A melhor forma de descrever Dirty John é começando por dizer que esta não é o que parece.
Embora a premissa da série seja o relacionamento amoroso entre John Meehan (Eric Bana) e Debra Newell (Connie Britton), ao longo dos episódios percebemos que esta relação é mais um efeito colateral da dinâmica familiar entre Debra e as suas duas filhas, do que propriamente uma escolha apaixonada e deliberada por parte da personagem.
Aliás, são as filhas de Debra que mais incitam o espectador a acompanhar a série. Ao contrário das personagens principais que são interpretadas de forma monótona, Juno Temple e Julia Garner são competentes no retrato dos seus papéis e na elevação das falas pouco memoráveis com que foram prendadas.
Neste sentido, Juno incorpora Veronica, a filha mais velha de Debra, e, possivelmente, a mais irritante. Todavia, em simultâneo à sua arrogância e prepotência, ela também revela audácia. Uma dualidade que acaba por refletir-se na forma como a vemos. Se no início a julgamos insuportável, tal muda e acabamos por achá-la surpreendentemente apelativa. A transformação é tamanha que, a determinada altura, começamos a questionarmo-nos mais sobre as suas ações do que as de John, o indivíduo sobre o qual devíamos estar mais curiosos.
Por sua vez, Julia Garner interpreta Terra, a filha mais nova e menos petulante que parece demasiado dócil e inofensiva para ser uma personagem de referência, algo que contribuiu imenso para o elemento surpresa da série.
Quanto aos atores principais, como já foi mencionado, ambos ficaram muito aquém daquilo que as respetivas personagens tinham para oferecer.
Ainda que tenhamos gostado da sobriedade do John, algo que não se costuma ver em personagens do género, por várias vezes o ator deixou que este se reduzisse a um vigarista de segunda. Incapaz de usar a simplicidade da personagem para criar uma inesperada aura de mistério, o espetador vai assistindo aos feitos de John moderadamente interessado na esperança que algo de extraordinário aconteça.
Da mesma forma, Connie Britton mostrou-se incapaz de servir o caráter de Debra. Em vez de ser a mulher meiga e generosa que o resto do enredo quer fazer o espectador acreditar, este apenas consegue vislumbrar uma mulher tonta cujas ações mais inteligentes parecem golpes de sorte.
Neste seguimento, Arlane Hart foi outra atriz que não fez jus à personalidade complexa e rica em contrariedades que Jean Smart (a mãe de Debra Newell) era. A sua escolha em representar Jean como uma mulher frágil imensamente devota à sua fé foi francamente superficial, dada a determinação e a coragem assumidas pela personagem em alguns momentos.
Por conseguinte, se querem ver uma série criminal em que os aspetos que vos prendem ao ecrã são o suspense e a trama criminal, Dirty John não é a melhor opção, ainda que faça um trabalho relativamente decente nesse âmbito.
Por outro lado, se querem divagar sobre questões de dinâmica familiar e a forma como a disfuncionalidade entre pais e filhos pode afetar os relacionamentos amorosos dos pais, então recomendamos esta série da Netflix. No entanto, salientamos que se vão entreter, mas não se vão impressionar.