Marvel Cosmic Invasion é, definitivamente, um brawler sólido com o ADN que as produções da Dotemu já nos habituaram, mas que joga demasiado pelo seguro para se tornar num dos grandes nomes do género.
Marvel Cosmic Invasion, tenho más notícias para ti. Talvez esteja a ser demasiado dramático, mas sinto que alguém precisa de te explicar o que vai acontecer no futuro. Eu sei que és um jogo de ação, um Brawler à antiga, editado pela Dotemu e produzido pela Tribute Games (Teenage Mutant Ninja Turtles: Shredder’s Revenge, Panzer Paladin), fortalecido pela licença da Marvel e protagonizado por alguns dos maiores e mais populares heróis do género. Quero também reforçar que és fruto desta combinação forte de nomes e experiências, e é possível ver a influência destes estúdios na tua jogabilidade e direção de arte. O teu combate é sólido, o sistema de progressão é uma continuação do que vimos em TMNT: Shredder’s Revenge – onde os jogadores podem evoluir as personagens que utilizam com maior regularidade – e a arte e animações dos modelos são muito fluídas, ricas em detalhes e cor. Então qual é o problema? Decidiste sair no mesmo ano que Absolum.
Agora, mais a sério. Não quero ser injusto e descartar as qualidades de Marvel Cosmic Invasion apenas porque existe um jogo que é objetivamente melhor. A verdade é que Marvel Cosmic Invasion é um bom jogo, bastante sólido e representativo das qualidades do género, com um bom leque de personagens, que apresentam ataques, combinações, técnicas defensivas e atributos que os tornam suficientemente únicos em combate. A campanha é uma mescla de nomes, locais, referências e vilões que os fãs da Marvel irão certamente reconhecer, mas é também variada no que toca ao número de cenários únicos. É uma campanha extensa, muito mais do que esperava, e mesmo que não tenha o mesmo cuidado visual de Shredder’s Revenge (com um mapa-mundo mais vivo e repleto de personalidade), o novo jogo da Tribute Games compensa esta falha ao dar-nos níveis com temas visuais bastantes definidos e que constroem uma sólida sensação de progresso narrativo ao longo da campanha. Se começamos nas ruas de Nova Iorque, a lutar contra criaturas mutantes, não demoramos até estarmos no espaço a combater Thanos, Knull e a salvar Silver Surfer do controlo mental do vilão, Annihilus.

O tema principal de Marvel Cosmic Invasion é a cooperação e isso é sentido especialmente na jogabilidade. Com 15 heróis disponíveis, entre eles nomes como Spider-Man, Wolverine e Iron Man – e contando com nomes menos sonantes como Nova, Cosmic Ghost Rider, Phyla-Vell, entre outros -, o sistema de combate foca-se na troca entre heróis e na combinação dos seus ataques. Podemos criar equipas de dois heróis e é possível jogarmos com mais três jogadores, naquela que é uma das experiências mais caóticas, mas igualmente variadas em termos de combinações de heróis e poderes que podemos encontrar neste género. A troca de heróis é instantânea e ajuda-nos não só a prolongar uma combinação de ataques, mas também a usufruir das habilidades de cada personagem sem existirem pausas ou interrupções na ação. Em combate, podemos também chamar temporariamente os nossos companheiros para lançarem um dos seus ataques ou combinações, sacrificando parte da nossa barra especial para termos esta vantagem momentânea.
Com 15 heróis, temos acesso ao dobro ou até ao triplo de variações de equipas que podemos utilizar em combate. Esta variedade é enaltecida pelas habilidades únicas de cada herói, mas também pelo seu foco na defesa ou na mobilidade. Podemos criar, por exemplo, uma equipa com a She-Hulk e a Phoenix para um maior foco na defesa, já que ambas as personagens conseguem defender qualquer ataque e até realizar parries. Também é possível o inverso e escolhermos uma equipa que se foca muito mais no desvio e na movimentação rápida, como Spider-Man e Rocket Raccoon, capazes de evitar qualquer ataque se formos suficientemente rápidos, ou então combinar o melhor dos dois e utilizar uma equipa equilibrada entre desvio e defesa.
A progressão da campanha e a motivação para revisitarmos os vários níveis de Marvel Cosmic Universe inspira-se muito naquilo que a Tribute Games fez em Shredder’s Revenge. Não só temos o sistema de evolução das personagens, com a melhoria de atributos sempre que evoluem um nível, como os desafios voltam a estar em destaque. Divididos em grupos de três, estes desafios não são propriamente inovadores e surgem em vários tipos, como eliminar inimigos com um ataque específico, evitar o dano de ataques ambientais ou derrotar um boss com uma determinada personagem. Alguns desafios são verdadeiros testes de paciência e mais de 70% requerem a utilização de equipas específicas, o que obriga a uma constante rotatividade de heróis se queremos completar o jogo a 100%.

Num primeiro contacto, Marvel Cosmic Universe parece ser uma continuação de Shredder’s Revenge, com uma jogabilidade igualmente sólida e acessível, mas sempre difícil de dominar, e uma direção de arte que combina o melhor da Marvel com a excelente animação e pixel art da Tribute Games. No entanto, Marvel Cosmic Universe sabe a pouco. Uma versão destilada e ultra simplificada de algo que já joguei, o que originou um verdadeiro choque mental à medida que avançava pela campanha e pouco sentia com as cinemáticas e set pieces da campanha. Enquanto jogava, apercebi-me que o hub não tem qualquer personalidade, uma linha quase reta de níveis, sem a atenção ao pormenor de Shredder’s Revenge. Uma campanha que apresenta ramificações na sua estrutura, mas que são apenas uma ilusão, uma vez que é impossível fazer escolhas ao longo da narrativa ou seguir um caminho que nos levará a um final diferente.
De facto, Marvel Cosmic Universe parece querer ser mais do que um jogo de ação linear e existem escolhas de design que revelam essa vontade, já que o jogo não só aposta na rotatividade de heróis e apresenta ramificações temporárias na estrutura – e existe um nível que nos deixa escolher o caminho para chegarmos ao boss, mas é um caso perdido no meio da campanha –, como a narrativa tenta conciliar todas as personagens para dar a ilusão de que estamos de alguma forma a moldar a progressão da campanha. Mas é uma ilusão. As cinemáticas são pré-definidas e restritas a certas equipas, o que significa que não temos quaisquer desvios narrativos. E é estranho assistirmos a uma cutscene pré-definida com personagens diferentes das nossas.
O sistema de combate também apresenta algumas limitações inesperadas, muito pela simplificação dos movimentos e combinações que temos ao nosso dispor. Como Marvel Cosmic Universe apoia-se demasiado na rotatividade entre personagens, a lista de ataques parece ter sido reduzida e demasiado simplificada. Todas as personagens seguem o mesmo leque de combinações, variando nas suas habilidades especiais e no seu foco na defesa ou desvio, o que limita imenso a nossa vontade em experimentar outras personagens a longo prazo. Fora a velocidade dos movimentos ou a introdução de ataques à distância, como as fénixes da Phoenix e a arma de Cosmic Ghost Rider, as personagens são muito idênticas e não temos a possibilidade de aumentar o seu arsenal de armas ou habilidades ao longo da campanha.

Eu estou a cometer um dos maiores erros que podemos cometer na crítica, que é criticar o que não está presente no jogo. Esta é uma armadilha constante quando escrevemos uma crítica, seja para videojogos ou qualquer outra arte. É preciso distinguir entre aquilo que o videojogo é e aquilo que nós queríamos que fosse. Este é um pecado crítico e admito que não estou a ser imparcial ao criticar Marvel Cosmic Universe desta forma, mas não consigo esquecer que Absolum existe, também editado pela DotEmu. Absolum é um dos melhores brawlers que joguei nos últimos anos, muito pela forma como expande constantemente o leque de ataques e habilidades por personagens, mas também pela forma como concilia a ação com a natureza sistémica dos roguelikes, conseguindo criar ramificações na campanha e dar maior agência aos jogadores sem condicionar a jogabilidade assente nos confrontos físicos.
Marvel Cosmic Universe não é um roguelike, é a experiência destilada dos brawlers, mas é também uma indicação do estado atual do género. Depois de Street of Rage 4, TMNT: Shredder’s Revenge e indies como The Takeover e The Friends of Ringo Ishikawa, o novo jogo da Tribute Games sabe pouco. Não há uma sensação de risco neste jogo, não há ambição ou uma vontade sincera em elevar a jogabilidade que associamos ao género. É um bom jogo, e reforço isso, mas é também demasiado seguro. Até o level design não é surpreendente, apesar de não precisar de ser propriamente robusto ou variado para funcionar neste género. É difícil ignorar Absolum enquanto falamos sobre Marvel Cosmic Universe porque a mente viaja. Entre níveis repetitivos, personagens idênticas e a falta de evolução mecânica, começamos a pensar que já jogámos melhor e que não nos estamos a divertir-nos como queríamos. Esta foi a minha experiência, esta insatisfação constante, ao ponto de me ter obrigado a terminar a campanha só para sentir que vi tudo o que o jogo tinha para me dar. Por mais desafios, colecionáveis e desbloqueáveis que possa dar aos jogadores, Marvel Cosmic Universe é consistente na sua banalidade.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Dotemu.
