Uma tentativa em combinar os RPG de ação com mecânicas de roguelikes e a construção de cidades do género de sobrevivência, que nunca consegue encontrar o seu ponto de equilíbrio
Como um “Nostradamus dos 300” permitam-me fazer uma previsão que servirá para pouco (talvez até para nada), mas tenho de tirar este pensamento da minha cabecinha e expô-la ao mundo: o roguelike vai ser o novo RPG. Esta comparação não reflete propriamente a popularidade dos roguelike em comparação ao RPG, até porque acredito que o primeiro é um género muito menos acessível e demasiado assente na dificuldade para gozar da mesma popularidade dos RPG, mas tal como eram poucos aqueles que apreciavam combates por turnos e ficavam confusos com pontos de experiência e árvores de habilidades, também considero que iremos assistir à apropriação crescente de elementos dos roguelikes para outros géneros. Se hoje em dia temos jogos de ação, aventura, ritmo, até desporto, com mecânicas RPG, acredito que o mesmo irá acontecer com os roguelikes e os seus sistemas de recomeço, aleatoriedade e progresso temporário. Tudo isto envolto numa cápsula mais fácil de engolir por parte de um público restrito de jogadores que quer conhecer melhor o género, mas que é incapaz de gramar com tudo aquilo que o género representa.
A minha leitura talvez seja exagerada, mas os sinais estão lá. Como um teorista da conspiração, ao lado do meu quadro de cortiça, reparo que as mecânicas procedimentais começam a ser uma resposta para cortar a repetição de outros géneros, quase como uma solução para uma experiência híbrida entre os jogos de serviço e F2P com as campanhas a solo ou cooperativas dentro e fora das componentes online. É provável que esteja errado, mas Lynked: Banner of the Spark, da FuzzyBot, catapultou-me para esta sucessão de ideias porque é literalmente uma combinação entre géneros, onde os roguelikes são uma migalha que se destaca através da jogabilidade; não só pela sua crescente dificuldade, mas porque Lynked nem sempre sabe o que quer fazer com essas mecânicas de recomeço e desafio. Então temos um jogo que se pode jogar online e offline, a solo e com os amigos, numa campanha dividida por missões principais, secundárias e até expedições, onde podemos colecionar mais recursos e encontrar sempre um incentivo para repetir objetivos que são, na verdade, arenas de combate com pouco para oferecer. É uma desculpa para repetir cenários porque são procedimentais, a ordem nunca é a mesma, e a experiência de combate depende da aleatoriedade.
Lynked: Banner of the Spark é um pot-pourri de géneros. Num primeiro contacto, é um RPG de ação com uma campanha que se divide entre cinemáticas rápidas e sempre in game – que contam a história do planeta Terra, séculos no futuro, onde a Humanidade foi obrigada a escapar devido ao impacto climático no planeta – e missões simples que se baseiam quase exclusivamente no combate contra hordas de robots. Estas missões podem variar em termos de cenários ou então nas suas tarefas adicionais, que podem requerer a utilização de um tipo de arma específico ou então a companhia de um dos NPC disponíveis. Depois descobrimos que Lynked tem os tão populares elementos roguelikes, uma pitada para aguçar a dificuldade – e que resultam, sem dúvida, já que o combate é muito rígido e os frames de invencibilidade são tão inexistentes que estamos constantemente a sofrer dano e a sermos obrigados a recusar perante a resistência dos inimigos até mais fracos – e que se traduz em missões mais desafiantes, cujas arenas alternam na sua ordem sempre que voltamos ao início, tal como as recompensas, mods, armas e recursos que podemos encontrar.
Entre géneros, encontramos a verdadeira alma de Lynked através do foco nos modos online e cooperativos. Admito uma falta de conhecimento sobre os jogos mobile e gatcha, e sei que Lynked não se insere nesses modelos, mas há aqui algo inerente ao loop diário de recompensas e missões que encontramos em títulos do género. Lynked quer emular a experiência social e criar uma maior necessidade cooperativa entre jogadores, com missões diárias e a possibilidade de aumentarmos não só a nossa amizade com os NPC, mas também a nossa própria cidade. As comparações a Animal Crossing, por exemplo, são válidas porque Lynked aposta não só na reconstrução da nossa comunidade, desde casas até a elementos decorativos, como podemos gerir os habitantes, realizar tarefas e até oferecer prendas e comida para aumentar o nível de amizade. Estes sistemas estão ligados ao combate, claro, e é através das missões que encontramos os recursos necessários. Com valores avultados, a aquisição de armas e modificações obriga à repetição de missões, que convida, por sua vez, à cooperação com outros jogadores para mitigar o cansaço acumulado.
Desta forma, Lynked: Banner of the Spark apenas adota algumas mecânicas roguelike, apesar de ser identificado como tal. Prevejo que este seja o futuro para muitos outros títulos, especialmente no mercado independente, onde a necessidade de justificar a repetição de conteúdos e a fome em alimentar as componentes sociais – como aqui, que temos o incentivo de construir a cidade à nossa imagem – justifica a implementação de mecânicas que seriam menos acessíveis ao utilizador se fossem propriamente adaptadas. Mas não recomendo Lynked pela sua aproximação tímida ao género roguelike, antes ao loop da sua jogabilidade, demasiado dependente de missões repetitivas com um sistema de combate pouco fluído – mesmo com a variedade de habilidades e armas que podemos desbloquear – e com um sistema de construção que pouco complementa o aspeto social que apresenta, fora a criação de casas para NPC que, por sua vez, desbloqueiam mais missões idênticas às anteriores. No entanto, para os fãs do género e que procuram este loop entre “missão-loot-personalização” talvez Lynked funcione a 100%, mas não fiquei inteiramente convencido. Lynked ajudou-me a compreender que aqui há gato e que esse gato é a implementação de mecânicas roguelikes em mais jogos. Um gato muito estranho.
Cópia para análise (PlayStation 5) cedida pela FuzzyBot.