Uma homenagem que perde tanto tempo a imitar que se esquece de dizer algo com algum peso.
A imitação e a apropriação são inseparáveis ao processo criativo. Não existe criação artística sem existir primeiro uma tentativa de imitar algo que nos é próximo ou sobre a qual nutrimos fascínio ou uma ligação emocional. É uma forma de comunicação e de expressão quando tentamos, por exemplo, criar uma sequela para um filme que adoramos ou quando imaginamos as personagens de um videojogo num ambiente diferente, criado e controlado por nós, onde recriamos histórias novas que representam a nossa própria expressão artística, mas também uma tentativa de igualar ou até superar a nossa inspiração.
É um processo incontornável, na minha opinião, e a Invader Studios é um exemplo desta apropriação artística como forma de expressão. A equipa ganhou notoriedade quando, em 2015, anunciou aos fãs que iria fazer aquilo que a Capcom parecia não estar interessada ou preparada para fazer: o tão aguardado remake de Resident Evil 2. Através de uma demonstração jogável, a equipa italiana apresentou a sua visão para o que poderia ser uma versão moderna do clássico de 1998, com controlos semelhantes aos títulos mais recentes da série e uma câmara over the shoulder. O simples facto da Invader Studios ter tentado criar algo tão aguardado e cobiçado pelos fãs foi o suficiente para cimentar o seu nome na história da série. Seguiu-se uma ordem para cessar a atividade pela Capcom e o anúncio do remake oficial de Resident Evil 2, que viria a marcar a mudança há muito aguardada, com a série a abraçar novamente o horror dos primeiros títulos.
A Invader Studios não baixou os braços e decidiu recuperar o seu projeto cancelado. O processo de homenagem transformou-se numa aproximação mais estilizada, com Daymare: 1998 a não esconder que é, para todos os efeitos, um jogo que sempre ambicionou ser um Resident Evil. A jogabilidade é semelhante, o foco em puzzles é parecido, a gestão de recursos é idêntica e até as personagens pouco profundas e a narrativa exagerada por conspirações e corporações estão presentes direta ou indiretamente em Daymare: 1998. Um piscar de olhos simpático à série que tanto inspirou a Invader Studios, talvez até um “obrigado” à distância por todo o processo em torno da tentativa em refazer Resident Evil 2, mas também uma vontade em criar algo único e pessoal.
O que considero mais curioso, agora que chegámos à aguardada sequela, é a forma como o processo criativo da Invader Studios acaba por ser tão irónico e fatalista. Em 2015, a produtora propôs-se a reinventar Resident Evil 2 com uma vertente mais moderna, tentando adivinhar qual seria a evolução do clássico caso a Capcom tentasse recuperá-lo. O mesmo podia ser aplicado a Daymare: 1994 Sandcastle num mundo pós-remakes sucessivos da série Resident Evil, que conseguiram eficazmente modernizar os clássicos da PS1 e PS2 para a nova era, onde poderíamos pensar na forma como a Invader Studios iria evoluir o seu próprio IP e expandir a sua abordagem a um género que tem vivido um verdadeiro renascimento nos últimos sete anos. Infelizmente, Daymare: 1994 Sandcastle é um misto de boas e más decisões que nascem, especificamente, do receio da Invader Studios em sair da sombra dos gigantes.
Resident Evil está no ADN da Invader Studios. É óbvio que a série da Capcom continua a influenciar os jovens designers na forma como abordam a jogabilidade e o level design dos seus projetos. Continuamos a assistir à tentativa de imitação e repetição que os trouxe até aqui, mas agora num mundo pós-remakes. Daymare: 1994 Sandcastle tem as melhores intenções, acredito que sim, mas quer tanto ser Resident Evil 2 Remake que perde a sua identidade. Os menus são idênticos, incluindo o menu rápido onde acedemos às armas, a banda sonora é tão familiar que se torna desconcertante e a jogabilidade traz-nos o foco no controlo de inimigos e de dano nos membros que foi popularizado por Resident Evil 2 Remake, onde é necessário termos cuidado com as zonas dos inimigos que atingimos para parar o seu avanço ou agressividade. O descaramento é tal que até temos vários desafios para completar, exatamente como nos remakes da Capcom A homenagem transformou-se numa cópia que nem sempre é satisfatória.
Paradoxalmente, Daymare: 1994 Sandcastle também é uma mudança de paradigma inteligente para a Invader Studios porque traz-nos um design muito mais comedido e focado. Se Daymare: 1998 banhou-se nos excessos de produção, com várias zonas abertas, vários protagonistas e múltiplos tipos de inimigos, a sequela dá um passo atrás e procura desenvolver mais a sua ambiência e terror de sobrevivência através de cenários lineares e claustrofóbicos. A campanha assume também a estrutura por missões, com cada zona a servir como um ambiente fechado no qual não podemos retroceder. A base da Area 51 não é um enorme labirinto que podemos explorar e é antes um conjunto de blocos limitados que representam a experiência tradicional do género com sequências de combate, puzzles e pequenos momentos de exploração com a possibilidade de encontrarmos itens e alguns segredos.
Não só a campanha é mais linear e controlada, como a jogabilidade segue a mesma aposta ao reduzir o número de armas e tipos de inimigos que encontramos. Uma decisão compreensível, mas nem sempre bem aplicada quando só temos acesso a uma metralhadora e a uma espingarda de proximidade, duas armas que procuram cobrir o combate a longo e curto alcance, mas que se tornam repetitivas e pouco impactantes. A mudança entre armas, através do menu direcional, também é demasiado lenta e frustrante porque deixa a nossa personagem vulnerável a qualquer ataque, com o sistema de mira a ser igualmente dengoso e não tão responsivo como deveria ser tendo em conta os inimigos que encontramos pelo caminho.
Daymare: 1944 Sandcastle colocou todas as suas atenções sobre o Frost Grip, naquele que é o verdadeiro destaque do sistema de combate. Devido à velocidade e habilidade de tele-transporte dos inimigos, somos auxiliados por uma arma que nos permite congelar tudo à nossa volta. Podemos atirar o jato de gelo, mas também minas de gelo, efetuar um ataque de área – disponível quando somos agarrados por um inimigo – e até disferir um golpe físico mais destrutivo nos inimigos que congelámos. Ao contrário das armas tradicionais, o Frost Grip pode ser melhorado se encontrarmos as estações específicas, algumas mais escondidas do que as outras, mas quase sempre acessíveis para dar aos jogadores uma maior variedade em combate. É aqui que desbloqueamos as minas, os escudos de gelo, a distância dos jatos de gelo ou então maiores pontos de defesa para Dalila. Só podemos escolher uma melhoria de cada vez e a Invader Studios quer que sintamos o peso das nossas decisões, mas sinto que algumas melhorias são mais estéticas do que funcionais e muitos inimigos podem ser derrotados com o simples jato de gelo ou o ataque de área.
O que também foi reduzido foi o número e tipo de inimigos, um dos maiores erros de Daymare: 1994 Sandcastle. Estas criaturas de eletricidade, composta por cadáveres de soldados ressuscitados, têm um dos designs mais aborrecidos que vi no género. Parece algo saído de um jogo de ficção científica lançado há 15 anos atrás, com a sua IA a não ser muito melhor. Estas criaturas correm para nós, são muito mais rápidos e só têm um tipo de ataque: agarrar-nos e tirar-nos uma boa fatia de vida. Apesar de serem facilmente derrotados, têm um pequeno “senão”: podem infetar outros cadáveres. Quando derrotamos uma criatura, e se existirem corpos espalhados pelo cenário, uma bola de luz fica visível e pode entrar noutro cadáver. É tão visual e mecanicamente aborrecido como estão a imaginar. Podemos destruir estas bolas de luz com um ataque de gelo.
Existem outras criaturas mais interessantes, como um monstro que atira projeteis e outro capaz de invocar criaturas ao longo do combate, mas nenhuma é mecanicamente empolgante para casar com as mecânicas do jogo. O combate é mais aborrecido do que tático, apesar das opções que temos, e isso deixou-me muito desapontado. O objetivo é ter o maior número de gelo para despacharmos os confrontos e seguirmos em frente, não deixá-los a arrastar porque podemos sempre perder energia quando somos agarrados – algo que vai agravando ao longo das horas, onde temos de carregar repetidamente no X para afastarmos a criatura que nos ataca. E o pior? Um dos inimigos mata-nos com um só ataque. Menos é mais, mas a Invader Studios podia ter apostado num tipo de inimigos mais empolgante.
Daymare: 1994 Sandcastle é uma sequela peculiar porque não ambiciona superar a escala do título anterior, mas antes encontrar uma experiência mais controlada e curada. É um passo atrás que limpa os excessos de Daymare: 1998 e traz-nos uma campanha mais sólida e com menos problemas de desempenho e otimização – ainda que esteja sempre por um fio, já que existem momentos em que parece que o jogo vai implodir na nossa consola. O problema é que Daymare: 1994 Sandcastle rejeita a novidade e aproxima-se ainda mais das suas influências, ao ponto de copiar e apropriar elementos icónicos da série Resident Evil. A Invader Studios continua a querer homenagear um passado que lhe foi negado e a tentar aproximar-se daquilo que mais admira, mas para Daymare crescer, a Invader Studios tem também de crescer enquanto artistas e designers. É preciso perguntar “o que queremos fazer” e não “como queremos imitar”.
Cópia para análise (versão PlayStation 5) cedida pela Stride PR.