Fora alguns problemas de desempenho, Grime é uma adaptação interessante das mecânicas soulsborne ao género de ação e aventura 2D.
O início de janeiro, seja de que ano for – escolham o que vos deixar mais confortável -, é sempre sinónimo de recomeço. A gigante máquina de marketing está em recuperação da dura época festiva, das grandes campanhas e lançamentos, deixando as primeiras semanas de janeiro numa estagnação sofrível. É como se o tempo estivesse enterrado em melaço de tão lento que avança, como se a vida estivesse a obrigar-vos a repensar as promessas que fizeram com as doze passas na mão. Por falar em promessas, presumo que uma das vossas resoluções de ano novo seja terminar mais videojogos antes de comprar novos. Se for o vosso caso, então deixem-me falar de Grime, o próximo videojogo que vão comprar.
Talvez esteja a falar com confiança a mais, mas as primeiras semanas de janeiro são de dissimulação. É verdade que não temos grandes lançamentos até meados do mês e que esta é a época perfeita para eliminarmos o crescente backlog que nos assombra, mas não nos enganemos. A máquina continua a mexer e é mais fácil comprar algo novo do que voltar ao velho e inacabado. Acabei por cair nesta armadilha quando comecei finalmente Grime, que se estreou no final de 2022 nas consolas, perdido entre lançamentos de dezembro e a correria das últimas semanas do ano. Nestes primeiros dias de janeiro, não me foquei noutro jogo e Grime tem sido uma excelente companhia, ainda que necessitasse de algum polimento adicional.
Parte soulslike, parte metroidvania, Grime não se destaca mecanicamente quando comparado aos seus rivais, mas a Clover Bite foi capaz de fazer algumas alterações na jogabilidade que transformam o foco e a experiência deste RPG de ação pela positiva. A estrutura de Grime leva-nos a explorar um mundo interligado, onde encontramos regularmente barreiras na progressão que só podem ser ultrapassadas com a habilidade certa ou com a eliminação de um dos vários bosses deste mundo de pedra e carne. A exploração é movida por uma jogabilidade limada, com um level design focado na deslocação e na destreza dos jogadores, onde encontramos várias armadilhas que temos de evitar – como picos, veneno, mandíbulas que nos tentam devorar, choque, entre outras -, mas também segredos e novos atalhos anteriormente inacessíveis. As habilidades do nosso monstro de pedra são maioritariamente focadas na movimentação, como a possibilidade de um deslize rápido aéreo e a manipulação de objetos em campo para criarmos novas plataformas, e Grime nunca se torna cansativo devido ao seu equilíbrio entre exploração, combate e recompensas. A nossa curiosidade é sempre recompensada e é isso que nos mantém investidos em todos os recantos deste mundo intimidante.
Grime também se destaca pela estranheza da sua direção de arte, transportando-nos para um mundo vivo e grotesco, onde encontramos zonas que parecem ser as entranhas de uma criatura morta – com os cenários a apresentarem dentes e ossos como plataformas – e cavernas escuras que reforçam a melancolia desta realidade à beira do fim. Os cenários orgânicos são arrepiantes, mas existe uma harmonia na sua composição, com Grime a nunca perder a sua leitura em combate ou na exploração. As simbologias são fáceis de reconhecer até nas zonas mais intrínsecas e labirínticas, e existe uma preocupação palpável em dar ao jogador vários atalhos que o ajudem a voltar a um dos pontos de gravação ou a cortar a necessidade de realizar um enorme percurso só para enfrentarem novamente um inimigo. É visualmente intimidante e até surreal, mas no que toca ao design, Grime é bastante acessível e clássico, apresentando ainda uma funcionalidade de fast travel para conseguirem voltar às zonas anteriores em busca de novos segredos com as habilidades que já desbloquearam.
A vertente soulslike surge, como seria de esperar, através do seu sistema de combate, e Grime apresenta o tradicional best-of mecânico que representa este subgénero. A nossa personagem é capaz de realizar ataques rápidos e pesados, desviar-se do perigo, saltar, utilizar várias armas, equipar um conjunto substancial de armaduras e evoluir os seus parâmetros à medida que coleciona pontos de experiência. Para evoluirmos o nosso protagonista, temos os pontos de gravação, que, à semelhança das fogueiras de Dark Souls, permitem-nos adicionar novos pontos de vida, energia, força, entre outros. Quando somos derrotados, voltamos ao ponto de gravação, mas não perdemos os nossos pontos de experiência. O que perdemos é a acumulação de poder, uma das novas mecânicas de Grime, que determina a nossa destreza e força em combate e que aumenta de acordo com a nossa prestação nos confrontos e com o número de inimigos que eliminamos. Grime é, na minha opinião, uma experiência muito mais acessível para aqueles que conhecem bem os soulslike, procurando desafiar algumas das suas convenções sem perder aquilo que o torna único: o equilíbrio entre risco e recompensa.
No entanto, Grime tem dois sistemas que considero únicos na forma como são utilizados em combate. Apesar de servirem propósitos já conhecidos pelos jogadores, a sua adição dá uma nova dinâmica aos combates e muda o seu ritmo para criar uma jogabilidade mais centrada nos confrontos físicos e no contra-ataque rápido. Grime não tem uma opção tradicional de defesa, mas sim de parry, que permite bloquear ataques no momento certo. No entanto, esta mecânica tem outra finalidade para além de desarmar os inimigos em combate. Em Grime, a evolução da nossa personagem está associada à absorção dos nossos inimigos. Para o conseguirmos fazer, temos de desgastar a sua barra de vida e defender um dos seus golpes. A absorção dos inimigos desbloqueia novas opções de personalização, que podemos aceder nos pontos de gravação, e cria um sistema de combate que nos motiva a estarmos constantemente próximos dos nossos inimigos para aproveitarmos os seus golpes. Estamos sempre à procura de uma abertura, somos mais agressivos a ripostar e o jogo recompensa-nos se dominarmos o contra-ataque.
A absorção de inimigos poderia tornar Grime numa experiência ainda mais acessível e menos exigente, mas a Clover Bite conseguiu implementar entraves que obrigam os jogadores a não desvalorizar a dificuldade do jogo. Um desses impedimentos é a própria IA dos inimigos, que é muito agressiva e impiedosa se nos deixarmos cercar. Cada inimigo tem um leque interessante de ataques e habilidades, algumas delas impossíveis de defendermos, e basta termos mais de duas criaturas em campo para a dificuldade aumentar significativamente. Outro impedimento é a implementação gradual de trechos de vida impossíveis de absorvermos. Estes trechos são representados em cinzento e obrigam-nos a atacar os inimigos para conseguirmos chegar à fase em que podemos absorver os seus ataques e terminar o combate. Esta pequena alteração no sistema de defesa é tão simples, mas funciona tão bem. Os combates são mais rápidos, as recompensas são mais impactantes – ao absorvermos os inimigos temos a possibilidade de desbloquear habilidades passivas – e continuamos a sentir que estamos dentro de uma jogabilidade familiar. É uma mudança de foco inteligente e que acompanha a temática estética de Grime.
Uma novidades que poderá não ser do agrado da maioria dos jogadores é o sistema de cura. Tal como a defesa e a absorção, a Clover Bite decidiu mudar a forma como nos curamos em combate. A absorção não é apenas focada na defesa e acaba por criar ramificações em várias facetas da jogabilidade, incluindo o sistema de cura. Tal como noutros soulslike, temos a possibilidade de curarmos em combate, mas ao contrário da norma, não temos um número de itens ou de Estus Flasks para utilizarmos. Em Grime, temos a absorção. Para recuperarmos a nossa habilidade de cura, temos de absorver inimigos ou fontes de energia em campo, não existindo a possibilidade de acumularmos frascos ou plantas medicinais para utilizarmos mais tarde. Claro que podemos aumentar a barra de energia ao longo da campanha e ter acesso a mais do que uma utilização, mas Grime quer-nos em combate e exige que dominemos a defesa e a absorção dos inimigos. Uma mecânica não existe sem a outra e é através desta combinação entre funcionalidades que compreendemos que Grime é muito mais harmonioso e acessível do que pensávamos, reutilizando os seus sistemas para mais do que uma função sem necessitar de sobrecarregar os jogadores com novas opções. Não é, no entanto, uma adição inicialmente intuitiva e exige um período de habituação porque estamos habituados a ter sempre itens de cura disponíveis, mas Grime disponibiliza constantemente inimigos e fontes de energia para nunca estarmos em desvantagem – até durante os combates contra bosses, onde é possível assimilar partes do seu corpo.
Grime surpreendeu-me pela positiva e pelas suas alterações mecânicas à fórmula já conhecida dos soulslike, tal como a sua aposta numa estrutura mais próxima aos metroidvanias. É um jogo fácil de recomendar neste início de ano, que conta agora com o lançamento do DLC Colors of Rot, mas gostava que a versão para consolas fosse mais limada. Os bugs não foram recorrentes, mas registei quedas de desempenho, glitches nas texturas dos cenários, slowdowns em momentos inesperados e ainda o carregamento de zonas que, apesar de serem rápidos, surgem sem aviso e interrompem a imersividade. Não são, para mim, impedimentos ao divertimento que Grime proporciona, desde a mestria da sua jogabilidade aos cenários grotescos do seu mundo, mas é um testemunho à sua qualidade, onde os problemas se destacam apenas porque tudo o resto funciona tão bem. Não deixem Grime perdido no backlog, aproveitem janeiro antes que tudo volte ao normal.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Akuparagames.