The Flash conta com excelentes prestações, sequências de “super-speed” verdadeiramente épicas e inúmeros momentos de humor surpreendente.
Normalmente, quando uma saga sofre um reboot, este é aborrecidamente anunciado através de um comunicado e os fãs simplesmente devem aceitar que os próximos filmes serão uma nova aventura desconetada da anterior. No entanto, de forma talvez inédita, a DCEU tinha nas suas mãos uma oportunidade de criar um reboot narrativo através de The Flash, sendo que esta era a razão principal pelo qual me sentia genuinamente entusiasmado à entrada para uma das últimas obras do universo cinemático – o novo passará a chamar-se DC Universe (DCU).
Para além disso, o facto do realizador Andy Muschietti (It, It: Chapter Two) e da argumentista Christina Hodson (Bumblebee, Birds of Prey) serem os responsáveis maiores oferecia uma certa segurança de que a obra estava em boas mãos. Mais uma vez, assuntos externos afetaram o lançamento de um blockbuster, mas volto a enfatizar o impacto nulo que estes têm nas críticas que escrevo. Em adição a isto, fica também o aviso de que não desenvolverei sobre potenciais spoilers, mas considero tudo o que tenha sido partilhado pelo próprio estúdio na sua campanha publicitária – desde trailers a clips curtos para televisão – como conhecimento público geral.
Dito isto, The Flash irá deixar o seu público-alvo extremamente satisfeito. Fãs de comics têm muitos momentos para se arrepiarem e ficarem boquiabertos perante os inúmeros cameos, referências e callbacks, mas pessoalmente, a maior surpresa encontra-se no argumento em si. Com muito mais coração e humor do que antecipava, Hodson consegue criar um enredo cativante sobre luto e as cicatrizes da vida ao juntar dois Barry Allen’s (Ezra Miller) não só em fases completamente distintas da sua vida, mas em mundos totalmente diferentes, sendo que o facto do “outro Barry” ter ambos os pais vivos e presentes é a razão pela qual tudo acontece.
The Flash segue fórmulas conhecidas de filmes que lidam com viagens no tempo e teorias sobre o multiverso, obviamente explicando as suas próprias regras para a audiência a determinado ponto na obra. A previsibilidade da narrativa seria menor se o filme tivesse saído há uns anos atrás, mas Hodson consegue manter a história interessante através das dinâmicas entre as duas versões do protagonista. Desde paralelos entre as vidas de cada um aos próprios arcos completos e bem explorados, assistir à história de origem do super-herói titular através dos olhos de outra versão mais experiente de si própria é, de facto, fascinante.
Ezra Miller surpreende ao interpretar variações do mesmo papel, entregando prestações expressivamente complexas e bem mais dramáticas do que vimos anteriormente. Sempre tive dúvidas sobre a capacidade do ator em conseguir ser mais do que um mero sidekick, mas a verdade é que demonstra em The Flash ser capaz de liderar um blockbuster desta dimensão. No entanto, partilha os holofotes com duas personagens secundárias que irão levar imensos espetadores à loucura por diferentes razões: Batman dos filmes de Tim Burton que volta a ser interpretado por Michael Keaton e o regresso ao grande ecrã de Supergirl (Sasha Calle).
Quem me segue há tempo suficiente, sabe que deixei de ver trailers – antes dos filmes – já há mais de seis anos. Evito a todo custo entrar numa sala de cinema com qualquer conhecimento sobre a obra que vou assistir. Entendo a necessidade de trailers informativos e que “vendam” ao público o que o mesmo irá pagar para ver. Defendo inclusive que a criação de trailers é uma arte em si e, quando estes são perfeitos, são capazes de ficar gravados na memória dos espetadores para sempre. Dito isto, não posso esconder a desilusão por não ter tido a oportunidade de experienciar a presença destas duas personagens no cinema pela primeira vez.
Se o Batman de Keaton possui uma presença e impacto maiores no desenrolar da narrativa – aparece relativamente cedo – e, por isso, entende-se a utilização do mesmo na campanha publicitária, Supergirl recebe um build-up tremendo e é tratada como se fosse uma revelação chocante, o que não faz grande sentido, tendo em conta a sua presença em trailers e posters. Aliás, um dos maiores pontos de enredo de The Flash assenta precisamente na procura da Kryptoniana. Felizmente, apesar do fator surpresa inexistente, Sasha Calle compensa com uma performance incrivelmente poderosa, sendo mesmo o meu destaque pessoal no que toca ao combo ator-personagem – espero que possa manter o papel no próximo universo cinemático.
Nunca fui o maior fã dos filmes de Burton, mas mantêm-se visualizações divertidas. Desejava que The Flash oferecesse momentos de ação dignos desta versão de Batman e assim foi. Desde sequências de luta coreografadas com excelentes stunts às clássicas set pieces gigantes de um blockbuster, assim como o regresso do tema icónico de Danny Elfman, Batman possui vários momentos de brilho, tal como Supergirl e, claro, o(s) próprio(s) Flash(es). Nota para o guarda-roupa dos super-heróis, cujos uniformes se encontram deslumbrantemente épicos. A banda sonora de Benjamin Wallfisch (Thirteen Lives) também merece elogios.
Surpreendentemente, os maiores problemas de The Flash acabam por cair do lado técnico, nomeadamente nos efeitos visuais. Se me dissessem à entrada para o cinema que teria poucas críticas a fazer à narrativa, não acreditaria nem por um segundo, mas a verdade é que, tirando nitpicks insignificantes e até desnecessários sobre a “lógica” das viagens temporais, não existe propriamente algo de relevo negativo em que se possa pegar. Infelizmente, os visuais criam imensos problemas praticamente impossíveis de ignorar, sendo a dependência excessiva em deepfakes absolutamente terríveis o maior fator de distração da obra.
Durante a maior parte do tempo de execução, The Flash coloca duas versões de Barry Allen bem à frente dos espetadores, usando tecnologia de inteligência artificial para criar uma cara idêntica à do ator real. Eis que surge o iceberg: não existe um único momento em que sequer se duvide de quem é a pessoa falsa. É de tal maneira fácil de se notar que se chega ao ponto de questionar algumas decisões de Muschietti – assumindo que teve controlo sobre que personagem seria a verdadeira e a falsa – em relação a quem “falsificar”.
O mesmo acontece com todas as outras personagens que sofrem com estes deepfakes atrozes. Junte-se a este componente visual um CGI inconsistente – especialmente em humanos e animais – e são várias secções do filme afetadas por visuais que desviam a atenção dos espetadores daquilo que realmente importa. The Flash até incorpora alguns detalhes interessantes nas suas sequências de ação, mas no geral, os efeitos especiais deixam muito a desejar – e sim, assisti à versão final. Tendo em conta que os artistas respetivos são frequentemente atolados com excesso de trabalho e financeiramente prejudicados, este é mais um sinal de alarme para Hollywood que deve começar a tratar este departamento de forma mais justa.
Finalmente, esperava que o impacto do reboot fosse aproveitado de forma mais explícita por The Flash. Não considero os momentos de fan-service forçados, mas não penso que a execução tenha sido a melhor. O que devia ter sido tratado com uma certa antecipação e suspense é apressado e “colado” numa montagem estranha onde os visuais voltam a pecar por falta de consistência. O entusiasmo de ver aquele ator ou aquela personagem não desaparece e não deixa de ser uma espécie de carta de amor à DC, mas faltou um maior cuidado para realmente transformar esta sequência em particular num momento icónico e inesquecível.
VEREDITO
The Flash conta com excelentes prestações – Sasha Calle como Supergirl é hipnotizante – sequências de “super-speed” verdadeiramente épicas e inúmeros momentos de humor surpreendente. Os paralelos interessantes e profundos entre os arcos de Barry Allen, os dilemas morais emotivos sobre as cicatrizes da vida e o regresso da banda sonora icónica de Danny Elfman são alguns dos aspetos que tornam este blockbuster numa sessão bem satisfatória e nostálgica com mais coração do que o esperado, apesar de não conseguir fugir à previsibilidade das suas fórmulas narrativas. Pena também que os efeitos visuais estejam tão inconsistentes e que a dependência em deepfakes degradantes seja um elemento de distração tão impactante.
Dito isto, é uma das melhores obras da quase-extinta DCEU.