Com Dispatch, a equipa da AdHoc abraça um jogo baseado em escolhas de diálogos e leve em mecânicas, elevando a experiência com uma fantástica história com super-heróis onde a amizade, redenção e emoções são os maiores superpoderes.
Quando o ano começa a chegar ao fim e parece que já jogámos tudo o que havia para jogar, e que a nossa lista pessoal de “Jogo do Ano” está resolvida, não há nada mais satisfatório do que surgir algo que questiona tudo. Dispatch foi o mais recente jogo a conseguir esse feito. Não é convencional, mas fez tudo para me manter investido até ao fim, e deixou-me, de forma positiva, com dúvidas sobre se quero regressar já a esta experiência.
Revelado nos The Game Awards de 2024, Dispatch não me pareceu ser o jogo com maior destaque, nem aquele que virou cabeças. Os mais atentos e curiosos perante a proposta original de uma equipa nova – a AdHoc, composta por membros de The Walking Dead, The Wolf Among Us e Tales from the Borderlands – rapidamente anteciparam o tipo de experiência a esperar. Mas, tirando esse detalhe e um elenco de vozes reconhecíveis, que impacto teria um trailer daquilo que mais parecia uma série de animação num evento que devia ser exclusivo daquilo que muitos consideram “jogos a sério”?
E ainda bem que as minhas expectativas se mantiveram baixas, pelo menos até jogar a demo com o primeiro episódio. Parte da surpresa nasceu por ter entrado em Dispatch meio às escuras, por recomendação de um colega que já havia experimentado. Que jogo é? Como se joga? Para onde se dirige? Sendo esta última questão a mais importante – considerando a estrutura episódica.

Dispatch aproxima-se mais de uma série interativa do que de um videojogo tradicional, ainda que inclua momentos mais ativos e algumas mecânicas de gestão. Nele, acompanhamos Robert, um ex-super-herói conhecido como Mechaman que, após perder o fato robótico que usava para salvar pessoas e enfrentar vilões, é convidado a liderar uma equipa de resposta rápida composta por antigos antagonistas em busca de redenção.
É uma premissa original e suficientemente distinta dentro de um género que muitos consideram – erradamente – saturado. A AdHoc mostra que histórias com heróis, vilões, capas, super-poderes e os clichés habituais podem ser refrescantes quando bem escritas, emocionalmente ressonantes e tratadas com cuidado, sem rejeitar os aspetos fantasiosos, e por vezes infantis, do género. Aliás, é precisamente essa natureza mais inocente que amplifica o que Dispatch faz tão bem.
Mais do que heróis e vilões, Dispatch trata as suas personagens como pessoas, e a escrita faz um esforço notório nesse sentido, ao ponto de tornar alguns elementos em verdadeiros role models. A caracterização é excelente, diversa e focada em quem eles são enquanto indivíduos, para lá dos poderes ou das origens. O jogo interessa-se imenso pelas personalidades, traumas e passados, até porque a nossa missão – e a de Robert – passa por ajudá-los a redimir-se e a encontrar aqui uma nova e peculiar família.
Em termos de apresentação, Dispatch é, antes de tudo, uma série de animação, e só depois um jogo. Toda a experiência é mostrada através de vídeo pré-renderizado, com uma direção de arte sólida e consistente, acompanhada por uma realização com valores de produção que envergonham algumas séries atuais. Este é, admitidamente, um dos aspetos mais atraentes do jogo. Os momentos interativos reduzem-se, na maioria das vezes, a escolhas de diálogo que definem o percurso da história. Quem conhece o género reconhece o impacto destas escolhas, e Dispatch não foge à regra, sendo que algumas são difíceis de tomar e criam um envolvimento emocional marcante com Robert e com o grupo. Já quando a narrativa exige mais ação, os diálogos são substituídos por QTEs opcionais que, embora momentâneos, têm efeitos tangíveis no desenrolar imediato dos acontecimentos.

A parte mais jogável surge uma ou duas vezes por episódio, em segmentos de 10 a 20 minutos. Aqui, Robert, na sua estação, comanda a equipa por Los Angeles para impedir crimes e salvar pessoas. A narrativa continua a desenrolar-se através dos diálogos entre os elementos da equipa, que discutem entre si, discordam, recusam ações ou interferem com relutância. Com o tempo, estes momentos deixam de ser interrupções para se tornarem reforços da urgência e do perigo que o jogo quer transmitir. O que parecia quebrar o ritmo das longas sequências cinemáticas acaba por enriquecer a experiência e aproximar-nos das personagens pela forma como começam a agir, a colaborar e a criar laços entre si. E embora raramente os vejamos em ação – apenas ouvindo-os do outro lado da linha enquanto a barra de progresso avança -, o envolvimento emocional é contínuo, sobretudo porque o sucesso das missões depende quase exclusivamente da nossa intuição e da leitura das estatísticas de cada membro, que melhoram com o desempenho através de pontos.
Tudo isto é orgânico e natural, tanto mecanicamente como narrativamente, e contribui para uma experiência invulgarmente coesa. O único senão que encontro neste pacote são alguns mini-jogos de hacking, ocasionais e fáceis, que por vezes interromperam o meu ritmo mais do que o necessário.
Mas o que realmente torna Dispatch especial, acima da premissa, da componente visual ou das partes jogáveis acessíveis até para quem raramente joga, é o elenco. Desde a caracterização individual até às interpretações, tudo está no ponto. Veteranos como Laura Bailey, Erin Yvette e Matthew Mercer colidem com novatos e criadores de conteúdo como Alanah Pearce, Jacksepticeye, Joe Haver, MoistCr1TiKaL ou Thot Squad, a par com nomes populares e conhecidos como Jeffrey Wright e Aaron Paul (que lidera o grupo). E todos, sem exceção, estão brilhantes, apoiados por um texto forte e animações expressivas que tornam estas pessoas ainda mais reais.

Há, no entanto, um aspeto que Dispatch dificilmente conseguirá replicar para novos jogadores: a sua componente episódica. A preferência por este formato é subjetiva, claro, mas acabou por ser um dos elementos mais fortes da experiência, com lançamentos semanais de dois episódios, quase sempre a terminar com surpresas ou cliffhangers que alimentavam conversas na comunidade. E esse lado social, preenchido por trocas de experiências, teorias, frustrações, receios, desejos, também fez parte do encanto. Infelizmente, isso perde-se agora com todos os episódios disponíveis, e qualquer tentativa de revisitá-lo através de comunidades online é uma porta aberta a spoilers para quem vai entrar pela primeira vez.
Quando terminei Dispatch, a surpresa inicial solidificou-se na forma como o jogo me deixou controlar a narrativa, sempre com uma sensação de peso real das consequências e das dúvidas que me acompanharam ao longo das escolhas. O jogo acabou por me oferecer um final extremamente satisfatório, preenchido e ajustado à história que senti que queria que contasse, sem truques nem reviravoltas estonteantes ou desnecessárias, com uma confiança admirável e rara, tanto neste meio interativo como noutros. Em jogos como este, é comum encontrar-me a recomeçar imediatamente – algo que desde os dois primeiros episódios já desejava -, escolhendo outras opções, outros caminhos e relações. Mas essa curiosidade foi-se desvanecendo à medida que chegava ao último minuto, com uma lágrima no canto do olho. Para já, não quero estragar aquilo que aqui construí, até porque sentir isso é sempre mágico.

Cópia para análise (versão PC) cedida pela ICO Partners.
