Regressar ao mundo gelado do Québec e reencontrar o detetive privado Carl Faubert foi como reencontrar uma memória há muito perdida.
Eu sabia que tinha jogado Kona, um curto, mas igualmente ambicioso jogo de investigação e horror, mas pensava ter concluído a viagem de Faubert e descoberto todos os segredos por detrás dos acontecimentos bizarros nas terras gélidas do Canadá. Mas não podia estar mais enganado. Kona II: Brume surge sete anos depois, uma sequela direta, continuando exatamente onde terminara o primeiro título, com Faubert perdido num lago gelado em busca de William Hamilton e dos segredos que se escondem por entre o nevão que quase o matou. Uma surpresa agradável que expande a jogabilidade e natureza híbrida deste jogo de aventura e horror para cenários mais amplos com uma maior sensação de descoberta, mistério e até ação.
A proposta mantém-se próxima à que vimos em 2016, onde seguimos mais uma vez Carl Faubert a lutar pela sua vida enquanto tenta encontrar respostas para o misterioso caso de William Hamilton. Existem criaturas na bruma, escondidas entre a neve incessante e pouco natural do Québec, figuras que nem sempre são reais e que se misturam entre as lendas da zona e a ambição dos seres humanos que exploraram a terra para o seu propósito. A jogabilidade dá um salto lógico e muito natural para uma estrutura mais aberta, ainda que suficientemente linear para manter a sua aposta na aventura e investigação, com Faubert à procura de respostas por mapas mais extensos e repletos de pontos de destaque. Uma casa perdida na neve, uma mansão que esconde segredos, uma mina que nos oprime, uma estação que serve de refúgio.
São nestes pontos de interesse que Kona II revela a sua faceta de jogo de investigação, com Faubert a ter de encontrar pistas, resolver puzzles simples, tirar fotografias e interligar provas para compreender o que se passa à sua volta. Com um mistério principal, que dá continuidade à demanda que Faubert começou no jogo anterior – e que se intensifica à medida que as revelações mudam a nossa perceção sobre a zona gelada, ainda que sempre através de um ponto de vista bastante mais realista do que antecipava –, Kona II aproveita os seus décors ao máximo, com algumas das zonas de destaque a apresentarem vários andares, zonas secretas e múltiplas chaves e atalhos que podemos desbloquear enquanto o labirinto ganha forma na nossa mente. Um traço de aventura, mas também uma aproximação ligeira ao género de terror, nomeadamente na mansão de William, a primeira zona de destaque da campanha.
Apesar do mistério que se constrói ao longo das horas de investigação, a jogabilidade é muito mais acessível e assente num punhado de mecânicas que revelam também as suas origens nos jogos de aventura e exploração na primeira pessoa. Com um menu rápido, que acedemos através dos botões direcionais, temos acesso a armas, acessórios e ferramentas que nos permitem interagir de forma básica com objetos e cenários. A interação é diluída ao máximo, limitando-nos à recolha de recursos e à manipulação de objetos decorativos, com o decorrer da campanha a levar-nos de sala em sala em busca de chaves e peças de puzzles de forma simplificada. Mas esta escolha mecânica não é propriamente uma limitação, mais uma procura por foco. Mesmo com algumas sequências de combate, onde podemos utilizar um punhado de armas que descobrimos ao longo da campanha – como um revólver, espingardas, shotguns -, Kona II foca-se na ambiência e nos silêncios entre momentos de investigação, onde somos convidados a absorver o que nos rodeia e a traçar o que possa ter acontecimento no espaço agora vazio.
Entre pontos de interesse, encontramos a segunda faceta de Kona II, talvez a mais interessante das duas – ainda que a menos desenvolvida, se me permitirem esta contradição -, caraterizada através da exploração dos espaços exteriores e da sobrevivência de Faubert face ao frio extremo. A temperatura é implacável e a névoa dificulta-nos a visão enquanto caminhamos pelos campos do Québec, sejam cidades abandonadas, florestas esbranquiçadas ou lagos gelados. Para escaparmos ao frio, temos de encontrar abrigo e acender fogueiras para aquecermos Faubert, onde são introduzidas as mecânicas básicas de sobrevivência. Ainda que não seja abertamente um jogo de sobrevivência, os alicerces estão montados e Kona II faz o melhor que consegue com o pouco que decidiu adicionar à sua jogabilidade. Não temos de gerir o bem estar de Faubert, fora a sua temperatura, e os combates são muito espaçados ao longo da campanha, mas existe a necessidade de recolhermos recursos que facilitam a nossa missão. As pilhas, por exemplo, são essenciais para mantermos a nossa lanterna em funcionamento. Os cenários interiores são maioritariamente escuros, sem eletricidade ou luz natural, obrigando-nos a depender constantemente da lanterna para iluminarmos os espaços. Sem pilhas, a visibilidade é menor e a navegação torna-se mais confusa devido às semelhanças entre as salas que encontramos, e fica mais difícil de identificarmos as gavetas dos móveis e secretárias que escondem novos recursos.
A dificuldade é personalizável, com três modos à nossa disposição, mas o conceito de lutar contra os elementos está sempre presente e o Canadá é um cenário imponente para explorarmos. Precisava de mais zonas de interesse, tal como menos trechos de exploração com pouco ou nada para fazermos, mas é uma adição interessante ao que poderia ser um simples thriller de investigação.
Apesar da sua constante utilização de clichés, tanto nas mecânicas de sobrevivência como nos momentos de investigação – não temos propriamente de resolver os casos, como em Sinking City, é tudo muito mais automatizado e guiado pelo narrador que enaltece todas as nossas ações –, Kona II consegue evitar um dos mais agravantes quando mal implementado: o sistema de crafting. Aqui não temos a opção de criar balas, itens de cura ou desenvolver ferramentas e acessórios para as nossas armas. Kona II afasta esses elementos tradicionais e transforma os recursos em auxílios à exploração, dando aos jogadores a possibilidade de desbloquearem zonas anteriormente inacessíveis. Para tal, podemos utilizar os recursos para arranjar, por exemplo, escadas que nos permitem chegar ao topo de uma torre de vigia e ter acesso a itens valiosos. Esta opção também é aplicada ao remedeio de uma casa de sobreviventes, que acaba por funcionar como uma base de operações durante a segunda metade da campanha, e que exponencia a forma como influenciamos este mundo frio e maioritariamente imutável.
A junção entre ambas as partes que compõem Kona II: Brume nem sempre é eficaz devido ao ritmo da campanha. A exploração é um destaque, mas existe pouco para descobrir fora do caminho principal, à exceção dos tradicionais colecionáveis e achievements dedicados a atividades secundárias mínimas e sem grande impacto. As zonas de interesse estão separadas por lagos, caminhos e planícies geladas que oferecem pouco no que toca à agência do jogador, seja na forma como interagimos com estes cenários estáticos ou até no controlo do barco e trenó que utilizamos para navegar estas zonas. Não existe nenhum desafio associado e até a criatura que nos persegue, quando entramos na segunda parte da campanha, pode ser facilmente evitada se simplesmente corrermos sem parar na direção contrária.
Os momentos de investigação também são muito automatizados – encontrar objeto, desbloquear atalho, resolver puzzle fácil – e a navegação nos cenários interiores é mais cansativa do que tensa ou desafiante. Penso que a Parabole cometeu um erro ao afunilar a campanha imediatamente para um destes momentos, com a nossa chegada à mansão de Hamilton. Eu compreendo o seu intuito, um nível quase de tutorial alargado para nos ensinar mecânicas básicas e apresentar o sistema de combate, mas o ritmo e a tensão da campanha morrem com a apresentação deste espaço. O mistério não é interessante e a sua resolução perde impacto porque se arrasta durante demasiado tempo. Quando temos finalmente liberdade, parece que se perdeu algo e que não sabemos o que fazer com ela. Não existe nada inerentemente errado nesta escolha, mas, à distância, sinto cada vez mais que limitou a minha curiosidade no mundo do jogo.
Não encontramos aqui o fator surpresa do primeiro título, que se construía eficazmente entre um mistério bastante realista e humano com lendas e acontecimentos sobrenaturais da zona do Québec, desenvolvendo-se numa história que se focava mais nas suas vítimas e nos ecos do passado do que no seu protagonista. A sequela procura fazer o mesmo, mas a sua necessidade em dar-nos mais e mais respostas quebra algum do mistério e fascínio que acompanhara a primeira viagem pelo Canadá gelado. Apesar dos problemas de ritmo e da ausência de mecânicas profundas no que toca ao combate e sobrevivência, Kona II: Brume coloca-nos num mundo mais convidativo e com mais para descobrirmos, mas parece que ainda falta algo na criação da Parabole.
Cópia para análise (Xbox Series X|S) cedida pela Ecoplay.