profundo agradecimento a todos os que cantam as suas canções há quase 15 anos, interpretou um tema que disse ter deixado há algum tempo, pois, quando o escreveu, era jovem e estava um pouco bêbeda, sem noção do que é estar realmente triste e, além disso, por ser um tema difícil de cantar.
Num momento muito emotivo, cantou “Never Let Me Go”, seguido de “Shake It Out”. Anunciou um pedido de “human sacrífice”, durante o qual as pessoas teriam de se ir encavalitando sobre os seus amigos, enquanto Florence ia contado o número de pessoas que o fazia e agradecendo, em tom jocoso, o alimento que lhe estavam a proporcionar. Foi este o mote para “Rabbit Heart (Raise It Up)” e o final de um concerto absolutamente maravilhoso.
Florence é humor, é força, é empatia, é uma forma de arte tão bela que é difícil adjetivar.
Foto de: MEO Kalorama
Nota: O Echo Boomer não tem reportagem fotográfica, todas as fotos utilizadas estão disponíveis nas redes sociais do MEO Kalorama.