Para quem já acompanha a série, Infinite Wealth consegue ser de uma riqueza de nostalgia infinita. Infelizmente, consegue tropeçar na sua ambição e esquecer-se da suas origens humildes. Mais pode ser bom, mas nem sempre é melhor.
Embora seja bastante simbólico e um reflexo do status quo do crime organizado japonês, a verdade é que milhares de Yakuza viram-se desempregados e sem a possibilidade de reinserção na sociedade durante cinco anos. E é assim que Like a Dragon: Infinite Wealth abre: com um Ichiban a trabalhar no centro de emprego para safar quem o procura e para dar continuidade ao legado do antigo patriarca.
Mas tudo muda, quando um vídeo seu é exposto na Internet e o atira para a penúria, servindo de mote para o início de uma nova aventura que o leva até ao Havai em busca da mãe, que julgava falecida. É nesse estranho cenário repleto de “sunny beaches and mariske”, que Ichiban e o novo elenco se envolvem numa intriga que envolve a progenitora e o mundo do crime da região.
O lançamento de um Yakuza – peço desculpa: Like a Dragon, é sempre um motivo de festa aqui em casa. E uma tradição! Ela ocupa-se com as atividades secundárias e ganhando algum dinheiro em partidas de Mahjong e chama-me para o drama do enredo principal, que ainda intercalamos com as missões insólitas que dão cor a esta série já de conforto.
Mas algo mudou no paradigma da franquia: Toshihiro Nagoshi abandonou os estúdios RGG; houve mexidas na equipa de localização e a sociedade começou a influenciar a narrativa dos jogos. E como não há fome que não dê em fartura, levámos com três jogos assim de enfiada: o remake Like a Dragon: Ishin!; a expansão Like a Dragon Gaiden: The Man Who Erased His Name e a sequela Like a Dragon: Infinite Wealth num espaço de meses.
Ishin foi uma desilusão “daquelas”. Desde a história, abuso das semelhanças de personagens conhecidas, ao combate mal-amanhado (ou aos combates porque ainda eram vários modos e nenhum funcionava bem). Já Gaiden foi uma surpresa: um jogo que ninguém pediu para fazer a ponte entre três jogos, mas foi o que mais gostei neste trio. Encheu alguns chouriços nas suas poucas horas, mas o final foi um soco no estômago para quem anda nestas andanças desde o primeiríssimo.
Por último, este Infinite Wealth. Para um jogo que começou como uma peta, Like a Dragon tornou-se num dos melhores abanões à fórmula da série, sendo o espírito da jornada do herói e apresentando um dos melhores protagonistas desde sempre. Apesar de as origens serem semelhantes, Ichiban e Kiryu são noite e dia. Ichi sente-se como uma pessoal real, com um deslumbramento quase infantil e positivo perante a adversidade e o peso de uma das narrativas mais tristes. A sequela era apenas uma questão de quando… Até que bateu a apreensão…
Infinite Wealth não é um mau jogo, mas por cada lição aprendida, esqueceu-se de tantas outras. Para começar: o início é tão penoso, que se não fosse a minha devoção à série, tinha parado antes das dez horas. O primeiro Like a Dragon sempre tinha motivos para se demorar, afinal era um jogo novo com mecânicas novas, mas ainda assim conseguia ser mais fluido e cativante do que Infinite Wealth, que insistia nas migalhas de história, entre missões secundárias obrigatórias para explicar tudo e mais alguma coisa, sem nos dar a liberdade para explorar o novo mapa e as novidades ao nosso ritmo. Depois, Honolulu é das localizações mais desinteressantes desde que a série começou a arriscar para lá de Kamurocho — e o romper com o que torna estes jogos apelativos.
Se a ideia começou por ser curiosa, a execução deixou muito a desejar, tendo também sido uma oportunidade perdida de colaboração entre as equipas de localização. O efeito “lost in translation” até podia dar azo a momentos engraçados, mas foi só embaraçoso com o grosso do elenco (e transeuntes) a arranhar um inglês péssimo, de quem aprendeu as falas foneticamente. Podiam ter aproveitado a dobragem inglesa, em vez de termos personagens americanas a falar num japonês perfeito ou interações entre vários idiomas, onde todos se entendem. Podiam ter capitalizado nas fantasias do Ichiban e ido com uma pancada na cabeça para falar inglês ou ter engolido um babel fish. É tolo, mas ainda coerente. Não só isto, como não existe localização para algum conteúdo que o jogo oferece, como podcasts ou jornais.
Não obstante, o Havai deu-nos a conhecer Tomizawa, Chitose e o friorento Yamai, entre outras personagens interessantes, mas continua a pecar numa escrita de qualidade para o elenco feminino, relegando-as para eye candy. Enquanto os momentos de cumplicidade entre os companheiros conseguem ser engraçados e ternurentos, a história é desinteressante durante grande parte das horas, nunca atingindo os picos da prequela. E quando começa a ficar interessante, o jogo devolve-nos ao conforto do Japão, e revelar o motivo é estragar a surpresa a quem não quis acompanhar os trailers.
Nunca me esqueço do que disse o Ron Swanson – personagem de Nick Offerman em Parks and Recreation: “never half-ass two things. Whole-ass one thing”. O quer dizer, tal como em Marvel’s Spider-Man 2, Infinite Wealth não conseguiu lidar bem com os dois protagonistas. A história está desequilibrada e algumas ideias, mal executadas, notam-se que foram escritas em cima do joelho.
Agora, onde o jogo brilha é novamente no combate. Saltar do brawler para o combate por turnos foi um enorme risco e, mesmo com arestas por limar, foi das minhas melhores experiências que ainda repeti antes de pegar na sequela. E aqui está ainda melhor.
Há mais liberdade e já podemos andar pela arena, rodear ou flanquear o adversário, com os respetivos bónus de dano. É mais dinâmico com os companheiros que seguem os nossos ataques e não dão tréguas em combos que não terminam. Já as habilidades em dupla e mesmo os Poundmates são mais imersivos e interativos.
Mesmo a transição dos estilos do Kiryu foi bem conseguida. Mantém a essência dos jogos anteriores e deixa-nos alternar entre os turnos tradicionais e o combate livre. Desbloquear e mudar de especialidades é mais engraçado através de passeios turísticos, onde as personagens têm epifanias do que querem fazer quando forem grandes. E ainda permite reutilizar determinadas habilidades entre cada especialidade. Até o grind levou uma vassourada, com o premir um botão, eliminamos logo os adversários mais fracos para não perdermos tempo.
Não dá para soletrar Like a Dragon sem mini-jogos e aqui há paletes deles. Entre os da praxe das oito entradas, temos paródias a outras franquias, como uma espécie de Crazy Taxi Uber Eats; Pokémon Snap, mas em vez de monstros adoráveis, são pervertidos pelas ruas de Honolulu; Sujimon regressa, agora com uma Liga, combates e evoluções, para ensinar qualquer coisa ao jogo original; e a uma versão de Animal Crossing. E ai é, Like a Dragon, recicla assets? Então, tomem uma ilha deserta com todos os assets para criar um resort.
Like a Dragon: Infinite Wealth é um jogo grande – em escala e ambição, mas a sair uma sequela (porque vai), apreciava um nada mais de calma. Like a Dragon não tem de ser um Grand Theft Auto ou um Saints Row, pode e deve continuar na sua faixa sem descurar o que o trouxe até aqui. Pode ter mais brio, é gritante quando temos o elenco principal detalhado e os NPC sem qualquer detalhe ou expressão; ainda a questão da localização inconsistente ou ainda com bastantes gralhas desde as últimas entradas.
No futuro, o guião e o ritmo devem ser trabalhados. Ao passo que as histórias não têm de necessariamente refletir a atualidade dos Yakuza no Japão, a criatividade é mesmo o limite e há muito para revisitar. Porque se Yakuza (vá, Like a Dragon) perde esta essência, com o que ficamos?
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Ecoplay.
E daí que o Nagoshi saiu do RGG Studio? Yokoyama é o principal escritor da franquia desde 2005. Ele está na Sega desde 1999 e merece respeito. E o diretor desse jogo é o mesmo que dirigiu o jogo de 2020, Ryosuke Horii. Nunca tinha ouvido falar desse site. Parece que eu não estava perdendo nada.