Hirogami tem uma boa ideia que nunca parece atingir um pico de qualidade aceitável, especialmente quando apresenta uma mecânica que merecia maior atenção e destaque
Não sei se é ironia ou tragédia, mas Hirogami é prejudicado pela mecânica que lhe traz alguma identidade. O jogo de ação e aventura da Bandai Namco, que decorre num mundo construído em papel, onde a arte do origami colide com a invasão do mundo digital – representado por glitches constantes, espelhados sobre os cenários e os vários adversários do jogo -, centra-se nas habilidades únicas de Hiro, um jovem de papel, mestre na arte do origami, que é capaz de assumir a forma de animais que encontra ao longo da sua aventura. Em segundos, Hiro é capaz de se transformar num armadilho, sapo e gorila, conseguindo utilizar as suas habilidades naturais para combater e navegar através dos cenários enquanto evita fogo, plataformas demasiado elevadas ou lianas que o ajudam a prevenir uma queda mortal. A possibilidade de trocar de forma é uma mecânica interessante e que funciona perfeitamente com a jogabilidade de Hirogami, mantendo-se fiel ao género em termos de acessibilidade e rapidez de controlos, mas que estagna também a diversão e progresso dos níveis ao depender regularmente da rotatividade entre poderes para realizar as ações mais mundanas.
A campanha de Hirogami é uma homenagem aos grandes jogos de plataformas e assume um formato que certamente será familiar para todos aqueles que estão familiarizados com o género. Durante cinco horas, viajamos através de vários níveis divididos através de zonas distintas, cada uma delas com um elemento diferenciador, seja ele visual ou apenas mecânico. Esta longevidade expande-se ainda para o dobro se tentarem realizar todos os objetivos secundários e colecionar os acessórios únicos de Hiro, alguns deles que aumentam permanentemente os seus pontos de vida. O acesso às zonas é possível através de um mapa-mundo que serve para pouco, fora o contacto com alguns dos NPC do jogo e a aquisição dos já mencionados colecionáveis, mas que é pensado para mexer com a nostalgia dos jogadores e até criar a ilusão de profundidade e variedade onde ela não existe. Esta familiaridade expande-se para o design dos níveis, as escolhas estéticas, os “motifs” visuais – a floresta, a lava, os momentos de voo, os puzzles acessíveis – e o foco nas sequências de plataformas servem o género com alguma solidez, mas onde sentimos sempre que algo está em falta, como se as peças nunca encaixassem no seu devido lugar.
Esta sensação de vazio nasce, na minha opinião, da dependência desmedida da mecânica de troca. Isto pode parecer uma contradição, já que se trata da mecânica principal de Hirogami, aquela que dita e evolui a fórmula ao longo da campanha, mas é necessário compreender que existe necessidade e utilidade em diferentes medidas. A mecânica de troca é uma mais-valia e ajuda imenso podermos trocar entre formas a qualquer momento, bastando carregar em R2 e num dos botões do comando, para assumirmos a aparência de um dos animais. Assim que alteramos a forma de Hiro, a personagem ganha novas habilidades automaticamente e, como seria de esperar, cada habilidade tem a sua utilidade durante a exploração e também durante os confrontos. Seria incontornável utilizar esta habilidade sempre que possível, tal é a sua utilidade, mas é aqui que a boa intenção se transforma num buraco sem escape, onde a utilidade da mecânica é de tal forma inerente à jogabilidade de Hirogami que nada pode ser feito sem a troca de formas e todo o level design exige em demasia essa mesma troca.
Esta dependência torna a jogabilidade aborrecida e cansativa, ao ponto de sentirmos que uma simples ação, como um salto, deveria ser possível com qualquer forma, mas Hirogami não funciona assim. Cada forma tem uma função e essa função é imposta constantemente, ao ponto de obrigar-nos a trocar regularmente entre animais para navegarmos através de pequenos trechos dos níveis. Apesar da forma original de Hiro ter um duplo salto, rapidamente descobrimos que essa habilidade serve para muito pouco porque o jogo quer que utilizemos forçosamente a forma do sapo. As dimensões das plataformas enganam e criam uma sensação errada de distância e altura que condicionam a navegação. Nós sentimos que um salto de Hiro deveria ser o suficiente, mas não é. A métrica não combina com o ritmo de Hirogami e é obrigatório interiorizar que este processo de troca é uma constante e isso torna-se cansativo.
As habilidades até são úteis e não se trata de termos demasiadas opções à nossa disposição e poucas oportunidades para as utilizarmos, mas aqui é o oposto. O que é estranho, eu sei, mas Hirogami é mesmo um caso curioso onde só compreendemos o que esta salada de palavras quer dizer quando finalmente o jogamos e o sentimos em ação. Mesmo que as habilidades de rolar, saltar mais alto e destruir blocos de papel – do armadilho, sapo e gorila respetivamente – sejam úteis, o jogo torna-se demasiado previsível, automatizado e pouco inteligente na forma como combina estas habilidades. Se o level design já falha ao criar momentos de irritação e dúvida, com plataformas que deviam ser alcançáveis por qualquer forma, mas não são, com a falta de melhores animações e com tempos de resposta que tornam a jogabilidade ainda menos agradável a longo prazo. A isso soma-se ainda momentos em que temos de esperar que uma animação termine entre golpes ou os saltos que presentam arcos pouco satisfatórios, e uma navegação e combate que passam a funcionar quase em câmara lenta, onde nunca sentimos segurança nas ações que realizamos. Para piorar, a câmara fixa à personagem, que só podemos mover ligeiramente em quatro direções, ainda torna as plataformas mais difíceis devido à profundidade de campo.
Se Hirogami é capaz de conquistar através da sua direção de arte, ao apresentar um mundo feito em papel, com alguma criatividade na sua direção artística e até da banda sonora – inspirada por composições japonesas, utilizando inclusivamente um leque interessante de instrumentos japoneses -, este é um caso curioso que só funciona até começarmos a jogar. Como jogo de ação e aventura, Hirogami dá o seu melhor com uma campanha com vários níveis, zonas e momentos únicos, mas nunca se destaca assim que a jogabilidade sufoca a criatividade e torna monótono o que deveria ser um elemento-chave. Como jogo de plataformas, o título da Bandai Namco quer ser algo único, com uma mecânica principal forte, mas a repetição constante entre trocar transformações e a falta de polimento nos controlos e na câmara, estagnam aquele que poderia ter sido algo único e memorável. Hirogami é vítima da sua própria unicidade, um destino cruel, onde falha por ter tudo para ganhar e mesmo assim fez todas as decisões incorretas.
Cópia para análise (PlayStation 5) cedida pela Kakehashi Games