- Publicidade -

Speak No Evil pode não alcançar a profundidade visceral do original dinamarquês, mas oferece uma abordagem mais acessível e de maior apelo comercial.

Inúmeras teses cinéfilas já foram redigidas sobre remakes. Desde a sua necessidade às “regras” que estes devem seguir ou não, sem esquecer a componente “nostalgia” em muitos casos, é um assunto complexo dentro do mundo da apreciação de cinema. Ao passo que alguns espetadores preferem remakes totalmente distintos do original, outros preferem algo praticamente idêntico. No entanto, existe algo incrivelmente incomum sobre Speak No Evil que é o facto do filme original ter sido lançado apenas há dois anos atrás. Serão tão poucos anos suficientes para um remake americano da obra dinamarquesa?

A premissa mantém-se semelhante, trocando apenas as origens e nacionalidades das personagens. Neste remake, uma família americana conhece outra família britânica durante férias em Itália, ficando um convite da última para a primeira os visitar na sua casa do campo, longe do centro de Londres. O que era suposto ser um fim-de-semana idílico começa lentamente a desfazer-se à medida que os americanos tentam manter-se educados face a situações exponencialmente desagradáveis. James Watkins (The Woman in Black) é o único responsável pela realização e argumento, contando com um elenco de luxo para dar o seu toque a personagens já conhecidas.

Speak No Evil (original) é um thriller psicológico tenso e repleto de suspense marcado por uma camada temática riquíssima e uma conclusão corajosamente chocante. Christian e Mads Tafdrup entregaram um estudo provocante e assombroso sobre educação, desconforto social e auto-preservação, examinando como convenções e normais sociais – particularmente aquelas que servem para evitar conflito e manter civismo – podem ser manipuladas, levando as pessoas por caminhos perigosos. Ao longo da obra, a família visitante prefere permanecer em silêncio ao invés de serem honestos e partilharem as suas inseguranças e mau-estar, entrando inevitavelmente num buraco sem saída.

Speak No Evil (remake) mantém o foco temático e até torna a família americana mais complexa que a dinamarquesa original, tornando a sua relação amorosa mais complicada devido a uma traição passada que continua a afetar a felicidade e confiança do casal. É um arco pessoal ligado ao perdão e à capacidade humana de enfrentar um assunto impactante que requer honestidade, interligando assim naturalmente com o tema principal da obra. Dito isto, acaba por não ter a mesma resolução satisfatória que o tópico primário, em muito devido à mudança drástica do último ato.

Para o bem e para o mal, Speak No Evil é um remake claramente americanizado. Por um lado, contém um ritmo mais rápido, um valor de entretenimento maior – mais sequências de “ação” e um clímax guiado por isso mesmo – e prestações mais destacadas. Por outro lado, perde alguma da brutalidade e valor de choque do original, para além de não trazer propriamente nada de novo ao tema principal, repetindo as linhas de diálogo e cenas mais significantes do filme dinamarquês. Aliás, a primeira metade do remake é muito semelhante à do original, sendo que o tempo de ecrã oferecido às crianças a partir deste ponto começa a dar pistas aos espetadores que a conclusão da obra poderá seguir outro rumo.

No fundo, Speak No Evil (remake) é uma versão mais “limpa”, mas não deixa de justificar a sua existência com uma história que, de facto, deixa o público com sensações totalmente distintas. Esta ideia restrita que apenas pode existir um filme é um exemplo perfeito de gatekeeping, como se um remake fosse destruir o original e este nunca mais pudesse ser visto. Nada impede os espetadores de preferirem uma versão à outra, nem de desfrutarem de ambas. Neste caso em particular, depende imenso do tipo de final que apreciam.

Pessoalmente, mantenho a minha preferência pelo original, mas as prestações do remake são muito mais cativantes e memoráveis. Mackenzie Davis (Terminator: Dark Fate), Scoot McNairy (12 Years a Slave) e Aisling Franciosi (The Nightingale) são todos fantásticos, mas James McAvoy (Split) encontra-se noutro patamar. Tem de ser dos atores mais subvalorizados da indústria, tal a falta de papéis em obras destinadas aos Óscares. A fisicalidade com que incorpora Paddy, uma pessoa que tanto parece incrivelmente simpática e gentil como, na cena seguinte, tem uma atitude extremamente questionável e moralmente contraditória com aquilo que mostrou de si anteriormente, é fascinante. Que ator!

VEREDITO

Speak No Evil pode não alcançar a profundidade visceral do original dinamarquês, mas oferece uma abordagem mais acessível e de maior apelo comercial. As alterações ao enredo e no tom podem dividir os fãs do thriller psicológico de 2022, mas há algo a ser dito sobre a eficácia das prestações soberbas – James McAvoy é hipnotizante –  e a dinâmica mais complexa entre as personagens centrais. O estudo temático sobre educação e a pressão para respeitar as normas sociais, mesmo quando estas se encontram em oposição à nossa segurança pessoal, mantém-se provocante, mas o crédito aqui tem de ir para o trabalho do original. Para quem prefere uma experiência mais “suave” em termos de violência emocional e física, este remake é uma versão válida que, ainda que não supere o original, consegue gerar uma experiência distinta para o público. Afinal de contas, ambas as histórias podem coexistir e agradar a diferentes públicos. Escolham a vossa favorita ou, ainda melhor, desfrutem das duas.

- Publicidade -

Deixa uma resposta

Introduz o teu comentário!
Introduz o teu nome

Relacionados

Speak No Evil pode não alcançar a profundidade visceral do original dinamarquês, mas oferece uma abordagem mais acessível e de maior apelo comercial. Inúmeras teses cinéfilas já foram redigidas sobre remakes. Desde a sua necessidade às "regras" que estes devem seguir ou não, sem esquecer...Crítica - Speak No Evil