The Little Mermaid enriquece praticamente todos os aspetos narrativos em comparação com o original, aprofundando os arcos de Ariel e Eric ao mesmo tempo que explora os temas centrais sem perder nenhuma da essência do antecessor.
Mais um remake live-action da Disney, mais um pequeno preâmbulo sobre a obra original. Pessoalmente, The Little Mermaid (1989) nunca foi um dos filmes de animação que marcou a minha infância. As canções memoráveis, as sequências musicais debaixo do mar e as personagens secundárias icónicas mantiveram a revisita recente agradável, mas infelizmente, a narrativa superficial e abrupta, juntamente com arcos de personagem extremamente subdesenvolvidos devido ao curto tempo de execução, deixam muito a desejar. Detalhes que contava poderem vir a ser melhorados no remake com mais uma hora de duração…
Afirmar que um remake atinge o nível do original ou que ultrapassa o mesmo será sempre controverso. Então se for relativo a obras que marcaram gerações, o fator nostalgia entra em ação e cega espetadores que sentem a necessidade quase que incontrolável de proteger “o seu filme” contra qualquer opinião minimamente positiva sobre a nova adaptação. Comportamentos compreensíveis, exceto quando levados ao extremo, onde se demonstra uma intolerância que rapidamente se transforma em boicotes, acusações pessoais e tentativas de menosprezar aspetos positivos sem razão para tal.
Sinto-me repetitivo ao voltar a mencionar que a minha opinião não é minimamente afetada por polémicas externas. The Little Mermaid (2023) é apenas o novo alvo da minoria vocal incessante em cancelar tudo o que escape às barreiras do dito “normal”. A incapacidade de entender quais são as caraterísticas importantes de uma personagem parece mais propositada do que inocente, visto ser bastante óbvio que a cor de pele de Ariel – interpretada por Halle Bailey no remake – nada importa para o seu arco ou para o enredo principal. Não vale a pena perder muito tempo com complexidades humanas incompreensíveis do nosso mundo.
Não esquecendo a opinião pessoal sobre o filme de 1989, lanço o inevitável “hot take”: sim, considero este remake de The Little Mermaid superior ao original. Calma… não refiro que é uma obra-prima inigualável na história do cinema. E não, não estou a seguir uma agenda política por causa da atriz principal ser negra – por favor. O filme realizado por Rob Marshall (Mary Poppins Returns) e escrito por David Magee (A Man Called Otto) também contém os seus problemas, mas a narrativa é incomparavelmente mais rica, completa e emocionalmente convincente do que a anterior, com todo o respeito pelos autores da primeira adaptação – que tiveram de lidar com a tendência das durações curtas daquela época.
The Little Mermaid mantém os temas centrais do conto de Hans Christian Andersen: a jornada de auto-descoberta de Ariel, a busca por pertença e aceitação, a curiosidade por aventura e exploração de novas culturas e mundos… tudo continua intacto nesta nova adaptação. A grande diferença prende-se com o tempo despendido para aprofundar todos estes tópicos, assim como os arcos dos protagonistas. Desde pequenos pormenores como explicações sobre o passado familiar de Ariel e Eric, ao prolongamento de sequências do original que necessitavam de mais tempo de ecrã para atingirem o impacto pretendido, o novo argumento é inquestionavelmente mais complexo.
A maior evolução narrativa passa mesmo pela relação principal de The Little Mermaid. A premissa mantém-se idêntica: Ariel e Eric têm que partilhar um beijo de verdadeiro amor para a sereia transformar-se num ser humano, tendo até ao pôr-do-sol do terceiro dia para completar tal objetivo. Não querendo soar demasiado bruto com a obra de 1989, mas em nenhum momento acredito que as personagens se apaixonaram uma pela outra, muito menos por razões tão poderosas ao ponto de poder descrever o seu beijo como um de verdadeiro amor.
No original, ambos se preocupam mais com a aparência um do outro, sendo que Ariel chega mesmo a dizer ao seu pai que ama o “bonito Eric” sem os dois partilharem qualquer diálogo. A primeira vez que Ariel vê Eric, perde-se na beleza fútil da sua cara. No remake, Ariel fascina-se pelas palavras do príncipe, criando uma conexão emocional com a sua personalidade, os seus desejos, ambições e maneira de ver o mundo, sendo que só vê a sua cara mesmo antes da tempestade surgir e afundar o barco. Mesmo após este primeiro encontro, Ariel sente-se confusa e mantém como principal motivação o interesse por explorar o mundo humano, ao invés de estar loucamente apaixonada por um homem que mal conhece.
O segundo ato de The Little Mermaid aprofunda ainda mais a sua relação, criando inúmeros paralelos entre os seus passados, a educação que receberam, o futuro que desejam para si, a paixão comum por aventura e a curiosidade intensa por culturas diferentes. Ambos possuem uma coleção de antiguidades de outros mundos e, quando Eric leva Ariel a passear pelo seu reino, esta é uma sequência extensa, oferecendo build-ups significantes para resoluções impactantes de muito daquilo que Ariel canta na canção icónica “Part of Your World”.
O elenco possui uma química palpável, sendo que Halle Bailey é o destaque absoluto. A atriz demonstra ser tremendamente carismática, virando os holofotes todos para a mesma sempre que aparece no grande ecrã. Para além da prestação soberba, a sua voz impressionante ecoa pela sala de cinema, agarrando a atenção de todos os espetadores enquanto canta as músicas inesquecíveis da banda sonora original. Jonah Hauer-King (This is the Night) também surpreende como Eric, chegando mesmo a ter a sua própria canção. O par é incrivelmente charmoso, mas não são os únicos a sobressair em The Little Mermaid.
Daveed Diggs (Blindspotting) e Awkwafina (Renfield) conseguem distinguir-se das vozes originais de Sebastian e Scuttle, respetivamente, ao oferecerem sotaques e tons diferentes para ambas as personagens. Nunca esperei que chegassem ao mesmo nível de Samuel E. Wright (Sebastian) e Buddy Hackett (Scuttle), mas a verdade é que permanecem absolutamente hilariantes. No remake, existem mais interações entre os dois animais, gerando ainda mais sequências cómicas em adição às conhecidas que são repetidas. Jacob Tremblay (My Father’s Dragon) também cumpre ao interpretar Flounder.
Melissa McCarthy (The Starling) entrega-se de corpo e alma a Ursula, respeitando o trabalho anterior de Pat Carroll, mas adicionando uma camada mais dramática à vilã de The Little Mermaid. Esta soa e parece mais assustadora que no filme de 1989, apesar de manter algum do seu humor mais negro. No entanto, esperava mais ajustes ao seu arco. Existem tentativas de criar uma ligação entre Ursula e King Triton, mas aqui o argumento peca pela mesma superficialidade que a obra original teve com Ariel e Eric. O passado entre o rei e a vilã acaba por se manter uma incógnita, sendo que as motivações de Ursula permanecem fiéis às do antecessor.
Surpreendentemente, Javier Bardem (Being the Ricardos) é o único ator que desilude. King Triton nunca foi um personagem altamente expressivo ou emocional, mas na obra original, é possível perceber o sentimento de culpa e arrependimento de um pai a tentar lidar com uma filha “rebelde”. Bardem mantém a mesma expressão durante todo o filme, focando-se em demasia no facto de estar a representar um rei ao invés de um pai.
Do lado técnico, The Little Mermaid possui tantos atributos como defeitos. Os visuais são muito melhores daquilo que os trailers fizeram transparecer, com alguns momentos verdadeiramente deslumbrantes, mas a sensação de estarmos a assistir a atores representarem à frente de um pano verde nunca desaparece realmente – talvez tenhamos ficado mal habituados depois de Avatar: The Way of Water. A cenografia e guarda-roupa, principalmente quando a ação se move para o mundo humano, merece bastantes elogios.
As músicas famosas são lindamente interpretadas e eficientemente executadas, sendo que “Kiss the Girl” deixou a minha sessão a chorar a rir e é, sem dúvidas, o meu momento musical favorito. Infelizmente, as novas canções não resultam, de todo. Se a música de Eric, “Wild Uncharted Waters”, ainda se aceita, outras saem completamente ao lado, principalmente um rap envolvendo Sebastian e Scuttle que apanhou-me desprevenido. Não se encaixa no tipo de músicas que o filme apresenta, parecendo mais um outtake feito para a brincadeira do que algo planeado com pés e cabeça.
Já a banda sonora de Alan Menken é tudo aquilo que uma banda sonora de um remake deve ser. Agarra no trabalho original que criou há mais de 30 anos atrás e faz o mesmo que o argumento de Magee: enriquece aquilo que merecia ser enriquecido. As melodias tornam-se mais complexas e as músicas estendem-se durante mais tempo, contribuindo para um maior impacto das sequências musicais. Se há aspeto impossível de criticar neste remake, é precisamente este.
Não tenho palavras para descrever o quão surpreendido e satisfeito saí do cinema após ver The Little Mermaid. Não é um remake perfeito, longe disso. Continua abaixo de outras adaptações live-action da Disney, mas é mais um passo no bom caminho que o estúdio está a percorrer ao recordar estas histórias e oferecendo novas interpretações que – atenção agora – podem ou não desfrutar! A nossa infância não vai ser arruinada por um novo filme. As obras originais nunca desapareceram nem vão sucumbir. Termino com um exemplo pessoal de como lidar com estes remakes, se me permitem.
Se me perguntassem há alguns anos atrás quais eram os meus filmes de animação favoritos, dificilmente diria Mulan. Apesar de sempre ter gostado da obra original, nunca a voltei a rever em adulto, pelo que, de alguma forma, caiu no esquecimento. Se não fosse pelo remake de 2020, nunca teria revisto o original e percebido o quanto o adoro. Não desfrutei do remake, apesar de aplaudir a coragem de Niki Caro em tentar algo arriscado e diferente. Mas agradeço todos os dias o facto deste existir, pois sem o remake, não me teria voltado a encontrar com a versão animada tão cedo. Por isso, se não gostarem de The Little Mermaid, não há problema. Voltem a ver o filme de 1989, partilhem com a vossa família e, quem sabe, até poderão desfrutar ainda mais do mesmo depois de verem outra interpretação.
VEREDITO
The Little Mermaid enriquece praticamente todos os aspetos narrativos em comparação com o original, aprofundando os arcos de Ariel e Eric ao mesmo tempo que explora os temas centrais sem perder nenhuma da essência do antecessor. A relação entre os protagonistas é incomparavelmente mais complexa e emocionalmente convincente, ao passo que as personagens secundárias – nomeadamente Sebastian e Scuttle – continuam genuinamente hilariantes. Halle Bailey impressiona – e de que maneira – e o elenco acompanha-a muito bem.
No entanto, não deixa de ter os seus problemas: as músicas novas são, na sua maioria, esquecíveis; os visuais são melhores do que se antecipavam, mas a sensação de estar rodeado de um ambiente falso nunca desaparece; e Ursula ficou com potencial por explorar.
Dito isto, é um dos melhores remakes live-action da Disney dos últimos tempos e merece ser visto por muitas crianças e famílias!
The Little Mermaid enriquece praticamente todos os aspetos narrativos em comparação com o original ???? Vocês só podem estar a gozar com o leitor
Adamastor,
Nada disso, é só a opinião de alguém que desfrutou imenso deste remake. Partilhe também a sua opinião, gostaria de ler 🙂