Foram quase duas horas de um espetáculo emotivo, intenso e de grande partilha.
Foi no passado dia 11 de setembro, sexta-feira, que Mayra Andrade voltou a pisar uma das salas mais nobres do país, o Coliseu do Porto. Inicialmente agendado para abril, o concerto da digressão mundial Manga finalmente realizou-se depois de ter sido adiado devido ao Estado de Emergência.
O público foi entrando no recinto a conta-gotas, respeitando todas as normas e esforços do staff para garantir o distanciamento e consequente segurança dos presentes. E foi já com uma hora de atraso que a artista cabo-verdiana entrou em palco num Coliseu do Porto lotado (dentro do possível) debaixo de uma enorme ovação.
“Afeto” deu início a um espetáculo que seria carregado de emoções, depois de uma longa paragem forçada da cantora. São tempos desafiantes para a cultura, pelo que foi caloroso poder assistir ao regresso de Mayra Andrade, nome incontornável da música a nível internacional que assinala em 2020 uns já incríveis 20 anos de carreira.
Desafiante foi também para o público que teve de se manter durante todo o espetáculo sentado e com algum afastamento dos seus entes queridos (e, claro está, com a máscara social). Não é, de todo, tarefa fácil manter a contenção perante a intensidade de temas como a “Vapor di Imigrason”, “Segredu”, “Manga” ou “Pull Up”.
Mas os presentes iam interagindo da forma possível: um pezinho a bater no soalho do Coliseu, a anca gingando numa curta deambulação pela cadeira, e os braços, esses sim, soltos. Tão soltos como Mayra em palco. A presença é gigante. A atuação é brilhante, tão brilhante quanto o seu vestido.
O público portuense mostrou o seu agrado ao mais recente álbum Manga, lançado em 2019, onde somos contemplados com uma mescla de sonoridades que vão desde o afrobeat, passando pela música urbana e ritmos tradicionais cabo-verdianos. Um álbum cantado em português e crioulo cabo-verdiano que foi gravado entre Paris e Abidjan, na Costa do Marfim.
Mais emoções estavam reservadas para os dois encores com que a artista decidiu brindar os presentes. Orlando Pantera e Kaka Barbosa (músicos cabo-verdianos e influências na música de Mayra Andrade) foram homenageados com as canções “Reserva Para Dois” e “Ilha de Santiago”.
E numa altura em que algum público já se tinha dirigido para a saída, eis que Mayra surpreende e volta a entrar em palco para terminar com o belíssimo e arrepiante tema “Guardar Mais”, com composição de Sara Tavares, que aborda com imenso carinho o papel da “vóvó Eugénia” na vida da artista.
Foram quase duas horas de um espetáculo emotivo, intenso e de grande partilha. Não está a ser um ano favorável para nenhum setor devido à pandemia, mas principalmente para a cultura, e eventos como estes são urgentes para manter a chama acesa de um ramo constantemente negligenciado e pouco apoiado.