Tal como os especiais de séries de televisão antigas, Fantasian Neo Dimensions é um jogo à antiga, para pessoas antigas, em tempos modernos. Será que ainda faz sentido?
Não consigo censurar quem ergueu os braços e clamou que Fantasian ia estar (finalmente) disponível em consola. Eu fi-lo! Afinal, não são todos os dias em que temos um novo jogo de Hironobu Sakaguchi, o pai de Final Fantasy, principalmente quando se brinca com a ideia de ser um dos últimos jogos antes da reforma merecida do senhor.
No entanto, também é injusto, porque sem a Apple, não teríamos Fantasian; sem a Microsoft, não teríamos Lost Oyssey e Blue Dragon; e sem a Nintendo, não teríamos The Last Story. A Mistwalker é um estúdio mercenário, indo para onde é desejada e financiada, e onde os nomes mais sonantes do género se juntam para criar os jogos que querem e como querem, com o dom de ainda nos remeter para bons velhos tempos. Se ainda os consegui seguir em alguns trabalhos, apenas falhei Fantasian por motivos óbvios, mas quem espera sempre alcança, não é?
Fantasian, agora Fantasian Neo Dimensions, é também sinónimo de reconciliações e novas oportunidades. Após uma saída pouco amigável em 2003, Sakaguchi e a Square Enix apertaram as mãos neste lançamento e muito porque o senhor ficou viciado em Final Fantasy XIV (tal como eu) e travou uma amizade bonita com Yoshi-P (nada como eu…). Yoshi-P foi a ponte necessária para finalmente começar, jogar e terminar este Fantasian, uma versão com arestas limadas, com visuais ajustados às novas gerações, com diálogos gravados e cinemáticas sincronizadas, com uma jogabilidade mais equilibrada e acessível, e foi lançado num pacote completo — ao contrário do jogo original nas plataformas da Apple, dividido em duas partes.
Reconheço que uso a expressão “carta de amor a algo” quando escrevo sobre jogos independentes, especialmente quando topo de onde bebem as inspirações, a personalidade, as mecânicas e as premissas. Afinal, é bem possível que tenhamos crescido com os mesmos jogos, neste caso: os JRPG. Usar o mesmo argumento com o pai da nossa série favorita é de uma audácia descarada, mas não desadequada. Fantasian não deixa de ser uma carta de amor aos JRPG da velha guarda. Uma certeza de que alguém não se esqueceu das origens e um desejo subtil de regressar a casa. Havendo um alinhamento de planetas, até pode acontecer. Espreitem os jogos que mencionei e vão reconhecer que são Final Fantasy em tudo, menos em nome: “A rose is a rose is a rose…” No entanto, não consigo sacudir aquela impressão miúda de que alguma velha guarda talvez seja demasiada velha guarda para mim.
Não vou mentir, eu adorei o jogo e as expectativas de anos foram mais do que satisfeitas, mas senti que havia alguma resistência em modernizar-se, como o facto de só podermos gravar em certos pontos – apesar de introduzirem checkpoints -, ou a frequência chata de combates aleatórios (com loadings a roçar os dez segundos na Nintendo Switch), se bem que a mecânica Dimengeon mitiga esse cansaço ou teria parado há muito como me aconteceu em Cris Tales.
O que esta mecânica faz é acumular os combates, a cada quatro passos, para os despacharmos em grupo numa dimensão paralela, a cada oito passos. Nesta dimensão, combatemos entre 30 e 50 inimigos de uma só vez, com recurso a modificadores que agilizam o processo de grind — podemos repetir ações, aumentar o poder de ataque ou limpar qualquer maleita. E se perdermos, temos logo a opção de recomeçar o combate. É um placebo e uma ideia engraçada que gostaria de ver implementada noutros jogos do género, se bem que serei sempre “fã” de poder ver os inimigos no mapa. Masnão contem muito com o tal grind, uma vez que Fantasian vai interromper o progresso com níveis de experiência reduzidos a partir de um determinado nível para puxar à estratégia, e não à força bruta.
Também ajuda o combate ser divertido! Tal como em Lost Odyssey e Blue Dragon, a Mistwalker não se ficou pelo clássico combate por turnos estático. Aqui, podemos manipular a área de ação das investidas, atacando individualmente, em linha reta, focando pequenos grupos, ou curvando a área de ataque para flanquear (como no filme de ação Wanted, onde a Angelina Jolie conseguia manipular a direção das balas). E não pode haver favoritos, porque o jogo pede que estejamos sempre a mudar a equipa para melhor nos adaptarmos aos combates na segunda parte. O que nos leva ao próximo parágrafo: Fantasian é inconsistente e o ritmo da história sofre por isso.
Esta versão remendou as duas partes lançadas anteriormente e sentimo-lo quando passamos de uma para outra. Um pouco como em Final Fantasy VI — com uma primeira parte mais linear e tradicional e uma segunda que repete os momentos da primeira, mas de forma mais vaga e focada no combate. Nesta segunda parte, é quando Fantasian “começa a sério”, quando nos deixa evoluir as personagens num sistema que lembra a Sphere Grid de Final Fantasy X, e quando podemos personalizar e adaptar à nossa forma de jogar as vezes que quisermos. É uma decisão estranha e tardia, que só consigo justificar pelo pico de dificuldade e os vários bosses que conseguem ser puzzles.
Parece que me estou a queixar, mas sempre que pensava em avançar para o final, lá me perdia no conteúdo secundário e nos bosses opcionais. Novamente, remeteu-me ao Lost Odyssey, onde só me faltou uma conquista: a de achar todos os baús.
E se continuar a comparar com Lost Odyssey, não lhes perdoo por voltarem aos contos (aqui, memórias) em formato de texto e narrados. Infelizmente, estes não atingem os mesmos picos emocionais do primeiro, que me fizeram chorar a cada nova leitura. Na verdade, digo-o de Fantasian e da qualidade da escrita geral, com uma história de lugares-comuns e clichés do género, desde o protagonista amnésico ao vilão com combates de várias fases que quer dividir os mundos por zero. Mas isso nem tem de ser uma nota negativa, é o que é, e é confortável se soubermos ao que vamos.
Creio que já mencionei isto, mas consigo preferir jogos com uma boa direção artística face àqueles que optam pelo realismo. E Fantasian vence pela imensa criatividade em usar dioramas e maquetes belíssimas para dar vida aos seus mundos, recriando os cenários pré-renderizados de então. Infelizmente, a câmara atrofia sempre que avançamos entre ecrãs, mas à data deste texto já lançaram uma correção (e modificadores de dificuldade).
Não obstante, somos miniaturas num mundo maior e completo pelas composições sonoras de Nobuo Uematsu, com esta versão a nos deixar saltar entre vários temas de combate de outros Final Fantasy.
Se jogaram I am Setsuna, e os restantes da Tokyo RPG Factory, então Fantasian não destoa desse catálogo de JRPG de ambição e orçamento comedido. Não vou dizer que é estelar ou obrigatório, mas é competente e confortável e está repleto de referências à minha série favorita que nunca vai deixar de ser o tronco robusto da minha formação em JRPG, mesmo tendo jogado muitos outros e de qualidade variável. Se Sakaguchi cumprir e lançar um último jogo na veia do VI, eu sei que vou lá estar.