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JUNG_E não é aquilo que os espetadores esperam.

Vivemos numa Era de cinema onde histórias pós-apocalípticas se tornaram (ainda mais) comuns. Sejam tentativas de criar uma narrativa “realista” ou peças sci-fi o mais imaginativas possível, este subgénero em particular deixou de possuir aquele fator surpresa, sendo raro encontrar obras que verdadeiramente se destaquem por fazer algo único. Yeon Sang-ho conseguiu tal proeza ao conceber Train to Busan, frequentemente aclamado como um dos, senão mesmo o melhor filme de sempre dentro do espetro “apocalipse zombie”.

Logo, as expetativas encontravam-se altas para JUNG_E, o mais recente mergulho do cineasta neste tipo de storytelling. Desta vez, Sang-ho vira-se mais para o sci-fi, colocando as personagens num mundo futurístico onde refúgios orbitais entre a Terra e a Lua, robôs de combate e AI extremamente avançado são parte do dia-a-dia normal. Para além de nada disto parecer inovador, a exposição inicial é demasiado repetitiva e ultimamente desnecessária – uma personagem chega mesmo a constatar “já sabemos disto, podem passar à frente?” – não ajudando com a desejada imersão dos espetadores.

De facto, se não fosse o nome de Sang-ho a estar associado a este projeto, não sei até que ponto a premissa seria insuficiente para conquistar a atenção do público devido à sua simplicidade formulaica. Planeta que deixou de ser habitável devido a mudanças climáticas? Humanos que forçados a ir para o espaço? Guerra entre diferentes entidades que surge devido a problemas económicos, políticos e sociais? Acredito que, com maior ou menor dificuldade, é possível mencionar centenas de filmes com estas caraterísticas narrativas. Sendo assim, o que tem JUNG_E para oferecer de diferente?

O espetador comum facilmente entra na Netflix e começa a ver este filme na expetativa de puro entretenimento visual guiado por inúmeras sequências de ação. Tais expetativas não podiam estar mais erradas. JUNG_E é um filme de guerra sem a guerra. Obviamente, existem momentos de ação intensos com um trabalho de stunts claramente proveniente de uma equipa sul-coreana, tal é o esforço e dedicação impressionantes em cada cena. No entanto, a história principal foca-se num estudo lento e profundo sobre o que significa ser humano com uma relação mãe-filha emocionante no seu centro.

Apesar de um desenvolvimento de personagem genérico, o passado da filha Seohyun – representada pela recentemente falecida Kang Soo-yeon no seu último papel – é explorado eficientemente, ligando pontos de enredo no presente que ganham mais relevo com o decorrer do tempo. Vários dilemas morais aumentam os níveis de tensão num argumento marcado por diversos diálogos instigantes sobre como certos comportamentos, mentalidades e maneiras de viver da humanidade nunca irão mudar, independentemente do cenário global. Pena que Sang-ho não consiga ir muito para lá da superfície com estes tópicos sempre interessantes.

Kim Hyun-joo interpreta Jung_E, um AI montado através de um método de clonagem cerebral e baseado numa lendária líder militar com atributos de combate fenomenais. Não sei ao certo se a atriz se envolveu na maioria das stunts, mas a julgar pelos takes longos e coreografias extensas, parece claro que Hyun-joo acrescenta uma componente física à sua prestação que a faz destacar do restante elenco. Elenco esse que, infelizmente, entrega performances demasiado exageradas com expressões e diálogos forçados, prejudicando uma eventual maior conexão emocional com as personagens, se bem nenhum ator conseguiria tornar Sang-Hoon (Ryu Kyung-soo) numa personagem mais apelativa de tão irritante que é a sua personalidade.

Do lado mais técnico, a banda sonora merece imensos elogios. Traz uma atmosfera épica a JUNG_E, especialmente no último ato onde a ação ganha algum – talvez até demasiado – tempo de ecrã. A produção artística é impecável, ao passo que os efeitos visuais são muito inconsistentes. Tanto oferecem imagens deslumbrantes como prejudicam a ação ao entregar determinados elementos CGI que parecem incompletos ou que requeriam mais tempo de trabalho. A sequência final tem os seus momentos, mas a dependência dos VFX é tanta que acaba por distrair mais do que entreter.

Finalmente, durante o último ato, Sang-ho toma uma daquelas decisões criativas que tematicamente e narrativamente encaixa que nem uma luva, mas que na prática também gera um problema visual. Por um lado, compreendo e aprecio a intenção do cineasta em querer transmitir a sua mensagem de que não é o nosso aspeto ou as nossas origens que decidem se devemos ou não ser considerados e tratados como humanos. Por outro lado, retira imenso valor de entretenimento a um clímax que tinha potencial para muito, muito mais.

VEREDITO:

JUNG_E não é aquilo que os espetadores esperam. Uma obra de guerra sem a guerra, Yeon Sang-ho deixa a ação pós-apocalíptica para segundo plano e foca-se num estudo eficiente sobre o que significa ser humano com uma relação mãe-filha emocionante no seu centro. Apesar de algumas prestações frustrantemente exageradas e de uma personagem em particular intoleravelmente irritante, a mensagem do cineasta nunca deixou de ser clara e bem-intencionada. Exposição desnecessária e efeitos visuais inconsistentes não ajudam a elevar uma premissa genérica, mas o trabalho de stunts impressionante, a banda sonora épica e alguns momentos de combate genuinamente cativantes tornam esta visualização satisfatória.

JUNG_E estreia dia 20 de janeiro na Netflix.

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