Crítica – Stopmotion

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Stopmotion destaca-se como uma obra inesquecivelmente única e desafiadora, entrelaçando a arte da animação stop motion com a profundidade do horror psicológico numa narrativa tão complexa quanto perturbadora.

Pessoalmente, dos vários estilos de animação existentes, o stop motion sempre foi dos mais fascinantes. Aliás, uma das minhas notas máximas deste século pertence precisamente a uma obra deste tipo, Kubo and the Two Strings. Se apenas este detalhe já me chamaria a atenção, misturar este tipo de animação com horror, igualmente um dos meus géneros favoritos, coloca expetativas num patamar claramente mais elevado. Stopmotion conta com a estreia do cineasta Robert Morgan em longas-metragens, que também co-escreve o argumento com Robin King (Mnemophrenia), e é protagonizado por Aisling Franciosi (The Nightingale).

Franciosi interpreta Ella Blake, uma animadora de stop motion que começa gradualmente a perder controlo da sua vida quando a sua mãe, cineasta e mestre da sua arte, se vê incapaz de terminar o seu último filme, colocando em Ella a responsabilidade de concluir a sua obra. Quando uma pequena rapariga sem nome surge e oferece ideias sobre como melhorar a história, Stopmotion embarca numa narrativa perturbadora e de muito difícil visualização sobre obsessões extremas, procura incessante de validação e liberdade criativa e pessoal.

Sem dúvidas, uma obra incrivelmente complicada de recomendar à vasta maioria do público geral. Stopmotion é o típico filme com imenso valor temático e técnico que costuma alienar audiências comuns e criar uma comunidade de culto cinéfila devido à maneira de contar histórias pouco convencional e à falta de exposição direta e básica sobre o que se passa ou o que a protagonista está a pensar/sentir. Se a receção seguirá esta teoria ou não, é caso de esperar para ver, mas por aqui, sinto-me tremendamente surpreendido e satisfeito com uma obra que perdurará na memória de qualquer espetador, para o bem e para o mal.

Stopmotion possui uma história com várias camadas complexas, sendo aquele tipo de filme que se torna cada vez melhor quanto mais tempo dispensarmos a pensar e a aprofundar os inúmeros tópicos que aborda. No seu centro, nasce de fundações formulaicas já vistas anteriormente no cinema: um filme dentro de outro filme, a arte que consome o seu artista, ficção misturada com realidade… estas bases servem apenas de pontos de partida para um estudo de personagem detalhado sobre uma jovem à procura da sua própria voz.

A imaginação é maior quando somos crianças e Stopmotion leva esta frase num sentido muito literal e expectável, mas com um impacto narrativo soberbo. Ella é uma artista que, para todos os efeitos, se encontra presa pela presença assertiva da sua mãe, tornando-se uma mera marioneta no seu controlo. Quando se liberta dessas cordas, o seu sentido de criatividade explode e parte da sua nova obra fictícia mistura-se com a sua vida real, incluindo os problemas íntimos que a assombram. Morgan e King exploram a fundo a dependência obsessiva de um artista pela sua arte e o quanto a busca de validação – de nós próprios ou de outros – pode levar a conclusões devastadoramente trágicas.

Obviamente, existe uma espécie de homenagem ao estilo de animação que oferece o título ao filme. A mistura de live-action com stop motion já impressiona por si só, mas a obra dedica até bastante tempo da sua curta duração a demonstrar o nível de detalhe insano que carateriza este meio fantástico do cinema. Desde mover a ‘armadura’ dos bonecos meros milímetros a construir cenários ou montar centenas de olhos, Stopmotion demonstra de várias maneiras o trabalho exaustivo por detrás de filmes assim e nunca deixa de ser chocante o tempo e destreza necessários para criar um mundo e personagens tão verdadeiros.

No entanto, o destaque técnico é partilhado por dois departamentos: som e maquilhagem. Stopmotion é, com alguma margem, uma das obras mais nojentas que assisti – e ouvi – nos últimos anos. Não me considero um espetador com problemas de ver sangue, cortes no corpo humano ou de ouvir aqueles sons lamacentos como se estivéssemos a esmagar ou esguichar alguma coisa – bem pelo contrário, tiro um prazer estranho deste tipo de entretenimento cinematográfico -, mas Morgan ofereceu carta branca à sua equipa e admito que existem momentos de tal forma repugnantes que não resisti a desviar o olhar um par de vezes ou a apertar todos os músculos do meu corpo aquando um som arrepiante.

A banda sonora de Lola de la Mata é também super eficiente em gerar uma atmosfera desconfortável e torturante, nunca deixando os espetadores descansarem. Stopmotion envolve também um certo mistério sobre tudo o que se está a passar, mas ao contrário de outras narrativas semelhantes, nunca cai na armadilha de tentar forçar um choque ou twist vindo do nada, seguindo o caminho que tem de seguir focando-se no desenvolvimento temático e de personagem supostos. Franciosi é brilhante – algo surpreendido como ainda não obteve maiores oportunidades -, assim como Caoilinn Springall (The Midnight Sky) que demonstra uma maturidade acima da média para uma atriz com apenas 11 anos.

Chegando ao fim, mantenho as mesmas dificuldades sobre a quem devo recomendar Stopmotion. É uma obra de curta duração, mas com uma narrativa complexa pesada que demora a cativar inicialmente e, após se perceber o seu rumo, torna-se algo repetitiva, apesar de concluir na perfeição o arco trágico da protagonista. Emocionalmente, peca por uma falta de maior conexão com o espetador e, por esta razão, não prevejo grande sucesso a nível comercial com o público geral. Espero estar redondamente enganado, pois Morgan merece muito mais oportunidades depois desta sua primeira aventura em longas-metragens.

VEREDITO

Stopmotion destaca-se como uma obra inesquecivelmente única e desafiadora, entrelaçando a arte da animação stop motion com a profundidade do horror psicológico numa narrativa tão complexa quanto perturbadora. Embora a sua história densa e abordagem não convencional sejam elementos afastados dos gostos do público geral, é um testemunho do poder criativo e da exploração de temas significantes. A maquilhagem nojenta e efeitos práticos repugnantes combinados com uma produção sonora igualmente inquietante, assim como o estudo instigante sobre a obsessão do artista e da procura por validação, criam uma experiência cinematográfica verdadeiramente memorável. Nota ainda para as prestações notáveis de Aisling Franciosi e Caoilinn Springall.

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