Eternights consegue pensar com as duas cabeças, mas quando decide ser sério, é enternecedor e com momentos bonitos entre as personagens.
Texto por: André Pereira
Eternights chamou-me à atenção num State of Play, ainda em 2022 – de admirar, porque o Final Fantasy 16 teve, nessa altura, um bruto destaque. Não me recordo do que me atraiu, se foi o seu gancho inicial apocalíptico, os visuais, o combate ou a promessa do slice of life com os companheiros de equipa. No entanto: longe da vista, longe do coração e não pensei mais no jogo até ao lançamento.
Depois de ter terminado um dos finais, tenho de dizer que Eternights é muito bom e é uma conquista para a Studio Sai, um estúdio bastante limitado, mas com uma ambição sem tecto. Nem sempre uma grande ambição se traduz num produto final de qualidade. Ou porque o orçamento não o permite, não existem meios ou, sequer, as competências para dar forma às ideias. Como escritor amador, conheço bem as dores de ter as ideias e falhar em concretizá-las. Edge of Eternity (que analisei previamente no Glitch Effect) é um desses jogos, um jogo com boas intenções e ideias, mas que tropeçou nos seus atacadores ao querer fazer demasiado com tão pouco.
Por um lado, tem de ser assim para evoluirmos. Também é delicioso vermos as pessoas que cresceram com as mesmas influências e paixões, a criarem os jogos que gostam de jogar e, ao mesmo tempo, que eu também gosto de jogar, como todos esses RPG em pixel art, por turnos, inspirados em Final Fantasy e em tantas outras séries.
Eternights é descarado com suas bandeiras de Persona e de Shin Megami Tensei, e isso é uma das suas qualidades. Condensar centenas de horas de campanha numa de dez é obra! E isto sem descurar a qualidade, o impacto emocional e os condimentos para uma jogabilidade variada. E se souber a pouco, há sempre o New Game Plus.
Eternights é também o nome de um produto contra o envelhecimento, mas que acaba por transformar as pessoas em aberrações mutantes. Não bastasse a situação, uma grande secção da cidade fica isolada entre enormes paredes, obrigando os restantes sobreviventes a procurar abrigo em bunkers para o efeito. A forma tão blasé como lidam com os acontecimentos diz-me que a premissa é apenas “uma terça-feira” – algo normal. Ainda assim, conseguiu ser uma terça chata porque o protagonista criou um perfil no Tinder antes do fim do mundo. E o único match foi uma consciência que lhe recuperou o braço cortado com um de energia pura e que se transforma em espada… ou num tentáculo.
Quando não está a pensar com a cabeça de baixo, a escrita consegue ser mesmo boa e profunda, não tanto no enredo principal, mas nos pequenos momentos entre as personagens. Claramente que o grosso do argumento foi escrito por um homem para homens porque a trope do protagonista com um harém de moças está forte aqui, se bem que existe outro romance masculino e um suposto melhor amigo. Existem alguns momentos constrangedores, cenas foleiras e piadas fáceis, mas quando lhe vemos a alma, é bonito e os momentos finais são de partir o coração.
Ao contrário dos jogos que mencionei, o combate aqui não é por turnos. Eternights opta pela ação rápida que achei fluida, responsiva e acessível. Vencemos quando quebramos o escudo dos adversários que podem ter vários elementos, mas para o conseguirmos, temos de preencher uma barra especial com outros ataques normais – leves ou pesados que terminam em combos ou deathblows que usamos se optarmos pela agressividade. Estes ataques são influenciados pela nossa equipa que confere os tais elementos que temos de corresponder à vulnerabilidade do escudo inimigo. Além disso, o combate recompensa os parries e os dodges que abrandam o tempo e nos permitem desancar nas hordas. Apesar de estarmos acompanhados, os amigos não fazem nada e apenas estão ali para dar apoio moral ou podermos aceder a habilidades secundárias, o que acaba por limitar o que podemos fazer porque só existe uma personagem que cura, por exemplo.
A evolução do protagonista não é tradicional, mas através das relações que cultiva com a equipa ao passarem tempo juntos, participarem em minijogos de meditação ou respiração ou partirem em excursões de sobrevivência. Estas actividades recompensam-nos com White Essence que usamos em atributos e habilidades passivas e Black Essence (mais rara e que encontramos nos mapas) que usamos para aprender novas habilidades e ataques. Nas poucas horas de jogo, se jogarmos bem as nossas cartas, não vamos ter muitas dificuldades, mas se olharmos para os outros modos…
A Studio Sai conseguiu tocar em muitos jogadores e eu fui um deles. Safaram-se tão bem que já pensam numa sequela e até já andam a recrutar mais pessoal para aumentar o escopo do jogo, mas eu preferi o meu assim: curto, doce e bonito. Apesar da duração, não tenho a certeza se quero repetir o jogo para ver os outros finais. Mais pela campanha, que não é das melhores porque se safa no resto: tem visuais charmosos, as vozes não me feriram os tímpanos e os momentos musicais até que foram enternecedores, mas se tiver de me queixar de uma coisa, é do tempo que o jogo demora a abrir na Steam Deck. Estamos a falar de minutos. Ficarei secretamente à espera que saia na Switch numa edição física para apoiar.
Cópia para análise (PC/Steam Deck) cedida pela Cosmocover .