Uma segunda temporada menos viciante que a primeira, mas Servant continua a possuir todas as caraterísticas que definiram o sucesso da série.
Esta é uma opinião original com base nos primeiros sete episódios da temporada entregues à imprensa. A crítica aborda spoilers da primeira temporada.
Sinopse: “Após um final carregado de suspense, esta segunda temporada toma um rumo sobrenatural. À medida que Leanne (Nell Tiger Free) retorna à casa e a sua verdadeira natureza é revelada, um futuro mais sombrio para todos está por chegar.”
A minha adoração pelos filmes de M. Night Shyamalan está longe de ser um segredo. Desde a sua trilogia de super-heróis de deixar o queixo caído (Unbreakable, Split, Glass) até filmes clássicos que impactaram profundamente a cultura pop (The Sixth Sense, Signs, The Village), passando pelas suas películas desastrosas (The Last Airbender, After Earth), a influência de Shyamalan na evolução do cinema é inegável. Assim, quando me apercebi que estaria envolvido numa série de horror psicológico criada por Tony Basgallop, sabia que ia captar a minha atenção mesmo antes de saber do que realmente se tratava. A temporada de estreia de Servant (crítica aqui) é, ainda nos dias de hoje, uma das melhores primeiras temporadas que testemunhei em muito, muito tempo.
A atmosfera repleta com um suspense incrível e os diálogos extremamente tensos são os dois aspetos-chave que, em última análise, descrevem os primeiros 10 episódios misteriosamente cativantes. Com dezenas de perguntas sem resposta, o final da temporada pode ter respondido a algumas, mas levantou muitas outras, especialmente sobre Leanne e o seu culto maluco e sobrenatural (?). Para muitos espetadores, passar muito tempo sem ter as suas teorias contrariadas ou provadas certas é um ponto negativo bem sério… Não poderia sentir-me diferente sobre este tipo de estrutura. Sinceramente, adoro ser mantido no escuro apenas para que possa ser surpreendido com as revelações chocantes que Servant possui.
A segunda temporada pega diretamente no final da primeira e segue uma história menos interessante, focada em encontrar Jericho depois de Leanne e o seu culto o terem levado. Os dois atributos fundamentais mencionados acima ainda estão presentes, mas Leanne era a sua fonte primária. Nell Tiger Free continua a entregar uma prestação fenomenal, mas não tem tanto tempo de ecrã nem tantas interações com personagens como na temporada anterior. Durante estes primeiros sete episódios, a série mergulha mais no estudo das próprias personagens, o que parece ser o passo certo a tomar. No entanto, nem todos recebem um tratamento justo.
Sean (Toby Kebbell) foi sempre retratado como sendo a pessoa mais racional e lógica da família. Ainda assim, com o desaparecimento de Jericho, Sean entra por um caminho psicologicamente frágil que é bastante subtil e aparentemente inofensivo, mas, em alguns pontos, perigosamente semelhante ao de Dorothy (Lauren Ambrose). A personagem de Toby obtém, definitivamente, o desenvolvimento mais envolvente (que, sem dúvida, contém um evento chocante ainda por ser revelado), para além da exibição impecável do ator.
Infelizmente, tanto a prestação exagerada de Lauren como a escrita de Dorothy tornam difícil um investimento emocional na personagem. A primeira anda arriscadamente na linha ténue entre “demasiado” e “no limite”, mas, nesta temporada, entrega algumas linhas de diálogo hilariantemente más. Depois, a mãe de Jericho mantém os níveis de loucura no máximo, o que começa a ser genuinamente frustrante e um pouco irritante, para ser completamente honesto.
Basicamente, é um festival non-stop de expressões faciais cringe-worthy e falas bem esquisitas. Julian tenta equilibrar tudo o que está a acontecer enquanto bebe vinho, o que é estranhamente cativante, provavelmente devido à qualidade de atuação de Rupert Grint. Leanne eventualmente aparece, mas não quero abordar muito o seu enredo.
Visualmente, os momentos nojentos e difíceis de assistir que caraterizam o show continuam a existir. As cenas brutais de culinária da temporada anterior são substituídas por primeiros-socorros absolutamente horríveis que farão a maioria dos espetadores desviar instintivamente os olhos do ecrã. Novos argumentistas e realizadores juntam-se à série (incluindo Ishana Night Shyamalan, filha do famoso cineasta) e todos trazem excelentes atributos a cada episódio, mantendo o tom obscuro vital e a atmosfera bem estabelecida e consistentemente inquieta. A banda sonora subtil de Trevor Gureckis acompanha a história lindamente, influenciando positivamente o entretenimento dos espectadores. Enormes elogios para a produção artística simples, mas eficiente, bem como para o trabalho de câmara que permite que os atores brilhem, permanecendo nos mesmos um pouco mais do que o habitual.
Finalmente, na maioria dos casos, costumo prefiro episódios semanais. Esta estrutura permite debates que podem aumentar o entusiasmo pela série respetiva, mantendo o hype em crescendo para o próximo episódio. No entanto, Servant funciona melhor como uma série para se fazer bingewatch a tudo de uma só vez. Os episódios de curta duração não oferecem muito espaço para adicionar algo profundamente impactante em termos de história que pudesse gerar uma semana inteira de conversa. Esta temporada concentra-se imenso num só enredo principal: encontrar Jericho. Gostaria que estes sete episódios tivessem abordado e desenvolvido o culto de Leanne, mas como a série está planeada para seis temporadas, entendo que precisem de guardar algo para os próximos anos.
Concluindo, a segunda temporada de Servant não é tão convincente, viciante ou mesmo tão misteriosa como a primeira, mas continua a possuir todas estas caraterísticas. Esta temporada desvia o foco principal para as personagens, oferecendo-lhes um desenvolvimento detalhado e deixando os atores explorarem profundamente os seus papéis. As interações tensas e o ambiente de suspense estão fortemente presentes, mas, infelizmente, a narrativa principal não torna fácil um investimento emocional.
Toby Kebbell demonstra novamente o seu talento subestimado, Nell Tiger Free continua a ser incrivelmente sinistra e Rupert Grint é uma espécie de comic relief fantástico. No entanto, Lauren Ambrose ultrapassa o limite do exagero demasiadas vezes, protagonizando alguns episódios desapontantemente pobres.
Tecnicamente, os novos realizadores e argumentistas trazem algo único para melhorar a série, mas é a banda sonora de Trevor Gureckis que rouba os holofotes. Espero que os capítulos restantes não sejam uma deceção geral, mas (surpreendentemente) recomendo esperar e ver tudo de uma só vez… Fica o conselho.
Servant pode ser visto em exclusivo no serviço Apple TV+.