Márcia: “Eu faço música para viajar internamente”

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Márcia falou com o Echo Boomer sobre o novo álbum Vai e Vem, lançado recentemente, e contou como este novo trabalho contém uma carga pessoal mais significativa oriunda de um processo de metamorfose notório, bem como de liberdade interpretativa, desde o lançamento do seu primeiro EP (2009) até agora. O concerto que se vai realizar na Casa da Música, no dia 20 de fevereiro, também foi um dos focos desta entrevista.

Andreia Parente: O disco Vai e Vem foi lançado recentemente, no dia 12 de outubro. Denota-se uma sonoridade bastante distinta. Quais foram as influências que marcaram este novo disco?

Márcia: Sim, que diferença é que sentiste?

Na parte das guitarras, sem dúvida. Senti um power nos arranjos das melodias, equiparado com os restantes álbuns. Também foi evidente notar uma Márcia mais madura e poderosa, a nível musical.

Eu também senti esse poder, sim… Sabes, muitas vezes sou conotada como a cantora doce, e a vida não é só isso… E isso tem a ver com a maneira como a música surgiu na minha vida. Eu tocava muito sozinha no meu quarto e muito baixinho. Fazem 10 anos agora, desde o EP com A Pele que há em mim (2009), de palco, de discos e de vida de espetáculo… É natural que as coisas comecem a puxar por mim, já é o espetáculo que puxa por mim. Como tal, arrisquei mais com a voz, com a interpretação e guitarra elétrica.

Senti mesmo que houve uma mudança na melodia de algo mais doce para uma sonoridade mais concreta e amadurecida, desde o lançamento da Pele que há mim para o Vai e Vem.

Sim, sabes que quando eu lancei esse EP, eu só fazia guitarra e voz e não sabia que arranjo poderia fazer. Às vezes, perguntam-me porque demorei tanto tempo a gravar se tocava desde os meus 13 anos. Sim, eu estive sempre à procura dos arranjos perfeitos, acho que quanto mais vou criando e mais discos componho, mais vou tendo a certeza, e este disco já é muito mais assertivo e já tenho muito mais a certeza do que pretendo fazer. Eu produzi muito deste disco.

A: Qual foi o motivo ou o porquê do álbum se intitular de Vai e Vem?

(risos) É uma pergunta que faz todo o sentido. O disco é todo muito evasivo, eu faço música para viajar internamente e também música que eu sempre ouvi e sempre me ajudou a viajar para fugir dos momentos menos bons ou a suportar momentos menos felizes ou até a evadir-me por prazer e a resgatar-me do tédio. E este disco é cada vez mais uma viagem, culmina com aquela música de instrumental enorme, que é a música da viagem toda (eu chamo-lhe a música da “viagem toda”), é para uma pessoa ir a conduzir e a contemplar. Considero-me muito contemplativa, observadora e aquela música é para acompanhar essa viagem, um instrumental grande para complementar aquilo que estamos a ver.

Agora neste espetáculo, dia 20 de fevereiro, vamos fazer o contrário. Vamos complementar o espetáculo conseguido pôr os vídeos como fundo do concerto. Os vídeos vão conter uma desconstrução de imagens que eu imagino nas músicas e depois há esta equipa toda a trabalhar nessa ideia. Conseguimos desta vez. Nunca tinha sido possível, ao longo destes 10 anos, inserir o vídeo em espetáculo nenhum. Tinha de ser algo muito bem trabalhado, não podia ser algo que distraísse durante o concerto. Portanto, foi tudo muito bem pensado e estruturado.

A: Então o concerto na Casa da Música vai ser um espetáculo mais lúdico?

 Sim, é um concerto mais completo. É muito desafiante e muito construído. Está bem fechado, trabalhado do início ao fim.

A: Ao longo do álbum podem ouvir-se duetos com António Zambujo, Samuel Úria e Salvador Sobral. Estes três músicos foram escolhidos por alguma razão em especial ou foram os próprios que sugeriram a ideia?

Por acaso o Salvador Sobral deu a ideia de fazermos um dueto antes de participarmos no Festival da Canção, mas estávamos sempre a adiar pelo facto de ter sido mãe nessa altura, por esse motivo foi difícil combinar algo com ele. Contudo, ficámos de marcar a seguir ao Festival, continuamos sempre a falar nisso devido ao facto de ele cantar uma música minha, “Camadas”, do outro disco. Mais tarde, acabámos por ser atraídos pela felicidade de ele ganhar o Festival da Eurovisão e acabei por o convidar. Quanto às duas restantes colaborações, o Zambujo é meu amigo e o “Sami” uma colaboração de longa data.

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A: Como caracteriza a Márcia do disco , produzido em 2011, com a Márcia do disco Vai e vem, em 2018? Quais as diferenças mais visíveis, tanto a nível pessoal como enquanto cantora?

Bem, o EP consistia só em guitarra e voz, depois o  foi muito mais arranjado, sobretudo pelo Luís Nunes e o Walter Benjamim, que agora é somente conhecido como Benjamim. Inicialmente, fui com a produtora do disco mas ainda não sabia muito bem. Ele trabalhou muito esse disco, pode-se dizer que tem a assinatura dele. Daí fui construindo um caminho, uma identidade, tendo sempre noção dos arranjos que pretendia fazer e de que forma transmitia esse meu mundo interno para a música. Para além disso, também há algo muito importante, quando chegas a uma determinada fase, sem contar necessariamente com a idade, mas sim com a maturidade, consegues assumir que não existem decisões certas ou erradas.

Há, sim, decisões, e deves assumir as tuas próprias decisões. Foi aí que consegui ter essa liberdade, que acabei por dar a mim própria e assumir as minhas decisões. Desse modo, acabo por decidir o que fica ou o que não fica e assim vou caminhando cada vez mais nessa direção. Este último disco é muito “eu”. O meu guitarrista quando postou a capa do disco disse: “este disco é ela”.

Os músicos que trabalham comigo há bastante tempo, como o meu marido, o meu guitarrista e o meu roadie, sentiram que este disco era mesmo “eu”. Foi uma sensação incrível sentir que se conseguiu esse feito, é necessário um percurso enorme, seres completamente fiel a ti e sentir que conseguiste transmitir o pretendido. O resto depois já não controlas! (risos)

Podemos dizer que se nota que este álbum tem uma tendência para desamores, assim como os anteriores. Inspiras-te na tua vida pessoal, para essa tendência ou simplesmente gostas de escrever músicas com uma carga emocional mais triste?

Não escolho o que escrevo, mas penso ser importante saber falar das partes difíceis ou negras das coisas. Acho muito importante assumir a profundidade dos sentimentos, se rejeitarmos a tristeza da vida, nunca saberemos ser felizes. A tristeza faz parte da vida, a tempestade também faz parte da vida e, para mim, tudo isso deve ser assumido e deves mesmo esperar por isso, há momentos assim.

Gosto muito de escrever sobre esse tema por existir sempre uma sensação de superação. A vida não é evidente, as relações também não são evidentes, ninguém espera que fiques com a mesma pessoa até ao fim da vida. Pode acontecer, e se acabar por acontecer é lindo, se não acontecer ninguém morre e tens de saber superar essa perda. Já mudamos de vida inúmeras vezes, as coisas vão e vêm.

Lá está o “vai e vem”, como o título do último álbum.

Sim, é por isso que há um vai e vem, podes pensar que sabes tudo, ter muitas certezas num determinado momento da vida, e depois levas um “choque de realidade”. Existem experiências que ensinam muito, por exemplo deslocares-te para outro país e viveres experiências que nunca pensaste vir a ter. Gosto de ir aprendendo com isso, mas eu sou uma observadora, se eu não escrever sobre o que vejo estou a ser mentirosa.

Já falámos anteriormente sobre este tema, mas participaste no Festival da Canção, em 2018, com a música “Agora”. O que retiraste dessa experiência?

Bem, retirei a própria música, que se encontra no meu disco. (risos) Essa música só nasceu porque na altura tinha acabado de ser mãe pela segunda vez. É sempre uma fase muito conturbada e tinha de terminar uma música. Eu tenho muitas músicas começadas e o Festival da Canção “forçou-me” a terminar de compor a canção e também foi um rasgo interpretativo. Não costumo mandar berros e apetecia-me imenso gritar ao cantar. Isso acabou por ser um click e no meu último disco consegues ouvir isso mesmo. A “Agora” foi como um desbloqueador a nível vocal e já valeu por isso.

Fotos de: Joana Magalhães

Texto: Andreia Parente

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