The Boys in the Band é um filme que se concentra nos tópicos da homossexualidade e orientação sexual. No entanto, nunca dá a sensação de ser exclusivo aos espetadores LGTBQ+, muito pelo contrário.
Sinopse: “Um visitante vira uma noite de cabeça para baixo quando interrompe uma reunião de gays em New York em 1968.”
Em primeiro lugar, não sabia nada sobre este filme nem a peça de teatro que adapta. Como sempre, também não assisti ao trailer ou a qualquer clipe. Baseando-me apenas e só no elenco e na sinopse, esperava um filme divertido e leve, com uma uma história importante sobre orientação sexual e homossexualidade a ser desenvolvida. Embora não esteja totalmente errado na última parte, The Boys in the Band está longe de ser um daqueles filmes de domingo à tarde que as pessoas ocasionalmente colocam na televisão para entreter convidados por algumas horas.
Possui duas metades distintas. A primeira contém uma das introduções mais cativantes às personagens e à narrativa geral deste ano (até à data desta crítica). Desde o primeiro minuto, o argumento de Mart Crowley e Ned Martel encontra-se repleto com conversas interessantes e todos os atores são capazes de dar força ao guião ao serem incrivelmente realistas e espontâneos. Todas as personagens têm uma personalidade clara e os relacionamentos entre estas são inteligentemente estabelecidos. É, definitivamente, um dos melhores filmes do ano no que toca ao desenvolvimento de personagens, visto que todas são exploradas para além de apenas uma ou duas linhas de caraterização. Tecnicamente, o facto de ser apenas um local agrada-me sempre e funciona muito bem no contexto do filme, tendo em conta que nunca desvia o foco das personagens e das suas histórias pessoais.
No entanto, a segunda metade não podia seguir um rumo mais chocante. O tom outrora leve muda drasticamente depois de Alan (Brian Hutchison) entrar na festa. Um ambiente tenso e desconfortável preenche o apartamento e nunca mais desaparece, nem depois de tudo ter acabado. É uma história emocionalmente pesada, chegando até a ser cansativa, que leva todas as personagens ao seu limite absoluto. Segredos são revelados, verdades omitidas (aquelas que todos guardam bem no fundo para não magoar os amigos) acabam por sair e o álcool desempenha um papel impactante em tudo isto. No entanto, não é realmente um dos temas centrais do filme, embora haja uma mensagem clara sobre esse assunto.
A homossexualidade (como era e ainda é tratada pela sociedade) é, sem dúvida, o tópico principal da narrativa, mas acredito que a orientação sexual seja ultimamente o tema em The Boys in the Band. Na verdade, uma análise ainda mais geral conclui que a mensagem principal segue as já conhecidas diretrizes do “aceite-se a si próprio” e “não tenha medo ou vergonha do que gosta”. Consequentemente, acaba por tornar-se um filme mais acessível, pois nunca parece que se está a fechar, excluindo pessoas fora do público-alvo. Todos podem (e devem) desfrutar da componente temática do filme, uma vez que os debates que as personagens têm umas com as outras são extremamente significativos para a sociedade atual.
O caos que domina o apartamento é surpreendentemente genuíno e natural, criando uma comparação com o que ocorre diariamente por todo o mundo. O tratamento que os argumentistas dão à homossexualidade e à orientação sexual é profundo e muito bem desenvolvido, explorando as fases pelas quais milhares de pessoas acabam por enfrentar: confiança, vergonha, incerteza, aceitação e muitas mais. Honestamente, se alguém se sentir desconfortável ao ver este filme, é porque algo não está bem. Sim, aborda-se preconceitos, discriminação sexual e muitos outros aspetos relacionados com este assunto. No entanto, no final, não é um filme exclusivamente sobre homossexualidade, mas sobre as pessoas aceitarem-se pelo que são sem medo ou vergonha.
O elenco e as personagens que retratam são o que fazem de The Boys in the Band um filme tão bom. Não posso entrar em detalhes sobre todos, caso contrário, esta crítica nunca terminaria, mas tenho que mencionar alguns. Zachary Quinto (Harold) retrata o “amigo-inimigo” de Jim Parsons (Michael) e a sua interpretação estranha, filosófica e enigmática enquanto aniversariante rouba os holofotes em várias ocasiões. Brian Hutchison é incrível como Alan, o “patinho feio” de toda a situação, cuja orientação sexual é questionada durante todo o filme. Hutchison faz um ótimo trabalho em nunca deixar o espetador perceber claramente as suas intenções sexuais. Todos são fantásticos, mas ofereço um último shoutout para o hilariante Robin de Jesús (Emory) e o sempre fantástico Matt Bomer (Donald).
Mesmo com tanta qualidade, Jim Parsons entrega uma prestação de outro nível. Se não receber aquele buzz para a época de prémios, não sei o que mais um ator precisa de fazer mais para o conseguir. Tal como a estrutura da narrativa, Michael também tem duas personalidades distintas, dependendo do nível de álcool no seu sangue. Quando está sóbrio, Parsons mostra aquele seu lado peculiar com as suas expressões faciais engraçadas. Quando se encontra alcoolizado, torna-se verbalmente violento, agressivo para com os amigos e um anfitrião terrível. É o catalisador da história, o motor de todo o filme. Sem ele, nada acontece. Parsons assume essa responsabilidade e oferece uma performance memorável, uma das melhores que 2020 tem para oferecer.
Como mencionado anteriormente, o argumento de Crowley e Martel é excecionalmente bem escrito, possuindo diálogos cativantes. Penso que nunca assisti a uma adaptação de uma peça de teatro que me tenha convencido a querer assistir à última. No entanto, é precisamente devido a The Boys in the Band ser uma adaptação de teatro para cinema que tenho o seguinte problema. Os momentos em que uma audiência ao vivo devia bater palmas ou repetir uma catchphrase são demasiado óbvios, tirando-me do filme nessas ocasiões, pois sinto que falta algo ou que uma personagem é forçada a “substituir” o público inexistente.
O meu outro problema está relacionado com o jogo que Michael propõe e que ocupa a segunda metade do filme. Apesar de começar de uma maneira interessante e emocionalmente convincente, torna-se gradualmente monótono e muito previsível. Um ciclo cansativo onde tudo o que deveria acontecer ocorre sem grandes surpresas. Alguns flashbacks desnecessários também esticam o tempo de execução, para além de serem os únicos momentos em que o espetador deixa o apartamento cheio de suspense e tensão, algo que que realmente não apreciei. No final, duas linhas narrativas são deixadas abertas a diferentes interpretações, decisões narrativas que adoro. Não existem respostas certas, apenas as nossas próprias interpretações.
Sendo assim, The Boys in the Band é uma das melhores adaptações de teatro para cinema que vejo desde há algum tempo. Na verdade, até me convenceu a ver a versão original (se pudesse), o que acaba por ser uma prova do quanto me impactou.
Sim, é um filme que se concentra nos tópicos da homossexualidade e orientação sexual. No entanto, nunca dá a sensação de ser exclusivo aos espetadores LGTBQ+, muito pelo contrário. Transmite uma mensagem geral de aceitação e autoestima, algo com que todos se podem identificar. Mart Crowley e Ned Martel entregam um argumento que trata estes temas de uma forma surpreendentemente genuína, importante e natural, criando uma analogia clara não só com os anos 60, mas também com a sociedade atual. Todas as conversas são fascinantes e envolventes. Personagens debatem assuntos essenciais que todos deviam ouvir e aprender.
Em relação ao desenvolvimento de personagens, este filme de Joe Mantello explora mais as personagens do que qualquer outro filme de 2020 até agora. Todos os atores incorporam os seus papéis na perfeição, mas Jim Parsons merece alguns prémios pela sua prestação emocionalmente poderosa. Ocasionalmente, o ajuste de momentos onde uma audiência ao vivo interagiria não funciona muito bem. O jogo da segunda metade do filme torna-se repetitivo e previsível, estendendo o tempo de execução em demasia (também devido a flashbacks desnecessários).
As duas linhas narrativas ambíguas que terminam o filme são a cereja no topo de um bolo muito bom, pelo que recomendo a darem uma trinca.
The Boys in the Band já pode ser visto na Netflix.