Crítica – The Father

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The Father oferece uma experiência brutalmente devastadora e emocionalmente poderosa sobre a demência que não deixará ninguém indiferente.

The Father

Sinopse: “Uma mulher (Olivia Colman) tenta encontrar alguém para cuidar do seu pai mal-humorado de 80 anos (Anthony Hopkins) enquanto a demência continua a corroer a sua memória.”

Já vi imensos filmes incríveis durante a minha vida. Alguns ofereceram-me uma explosão de puro entretenimento, outros deixaram-me a chorar que nem uma criança e dezenas fizeram-me rir descontroladamente. No entanto, os filmes mais memoráveis são aqueles que me impactam emocionalmente, seja lembrando-me de uma fase passada da minha vida ou por possuírem personagens principais com quem me relacione fortemente. O que é “apenas mais um filme” para a maioria dos espectadores pode, em última análise, tornar-se uma jornada pessoal para outros, que é como experienciei parcialmente The Father. Não tinha expectativas gigantes para o filme em si, mas estava curioso para saber o quão espetacular Anthony Hopkins seria.

Apesar do lendário ator ser, sem dúvida, um destaque irrefutável, o storytelling criativo e não convencional de Florian Zeller deixou-me completamente arrasado. No final do filme, senti-me emocionalmente drenado de todos os meus sentimentos e pensamentos devido à narrativa gradualmente mais pesada e devastadora co-escrita por Zeller e Christopher Hampton, adaptada da peça de teatro do primeiro, Le Père. Podia ter sido mais uma história genérica sobre demência, mas o storytelling brilhante de Zeller coloca o espectador na pele do protagonista, oferecendo um ponto de vista aterrorizante da doença. Desde o primeiro minuto até ao fim, o público acompanha Anthony, um idoso que começa a perder a noção da realidade, através da sua própria perspetiva.

Honestamente, não sei se este tipo de ponto de vista já foi retratado antes, particularmente no caso da demência, mas, de qualquer forma, é uma experiência angustiante que, certamente, deixará a grande maioria do público extremamente cativado durante todo o tempo de execução. Ver Anthony passar por cenas em que o próprio acredita que estão realmente a acontecer como ele as vive é tão interessante como é frustrante e triste quando o público começa a ver como as mesmas cenas realmente ocorreram. Aliás, se alguém começar a assistir ao filme sem sequer saber da sinopse, o primeiro ato quase que parece um mistério-thriller devido a tantos twists relativos às conversas prévias que Anthony e os espectadores acreditam serem 100% reais.

The Father

O argumento de Zeller e Hampton não se foca apenas nos sentimentos de Anthony, mas também nos entes queridos que o rodeiam, o que acredito firmemente ser necessário e honesto. The Father não se esconde de mostrar a frustração acumulada e até mesmo o desespero que a família costuma enfrentar ao lidar com alguém com esta terrível condição de saúde. Não tenho palavras para descrever o quão atencioso e impactante o método de Zeller de contar a história acaba por ser. Fiquei notavelmente surpreendido quando me apercebi que o filme tinha atingido a marca da uma hora. O controlo do ritmo e do tom do filme é absolutamente perfeito. Tecnicamente, o trabalho de edição de Yorgos Lamprinos é tão impecável como a cinematografia persistente de Ben Smithard.

No entanto, é a banda sonora fenomenal de Ludovico Einaudi que rouba os holofotes no campo técnico. Desde a música de ópera atmosférica e grandiosa às faixas mais subtis, Einaudi faz questão de elevar os momentos críticos com um som claro que ajuda o espectador a entender a mudança progressiva na perceção da realidade por parte de Anthony.

Zeller demonstra imenso talento na sua estreia como realizador de uma longa-metragem. O facto de ser uma adaptação da sua própria peça certamente ajuda o próprio a trazer a história do palco para o ecrã, mas as suas escolhas de filmmaking são dignas de reconhecimento, como o uso extensivo de takes longos para deixar os atores brilharem nos seus papéis complexos. E já que mencionei o elenco…

Anthony Hopkins entrega uma prestação digna de prémios que só encontra em Chadwick Boseman (Ma Rainey’s Black Bottom) um rival sério para a temporada de cerimónias que se avizinha. Hopkins tem inúmeras interpretações impressionantes ao longo da sua carreira, mas esta é, definitivamente, uma das minhas favoritas. Nunca antecipei que fosse derramar tantas lágrimas ao ver um idoso a chorar ou a levar uma chapada na cara, embora não seja devido aos atos em si, mas sim a tudo o que constrói esses momentos. Durante a maior parte do tempo de execução, realmente não senti tristeza ou raiva. Em vez disso, sinto a dor de todas as personagens, pois é incrivelmente difícil de testemunhar como todos lidam com a situação. Hopkins e Olivia Colman são, sem dúvida, os mais impactantes, mas Olivia Williams e Imogen Poots também acrescentam muito à componente sentimental.

The Father

Insinuo acima que The Father me impactou a um nível pessoal. Conto um pouco sobre esse tópico: o meu avô não teve demência, mas a sua mente foi-se lentamente deteriorando até chegar a um ponto onde teve que passar os seus últimos meses neste planeta preso numa cama sem realmente falar ou conseguir mover-se. Ainda hoje, parte de mim está arrependida de não ter passado tanto tempo com ele perto do seu fim, enquanto que a outra parte permanece um bocado aliviada pela minha memória dele no seu estado “normal” se manter intacta. Sempre temi que se o visitasse com frequência nos seus últimos dias de vida, só me recordaria do seu tempo no lar em vez dos anos repletos com lições tremendamente essenciais que me foi ensinando. Este filme deixou-me sem dormir, passando a noite a pensar nessa altura da minha vida…

The Father é uma representação devastadora da doença dolorosamente progressiva que é a demência. O storytelling extremamente cativante de Florian Zeller coloca os espetadores dentro da mente do protagonista, dando a oportunidade ao público de testemunhar e sentir tudo através da sua perspetiva incerta. Zeller e Christopher Hampton entregam um argumento brilhantemente único, repleto com socos emocionais que não deixarão ninguém indiferente.

Desde a edição perfeita ao trabalho de câmara persistente, acaba por ser a banda sonora bonita e impactante de Ludovico Einaudi que eleva os grandes momentos. O uso de takes longos por parte de Zeller é tanto necessário como importante para prender a atenção dos espetadores a Anthony Hopkins, que entrega uma prestação poderosamente convincente, inquestionavelmente digna de muitos prémios. Uma das minhas performances favoritas de toda a sua carreira. Espero que este filme seja o mais perto que alguma vez me encontrarei de vivenciar esta condição mental.

A minha conexão pessoal com esta história justifica a minha primeira nota máxima desde novembro de 2019 (Ford v Ferrari). Um dos melhores filmes que vi no último par de anos. Não percam!

The Father ainda não tem data de estreia para os cinemas portugueses.

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