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A Square Enix continua a apostar em projetos interessantes que são prejudicados por más campanhas de marketing ou pela falta de comunicação com o seu público.

A primeira impressão é importante. De certeza que já receberam este conselho ao longo da vossa vida profissional ou familiar. É uma dica tão simples, mas que envolve tanto, se pensarmos um pouco. A primeira impressão requer trabalho, organização e gestão de expetativas. É um primeiro contacto com quem não nos conhece e é necessário determinar o que é essencial para sermos conhecidos por terceiros. Esta sugestão é tão banal que qualquer adolescente, ainda a estudar, já a conhece, quase por osmose e sugestão dos pais, mas é interessante perceber o quanto a ideia de “primeira impressão” se mistura com a “necessidade de surpreender”. As duas deviam estar interligadas, e até certo ponto estão, mas a vontade de surpreender é falível, ao ponto de levar-nos a cometer erros crassos dos quais dificilmente conseguimos recuperar.

Forspoken é um caso de estudo de marketing e de narrative design. O novo título da Square Enix, produzido pela Luminous Productions – cujos membros da equipa trabalharam em Final Fantasy XV -, é o exemplo máximo do que pode acontecer quando falhamos redondamente a primeira impressão. O exclusivo PC e PS5 nunca fora um projeto claro junto dos jogadores. Ora um RPG de ação, ora uma experiência em mundo aberto, talvez mais próximo de Final Fantasy ou então um misto dos dois. A Square Enix parecia apostar no mistério para revelar aquele que seria um dos cabeças de cartaz da nova consola da Sony, mas era necessário levantar o véu e mostrar mais ao mundo. O foco da campanha de marketing não recaiu tanto sobre o mundo de Athia ou a experiência de combate de Forspoken, mas sim o tom jovial da aventura – que rapidamente descobrimos que contrastava com a ambiência mais melancólica da sua narrativa – e de Frey, a sua protagonista sem papas na língua. Seguiram-se vídeos infelizes, retirados do seu contexto, onde Frey regurgitava algumas linhas de diálogo que tentavam à força ser cómicas, leves e próximas ao público mais jovem. Um desastre completo.

Muitos apontam o lançamento da demo, semanas antes da chegada de Forspoken às lojas, como o verdadeiro prego no caixão da Square Enix e da Lumious Productions. Apesar de ser uma demonstração pouco interessante, que pouco explica as suas mecânicas aos jogadores e os coloca no meio de uma campanha cujo contexto permanecia confuso, não se enganem: foi a campanha de marketing que matou Forspoken. Foram poucos os jogadores que conseguiram jogar sem sentirem a influência dos vídeos que circulavam pela Internet e tantas outras vozes que já tinham determinado que Forspoken não era um bom jogo. Frey já era vista como uma péssima personagem, sem redenção, servindo de comparação para tantos outros jogos recentes que também se focaram no humor em demasia. A primeira impressão é importante, não é um mito.

Não posso recomendar Forspoken, infelizmente, mas posso defendê-lo. Forspoken não é o mau jogo que muitos pensam que ele é. O seu maior problema é ser pouco original e apresentar uma estrutura familiar aos títulos em mundo aberto, muitos deles galardoados pelos fãs e críticos, onde encontramos os suspeitos do costume: missões secundárias – que aqui se chamam literalmente de detours, ou desvios –, torres de vigia, missões de combate, cofres escondidos, labirintos, etc. Os conteúdos adicionais servem para encher as zonas absolutamente massivas de Athia, que se divide por biomas impressionantes na sua escala, mas mecanicamente vazios no que toca a novas oportunidades de exploração e combate. Esta expansividade alimenta, no entanto, as várias facetas de Forspoken e é o coração mecânico para uma longa aventura – que se pode chegar facilmente às 40 horas –, onde funcionalidades como o crafting ganham vida. Se explorarem Athia podem encontrar não só mais informações sobre a história deste mundo de fantasia, como têm à vossa disponibilidade capas, colares e verniz de unhas para melhorarem os atributos de Frey.

A abordagem de Forspoken ao formato mundo aberto é um pouco mais interessante do que a maioria dos seus contemporâneos. Em Forspoken, a movimentação é o seu ponto de destaque, com Frey a praticar o que podemos descrever de “parkour mágico”. A nossa protagonista é capaz de correr a alta velocidade, escalar qualquer montanha de Athia e sobrevoar os seus céus enquanto zonas extensas decoram o horizonte com montes, castelos e fortalezas abandonadas, cidades destruídas e alguma magia natural. Forspoken é um jogo que nos quer constantemente em movimento, seja a explorar Athia ou até mesmo em combate, com Frey a utilizar os seus pontos de stamina para evitar projéteis inimigos quase como uma dança. A sua velocidade consegue ser tão elevada que nem sempre é fácil controlar a sua movimentação e direção quando entramos num ponto de imersão, mas nunca deixa de ser divertido encontrar falhas nos cenários para conseguirmos escalar o que pensávamos ser impossível de escalar.

A progressão mecânica de Forspoken também é de louvar e não demoramos muito a desbloquear novas opções que expandem ainda mais o leque de habilidades de Frey. Ao fim de umas horas, recebemos a habilidade Shimmy, que permite a Frey saltitar entre distâncias de médio alcance à medida que mantém a sua corrida rápida. Com esta adição passa a ser tão fácil percorrer grandes trechos de mapa sem quaisquer preocupações, mais: Forspoken passa a ser ainda mais divertido. Depois temos a introdução de um gancho, que podemos lançar para vários pontos dos cenários, mas também em combate – com Frey a ser impulsionada na direção dos seus inimigos, uma excelente habilidade para mantermos a pressão durante os confrontos. Existem também várias formações de cristais que servem para impulsionar Frey no ar, o que nos dá a possibilidade de escalar montanhas em poucos segundos. Se combinarmos estas habilidades, conseguimos depreender o quão Forspoken se transforma ao longo dos seus primeiros capítulos e como o seu foco no movimento livre acompanha tão bem a aposta em mapas extensos. Também é necessário referir que estas não são as únicas habilidades que Frey tem à sua disposição, há mais para descobrirem.

O sistema de combate também é muito aliciante, no sentido em que oferece opções para vários tipos de jogador. Temos habilidades passivas, ativas e defensivas que podemos selecionar através de menus radiais, com Frey a conseguir combinar vários ataques ao longo dos confrontos. Podemos, por exemplo, utilizar a habilidade Bind para prendermos os nossos inimigos ao chão para depois lançar um ataque de área, como Genesis, para eliminarmos um grupo inteiro. A gestão das habilidades é inicialmente confusa devido ao número de opções que são oferecidas, mas o ponto de equilíbrio não demora a chegar. O facto de termos inimigos com fraquezas elementais ajuda nesta gestão e acabamos por compreender facilmente o que utilizar no momento certo.

Forspoken foca-se, em especial nas primeiras horas, num combate a médio e longo alcance, com as habilidades de Frey a focarem-se em projéteis e ataques de área. Esta aposta adiciona algum cansaço aos confrontos, alguma previsibilidade, no sentido em que são seguros e de dificuldade reduzida – muito auxiliada pela IA pouco empolgante dos vários inimigos em jogo. No entanto, Frey tem à sua disponibilidade outros tipos de magias que expandem o seu arsenal. O leque de magia de Sila, uma das vilãs de Forspoken, é o completo oposto das magias com que iniciamos a campanha, focando-se em ataques físicos e de proximidade, com Frey a invocar espadas de fogo e a utilizar golpes que a impulsionam para o centro da ação.

A repetição é inevitável, como seria de esperar num jogo em mundo aberto, mas o maior problema de Forspoken é o seu desempenho técnico em algumas partes de Athia. A queda na fluidez é constante em áreas mais exigentes, como aquelas afetadas pela Corruption – a maldição que está a consumir o mundo. Quanto mais intensa é a zona afetada, mais sentimos Forspoken em esforço, o que prejudica os combates e até a navegação dos cenários. Estes problemas estão presentes quando jogamos no modo Quality, onde permaneci durante as minhas horas com o jogo, e não sei se o mesmo acontecerá no modo Performance, mas a Square Enix e a Luminous Productions já anunciaram que estão a trabalhar em melhorias para Forspoken.

Não posso dizer que sou o maior fã de Athia e da sua mitologia, mas, até agora, a Luminous Productions conseguiu criar um mundo suficientemente intrigante para aguentar sobre si o peso de uma campanha longa. A criação do mundo e da sua narrativa nunca se assumiram como problemáticas ao longo da campanha de marketing de Forspoken, apenas misteriosas, mas falta responder à pergunta que estará na mente de todos os que pensam jogar ou que já decidiram ignorar Forspoken: Frey. O que vos posso dizer é que Frey é uma melhor protagonista do que a internet nos leva a crer. É verdade que sofre do fenómeno “epá, cala-te” ao estar constante a falar com a sua bracelete mágica, ou Vambrance, entre combates e exploração, mas é uma personagem com alguma profundidade e motivações claras. Frey quer fugir de Athia e as suas ações demonstram a irreverência da sua juventude, mas também do seu passado como uma pessoa à margem da sociedade que nunca a aceitou. Athia devia ser tudo o que Frey sempre desejou, um novo recomeço onde o destino estaria nas suas mãos e não de outros, mas não é isso que espera a jovem. Em Athia, Frey tem novamente o peso da responsabilidade sobre os seus ombros, munida com poderes que lhes são únicos e capazes de mudar o destino do reino, e a jovem quebra perante este choque de realidades. O que posso dizer é que as falas de Frey são combativas e reativas, mas encaixam no tom estranho de Forspoken porque são consistentes. É o equivalente a uma personagem que tenta ser tão boa em tudo o que faz para esconder as suas inseguranças.

No entanto, por mais que escreva e fale sobre Forspoken, as primeiras impressões já ditaram o seu futuro enquanto “videojogo para promoção”. Não há nada a fazer. Forspoken não é um jogo excelente ou memorável e encontra-se numa posição estranha no próprio catálogo da Square Enix, onde vai além de produções como Valkyrie Elysium e Star Ocean: The Divine Force no que toca ao seu orçamento, mas sem o polimento de um verdadeiro AAA. Forspoken não faz nada de novo, quase como se tivesse gosto em ser tão seguro, fora a sua aposta na movimentação – que, ainda assim, podemos argumentar que é apenas uma versão modernizada e ainda menos realista do que vimos em Assassin’s Creed -, mas é o que considero um jogo competente e sólido na experiência que procura proporcionar aos fãs.

Sabem qual é a parte mais irónica neste desastre de marketing? A fala que enervou o mundo inteiro, sobre braceletes falantes e lutas contra dragões, é dita de passagem durante a primeira hora do jogo e sem ser uma cinemática. Ainda dizem que a vida não é cómica.

Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Ecoplay.

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